O Moloch Lavajatiano deu um espetáculo grotesco de injustiça, por Fábio de Oliveira Ribeiro

O Moloch Lavajatiano deu um espetáculo grotesco de injustiça

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Aqui mesmo no GGN afirmei que a Lava Jato havia instaurado uma ambiguidade fundamental. Na Justiça a operação se desenvolvia como uma coleção de processos criminais. Na imprensa ela se desdobrava como um espetáculo jornalístico.

Durante vários anos, Sérgio Moro atuou como juiz num dos frontes e como garoto/propaganda e/ou roteirista no outro. A sentença no caso do Triplex foi um caso típico de interpenetração dos universos jurídico e midiático. Não por acaso, o juiz se viu obrigado a dar mais valor probatório à acusação jornalística sacada contra o ex-presidente do que aos documentos e depoimentos que atestaram que o réu não havia recebido a posse ou a propriedade do imóvel.

Sou suspeito para julgar Sérgio Moro. Confesso, entretanto, que não fiquei nenhum pouco surpreso com o escândalo revelado pelo The Intercept Brasil. Há bastante tempo venho comparando o juiz da Lava Jato aos degoladores e ao Cabo Bruno. O jornalismo investigativo provou aquilo que muitos suspeitavam: a existência de um conluio para suprimir o direito de Lula a um julgamento justo por um juiz isento que respeitasse seu direito de defesa.

Advogado desde 1990, no princípio da carreira presenciei algo semelhante. Certa feita, estava no gabinete de um desembargador no TRT/SP e sem querer ouvi a conversa no gabinete ao lado. Outro desembargador havia ligado para o advogado de uma empresa em greve pedindo-lhe para protocolar uma petição no processo O desembargador especificou de maneira detalhada qual requerimento ele queria deferir e não poderia se a petição não fosse protocolada. A decisão afetaria de maneira negativa os interesses do Sindicato que era parte naquele processo.

A secretaria do desembargador com o qual eu ia despachar para ter acesso a um dissídio de greve sorriu amarelo. Disse-lhe baixinho.

– Você sempre ouve conversas assim no gabinete ao lado?

Ela respondeu mais baixo.

– Já escutei coisa pior, mas não sou besta de comentar.

Quem já presenciou um espetáculo de injustiça pode fazer duas coisas. Dar de ombros e se resignar dizendo que as coisas sempre foram assim ou lutar para tentar mudar essa realidade. Desde que comecei a advogar nunca consegui acreditar que é natural, desejável ou tolerável a existência de conspirações grotescas como a que ocorreu na Lava Jato.

Em quase 30 anos de advocacia nunca troquei mensagens extra-autos com nenhum juiz ou promotor. Certa feita fui obrigado a impetrar um Mandado de Segurança contra um juiz que indeferiu um pedido de tutela antecipada pertinente. O Tribunal concedeu a liminar e a confirmou no Acórdão. No dia da audiência, o juiz iniciou os trabalhos me dizendo o seguinte: O senhor não precisava ter impetrado um Mandado de Segurança doutor, poderia ter vindo despachar uma petição comigo e eu teria atendido seu pedido. Minha resposta foi bem curta: O Tribunal fica mais perto do meu escritório do que esse Fórum.

A relação entre advogados, promotores e juízes é profissional. Ela pode ser cortês, mas não precisa ser íntima e muito menos de sujeição reverencial. O defensor da parte tem o dever de garantir interesses bem definidos (que podem ser de um particular, de uma comunidade, do público ou do Estado), seu compromisso não é com o juiz. Se estiver comprometido com o juiz o advogado, promotor ou procurador não conseguirá fazer seu trabalho. Se não estiver livre de compromissos com as partes o juiz deixa de ser imparcial e compromete a validade do processo.

Lula foi uma vítima, sem dúvida. Mas ninguém pode dizer que ele foi a primeira ou a única vítima de um costume judiciário cuja origem nasceu com o pecado original do Brasil: a distinção social entre os juízes da colônia e os colonos, a hierarquia entre os próprios colonos e as diferenças entre estes e os índios e escravos negros.

Nenhum juiz colonial ou imperial jamais tratou um aristocrata da mesma forma que tratava um homem livre pobre, um índio ou um escravo. Nos dois últimos casos, os juízes eram compelidos pela legislação a fazer distinções semelhantes àquelas que parecem ter orientado a atuação de Sérgio Moro e Deltan Dellagnol no caso de Lula.

Rebaixado pela imprensa à condição de índio ou de escravo, Lula não poderia ter qualquer direito. Elevados pelos telejornalistas à condição de aristocratas, o juiz e o procurador agiram com total liberdade para simplesmente ignorar as regras do Código de Processo Penal, do Código Penal, da Lei Orgânica da Magistratura e da Lei Orgânica do Ministério Público da União.

A Lava Jato foi e continua sendo um espetáculo como nenhum outro. Os procuradores do MPF de Curitiba se fecharam em concha e disseram que a operação foi vítima de um ataque criminoso. Absolutamente convicto de sua impunidade, Sérgio Moro disse que a violação do sigilo telefônico dele compromete a segurança nacional. Reduzida aos caprichos jurídicos e pseudo-jurídicos de dois homens (um juiz e um procurador) a nação deixou de ter Leis porque de fato já havia deixado de ter um Supremo Tribunal Federal. Isso ocorreu no momento exato em que os Ministros daquela Corte aceitaram se colocar sob o poder de uma operação que, por falta de qualquer limitação legal, institucional, ética e moral, pode ter se transformado numa organização criminosa.

Culpados, Sérgio Moro e de Deltan Dellagnol também foram vítimas. Mas eles não foram vítimas do The Intercept Brasil, website jornalístico que fez um uso excelente e invejável da liberdade de imprensa. Na verdade, os atores da Lava Jato foram vítimas da adulação jornalística (orientada por interesses políticos, partidários e financeiros). Eles também foram vítimas do medo reverencial que o STF vinha demonstrando há vários anos pelo Moloch Lavajatiano. Qualquer dupla que fosse colocada na condição de arbitrar em última instância os destinos de Lula, das eleições presidenciais e do Brasil faria o mesmo que eles fizeram.

Moro e Dellagnol não foram homens excepcionais em tempos sombrios. A Lava Jato não foi criada para combater a corrupção e sim para corromper tanto o MPF quanto o Judiciário para garantir um resultado eleitoral que fosse diferente daquele que era desejado pela população brasileiro. As mensagens trocadas entre o juiz e o procurador revelam que eles foram apenas homens medíocres que se tornaram sombrios por causa da excepcional capacidade da imprensa brasileira de conspirar contra o Estado de Direito e contra o direito de defesa de Lula. Agora a imprensa se vê no papel ridículo de atacar a própria liberdade de imprensa do The Intercept Brasil em razão daquele website ter feito aquilo o que os jornalistas brasileiros foram pagos para não fazer.

O reflexo do escândalo no processo promovido por Lula contra ao Brasil no Comitê de Direitos Humano da ONU será devastador. É quase impossível os juízes daquele Tribunal não reconhecerem que Sérgio Moro vulnerou o direito de Lula a um julgamento justo, pois além de mandar grampear os advogados do réu ele mantinha contatos frequentes sobre o caso com o órgão de acusação (inclusive fazendo sugestões do que deveria ser feito no processo).

Não basta anular o processo do Triplex e libertar Lula. Também não basta crucificar Moro e Dellagnol. O espetáculo da Lava Jato tem que terminar como nenhum outro. O MPF e o Judiciário tem que ser expurgado das práticas que levaram à construção do Moloch Lavajatiano, isso inclui necessariamente uma revolução nos Tribunais que se colocaram sob o poder de um juiz e um procurador de primeira instância. A imprensa brasileira deve ser regulada, arejada e, sobretudo, democratizada.

Fábio de Oliveira Ribeiro

Fábio de Oliveira Ribeiro

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