Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O “Não Vai Ter Golpe” e o golpe Cunha-Temer, por Aldo Fornazieri

O “Não Vai Ter Golpe” e o golpe Cunha-Temer

por Aldo Fornazieri

Nas últimas semanas a esquadra do governo foi quase posta a pique. Era como se ela estivesse numa enseada recebendo ataque por terra, mar e ar. O ataque começou com a divulgação da delação de Delcídio do Amaral e terminou com o patético anúncio do desembarque do PMDB. O juiz Moro, procuradores do MPF, procuradores de São Paulo, a condução coercitiva de Lula, a operação de guerra contra o instituto Lula montada pela Polícia Federal, a interdição da posse de Lula como ministro, o massacre de setores da grande mídia, as conspirações de Michel Temer, as manifestações do dia 13 de março – tudo parecia indicar que o governo afundaria de vez e jornalistas, analistas e cientistas políticos se apressaram em decretar a hora do juízo final. Após essa onda de ataques, os analistas coxinizados não acreditavam que uma reação fosse possível e davam o fim do governo como uma questão de semanas.

A contraofensiva, a rigor, começou no dia 18 de março, com as grandes manifestações pela democracia e contra o golpe e continuou com os atos do dia 31. Mas neste meio tempo aconteceu também algo muito significativo que não mereceu a devida atenção. Ocorreram centenas, talvez milhares, de debates, pequenos e grandes atos em ambientes fechados, abaixo-assinados, manifestados e várias outras formas de mobilização que consolidaram a tese de que o impeachment é golpe e a consciência da necessidade da luta do “não vai ter golpe”.

A tese do golpe foi assumida pelos movimentos sociais, por intelectuais, artistas, professores universitários e, principalmente, por uma juventude combativa, desvinculada de partidos políticos, aglutinada em coletivos e movimentos diversos, que configura o nascimento de uma nova esquerda. A contraofensiva, assim, não veio nem da parte do governo e nem da parte do PT, que estavam sem estado maior e ainda agem atabalhoadamente. A ação desses movimentos e das Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo foi decisiva para equilibrar um jogo que parecia perdido. A tese do golpe e a palavra de ordem “não vai ter golpe” ganharam tal força que criaram embaraços em setores da oposição ditos “civilizados” e na grande mídia que desencadeou uma vã ofensiva no sentido de dizer que impeachment não é golpe.

A contraofensiva foi beneficiada também por alguns outros fatos importantes: o STF assumiu uma postura mais firme na defesa da Constituição que vinha sendo violada por Sérgio Moro, Gilmar Mendes e Eduardo Cunha; a proteção santificadora de Moro se rompeu e hoje está mais claro que ele implantou um estado de exceção judicial e que cometeu várias arbitrariedades agindo como estrategista da oposição e não como juiz; o desembarque do PMDB se revelou uma farsa, como disse o senador Requião.

Na verdade, o desembarque do PMDB foi um pré-golpe, orquestrado por Temer e Cunha. Temer tornou-se uma figura sombria que se esgueira pelas sombras e por onde passa ouve-se o tinir dos punhais da traição. Depois da desastrada carta “mi-mi-mi”, Temer continua sem a capacidade de unir o PMDB e mesmo assim é vendido pela mídia e por analistas políticos e de consultorias como o homem sensato que “unificará o país”. Desta forma, as desconfianças acerca da viabilidade de um possível governo Temer voltaram a crescer. Será um governo sem a legitimidade do voto, será tratado como golpista, terá um PMDB dividido, não terá força para fazer reformas e, em tese, será acossado pela Lava Jato.

A semana passada terminou com o jogo empatado. Tanto o golpe-impeachment quanto a sua derrota continuam como possibilidades reais e tudo vai depender dos movimentos e das estratégias dos contendores. Se a semana terminou com o desembarque do PMDB fazendo água, a ação politicamente orientada do juiz Moro e do MPF continuou ativa. A tentativa de desenterrar o caso Celso Daniel visou manter a iniciativa do jogo nas mãos da troika de Curitiba no momento em que esta ameaça escapar-lhe. A declaração de Moro, no despacho, em que sugere o possível esclarecimento da morte do ex-prefeito de Santo André é incabível e injustificável e um ato de usurpação das prerrogativas da polícia civil e da Justiça do Estado de São Paulo.

Em meio a esses combates todos, o governo e o PT continuam desorientados, dando a impressão de que querem a sua própria derrota. A presidente Dilma adota um discurso de todo equivocado. Defende-se, quando o correto é deixar que seja defendida. Traz para seu colo, a todo o momento, as intrigas da Lava Jato, a delação do Delcidio, a declaração de que é inocente e de que se trata de um golpe. A pauta do discurso de Dilma deveria ser toda outra: uma pauta da governabilidade, o discurso de estadista, as propostas para enfrentar a crise econômica e o desemprego, mostrar que seu governo é viável, gerar confiança e esperança. O PT, por sua vez, sequer é capaz de responder às investidas ilegais da Lava Jato. A sua inação é desmobilizadora da luta pela democracia.

O golpe Cunha-Temer

Á medida em que a crise se encaminha para um desfecho no Congresso a sociedade começa a prestar cada vez mais atenção sobre o significado de cada possível saída. Já que há a possibilidade de um governo Temer vir a constituir-se, a proposta “Uma Ponte para o Futuro”, preparada justamente a partir de intenções conspiradoras de dirigentes do PMDB, começa a se tornar foco de questionamentos.

Os dois primeiros parágrafos introdutórios já vêm carregados de uma linguagem conspirativa, apresentando o PMDB como alternativa de poder no presente período e não remetendo-se a 2018. O documento faz de conta que o PMDB não é parte integrante do governo e, assim, procura isentar-se da responsabilidade compartilhada pela atual crise. Ademais, o documento chama a atenção para dois pontos, consensuais hoje nas análises dos problemas enfrentados pelo Brasil: estagnação econômica e crise fiscal.

É justamente nas indicações das soluções para a crise fiscal que se revela o caráter problemático de um possível governo Temer e a necessidade de combatê-lo por todos aqueles que advogam a redução da desigualdade e a justiça social. De modo geral, o documento ataca o colchão, diga-se de passagem, ainda precário, de segurança social, criado pela Constituição de 1988, classificada por Ulisses Guimarães como Constituição cidadã, justamente por criar condições de inclusão e de bem estar social.

Admitindo-se que é verdade que as despesas vinculadas constitucionalmente não cambem mais dentro do orçamento e que se tornaram um fator de desequilíbrio fiscal, a questão é: trata-se de quebrar as conquistas sociais para conseguir o equilíbrio ou trata-se de buscar novas fontes de financiamento para mantê-las e ampliá-las, já que o Brasil é profundamente desigual e injusto? A opção do documento do PMDB é claramente pela quebra das conquistas sociais, o que representa um gravíssimo e inaceitável retrocesso civilizatório. Além disso, o documento sinaliza uma reforma trabalhista que irá precarizar a mão de obra e derrogar direitos trabalhistas.

O problema fiscal do Estado tem inúmeras outras formas de ser atacado que não a precarização dos direitos e conquistas sociais. A principal dela é uma reforma tributária que reverta o regressivo e iníquo sistema tributário do país, no qual os pobres pagam os impostos e os ricos se beneficiam deles. Esta escandalosa situação é até mesmo reconhecida pela ONU. Só de sonegação, R$ 400 bilhões por ano deixam de entrar nos cofres públicos. É preciso acabar com as isenções e desonerações para os setores industriais e fazer com que a Fiesp pague o seu pato.

Existem várias outras formas também de reduzir as despesas públicas: acabar com os privilégios dos políticos, dos altos escalões do Executivo, do Legislativo e do Judiciário em todas as esferas da Federação; reduzir o custo da política; acabar com o desperdício de dinheiro público tornando a administração eficiente, etc. Os próprios programas sociais precisam ser deputados para estancar os desvios e corrupção.

O programa Cunha-Temer, além de promover um ataque a direitos e à Constituição parece querer se associar a outros interesses: esvaziar a previdência pública e abrir as portas para fundos internacionais de previdência privada; golpear o processo de internacionalização e de competitividade de empresas brasileiras para favorecer conglomerados norte-americanos e abrir as portas do pré-sal para os interesses das grandes petroleiras internacionais. Um governo Temer representaria, a um só tempo, um golpe político e um golpe social.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

10 Comentários

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  1. A luta contra o golpe se fortalece.

    Com exceção do PSTU, toda a esquerda se uniu contra o golpe. Mesmo que cada um defenda suas próprias propostas, muita delas extremamente críticas ao atual governo Dilma, o recado é claro: a defesa do ambiente democrático é importante para os trabalhadores e portanto deve ser importante para os verdadeiros socialistas. Importante parte da esquerda diz, ruim com Dilma, pior sem ela.

    Caso vença a estratégia oposicionista de colocar o Temer no lugar de Dilma, este será um governo não legítimo e fraco. A posição imediata de todos os socialistas só poderá ser: abaixo Temer. Vitorioso, o golpe da oposição jogará milhões de trabalhadores, estudantes, sem terras, intelectuais, artistas e outras forças políticas nas ruas. O processo sofrerá uma aguda radicalização. Como é impensável que as Forças Armadas intervenham a favor de um governo ilegítimo e antinacional, o processo de radicalização poderá desaguar em greve geral e em uma rebelião popular, com grandes chances de apoio por parte importante dos militares, principalmente a jovem oficialidade.

    O que será colocado no lugar deste governo ilegítimo? Uma possibilidade será o retorno de Dilma, como um governo de transição liderado pelos revoltosos. Diante do total esfacelamento das estruturas legais, a proposta de substituir o atual Congresso golpista por uma Assembleia Nacional Constituinte será naturalmente bem recebida, como sendo uma forma de se adequar o marco legal à vontade desta nova maioria. Estará então aberta uma avenida para mudanças políticas, econômicas e sociais no país.

    Onde estará o PSTU neste momento? Com qual autoridade seus militantes e lideranças conseguirão intervir no processo?

    O fato é: em política só podemos trabalhar com vários cenários futuros. Um grande erro comete quem coloca todos os seus militantes em um único cenário, pois caso ele não se realize, será a total desmoralização de suas lideranças e do partido. Trabalhar com cenários futuros não significa abrir mão de suas propostas políticas estratégicas, mas de adequar suas táticas visando atingir aquelas.

  2. Os punhais da traição

    “Temer tornou-se uma figura sombria que se esgueira pelas sombras e por onde passa ouve-se o tinir dos punhais da traição.”

    Pois o próximo a ser abatido pelos punhais da traição será justamente ele, Michel Temer.

    O editorial da Folha foi a senha.

    Eduardo Cunha, que o atiçou para romper com Dilma, agora o atirará aos lobos.

  3. Achavam que derrubariam no grito…

    Todos acharam isto. Simples assim ela renuncia e vai pra Cuba!!! há há

    Aí Dilma veio com o “não renunciarei”! Tudo mudou de figura. Vão ter que tirá-la na marra e fazer isto com uma mulher sabem que não é fácil.

    O governo vem com o discurso da crise deste antes das eleições, aceitou e alimentou a crise, nenhum mísero administrador deve assumir isto. O Governo só tera governança quando o Lula assumir o ministério. 

  4. NÃO VAI TER GOLPE? O GOLPE CONTINUA SENDO DADO!

    vou morrer dizendo a mesma coisa todo santo dia: é golpe? se é, então trata-se de crime contra o Estado de Direito e as medidas mais radicais devem ser tomadas para deter o golpe. não tem como ter agenda economica apanhando 24 horas. o governo joga o jogo de uma constitucionalidade rompida: VAI ASSISTIR AO GOLPE MAIS CANTADO DA HISTÓRIA PLANETÁRIA.

  5. Caros leitores,
    Observem o

    Caros leitores,

    Observem o trecho a seguir.

    “Em meio a esses combates todos, o governo e o PT continuam desorientados, dando a impressão de que querem a sua própria derrota. A presidente Dilma adota um discurso de todo equivocado. Defende-se, quando o correto é deixar que seja defendida. Traz para seu colo, a todo o momento, as intrigas da Lava Jato, a delação do Delcidio, a declaração de que é inocente e de que se trata de um golpe. A pauta do discurso de Dilma deveria ser toda outra: uma pauta da governabilidade, o discurso de estadista, as propostas para enfrentar a crise econômica e o desemprego, mostrar que seu governo é viável, gerar confiança e esperança. O PT, por sua vez, sequer é capaz de responder às investidas ilegais da Lava Jato. A sua inação é desmobilizadora da luta pela democracia.”

    Que utilidade ou pertinência tem um parágrafo como esse? O PT integra a Frente Brasil Popular. E o articulista sabe disso. O ex-ministro da Justiça (o pior que já houve nessa pasta estratégica, José Eduardo Cardozo), hoje AGU, está empenhado na defesa do governo; e pelo menos em tese ele é (ou foi) do PT. Dilma é inábil do ponto de vista político; mas que sentido faz criticá-la por se defender? Ela está sendo defendida; e por milhões de pessoas. Muito mais do que a defesa de Dilma, do governo dela ou do PT, o que esses milhões de brasileiros defendemos é a Democracia; defendemos os direitos e conquistas sociais obtidos nos últimos 13 anos. O que o articulista quer? Que a presidente Dilma se declare culpada? Que não denuncie o golpe de Estado? Ora, ora, ora! Parlamentares e líderes petistas denunciam as ilegalidades da Lava a Jato, assim  como o uso político partidário que dela fazem os procuradores do MPF, os PFs e o juiz sergio moro, desde que a operação foi deflagrada; a atuação político-partidária dos grandes veículos de comunicação é feita há muito tempo, mesmo antes da LJ. Pare com esse discurso professoral, Sr. Aldo Fornazieri!

    Vejam os leitores que os chamados intelectuais ‘esquerdistas’ sofrem de recaídas freqüentes, sempre recorrendo àquela manjada técnica ‘uma no cravo, outra na ferradura’. Eles morrem de medo de perder espaço para publicar artigos no PIG  ou serem convidados para entrevistas e debates nesse veículos. Esses intelectuais parecem não ter percebido que a era dos jornais e revistas (e mesmo do rádio e da TV) está chegando ao fim. E na internet, plural e interativa, são outros quinhentos.

     

     

  6. as grandes manifestações do

    as grandes manifestações do não vai ter golpé tebe uma

    dimensão jamais imaginada pelos  golpistas….

    e tebe um,adendo importgante ao não vai ter gol´pe:

    VAI TER LUtA!

    ouviu-se este grito até em paris…..

     

  7. A FIESP paga o pato?

    Se os empresários tiverem que pagar mais imposto, eles não terão recursos para novos investimentos e quem vai pagar o pato serão os trabalhadores que ficarão sem emprego. A carga tributária do Brasil já é a mais alta entre os países emergentes. Por que motivo você pensa que ajudará o povo se tirar o dinheiro das mãos de quem sabe fazer empreendimentos e colocá-lo nas mãos de quem só sabe contratar empresas de compadres a preços superfaturados?

    Se é para aumentar a arrecadação, que tal acabar com a Lei Rouanet e a farra dos artistas com dinheiro público?

    Quanto a acabar com os privilégios dos políticos e os desperdícios da administração, eu estou inteiramente de acordo.

    1. Vc devia escrever p/ a ONU, pq ela disse o contrário de vc…

      Qual é a sua fonte para dizer que os impostos no Brasil sao os maiores entre os países emergentes? A mídia nacional? A Fiesp? Ora, ora…

  8. Disse tudo:
    “A pauta do

    Disse tudo:

    “A pauta do discurso de Dilma deveria ser toda outra: uma pauta da governabilidade, o discurso de estadista, as propostas para enfrentar a crise econômica e o desemprego, mostrar que seu governo é viável, gerar confiança e esperança. O PT, por sua vez, sequer é capaz de responder às investidas ilegais da Lava Jato. A sua inação é desmobilizadora da luta pela democracia.”

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