O Nazismo e o controle da educação, por Roberto Bueno

Para o projeto de poder nacional-socialista era indispensável deter o controle do mundo da cultura para alterar seus princípios, paradigmas, instituições e atores, vale dizer, a refundação.

O Nazismo e o controle da educação

por Roberto Bueno

O interesse pelo mais efetivo controle do mundo da cultura e das instituições educacionais designa claramente o perfil político do regime articulado. A ambição por solapar a ambas é típica de regimes totalitários, de onde efluem relevantes consequências para a efetivação do potencial democrático e das liberdades de que dispõem as sociedades.

Para o projeto de poder nacional-socialista era indispensável deter o controle do mundo da cultura para alterar seus princípios, paradigmas, instituições e atores, vale dizer, a refundação. O ataque visceral do nacional-socialismo ao mundo da cultura e às instituições educacionais, mobilizando para tanto o fácil apelo dos recursos do anti-intelectualismo, conectando a ele a lealdade absoluta à voz do Führer, simplificando o comportamento dos indivíduos sob o signo da ação sob irrefletida obediência.

A destruição do mundo da cultura e do modelo escolar herdado da geração anterior organizada e formada sob os preceitos e princípios da Alemanha imperial era indispensável para a consolidação do exercício do poder à base da pura força. O ataque a ideologia e a formação cultural que baseava a República de Weimar e, por conseguinte, a sua Constituição, era tarefa imperiosa para, passo seguinte, reconstruir a cultura alemã segundo paradigmas absolutamente diversos, transitando da cultura pacifista burguesa para o militarismo via teoria racial calçada na ideia da supremacia ariana.

A proposta de reconstrução da cultura supunha profunda reforma educacional, incluindo reescrever a própria história alemã e, por conseguinte, também os seus livros básicos. Seria necessário apresentar mitos fundadores, heróis que demonstrariam a superioridade racial alemã, mas também os empecilhos e inimigos históricos da raça alemã, ao passo em que estabelecendo a linha direta de Carlos Magno, Frederico, o Grande, até Hitler, com o que restariam ampliadas as possibilidades de legitimação das vias totalitárias que o regime tinha em vista percorrer proximamente que, alegadamente, desembocariam no triunfo final da raça alemã sob a liderança do Führer.

Esta articulação da reconstrução cultural estava inserida na kulturkampf (guerra cultural), cujo êxito final permitiria ao regime nacional-socialista operar os seus objetivos militares aptos para vingar a derrota na Primeira Grande Guerra Mundial e para elevar a derrotada Alemanha a sua posição de liderança mundial. A reconstrução do mundo da cultura implicava a desconstrução de seus fundamentos, propósito expresso por Hitler em alocução realizada aos jovens em Nuremberg em setembro de 1935, da qual se depreende que as mais relevantes virtudes daqueles dias seriam expressas pela capacidade dos jovens de marchar e de enfrentar-se fisicamente aos inimigos, e não de dedicar tempo ao lazer ou ao pensamento, pois para Hitler aqueles eram tempos de decadência que reclamavam imediata reversão.

Para o cumprimento deste propósito refundador o nacional-socialismo impôs altos controles que abarcavam desde a produção teatral à música, transitando pela produção cinematográfica e o mundo literário, e atingindo nuclearmente o complexo de escolas e universidades, em todos os casos operando através de intervenções diretas com amparo no Ministério da Propaganda conduzido por Goebbels, por Alfred Rosenberg, o ideólogo do regime, pelo Reichserziehungsminister Bernhard Rust, ocupado diretamente com os assuntos educacionais, além de Wilhelm Frick, Ministro do Interior. Este último em decreto de 8 de dezembro de 1934 determinava objetivamente que a função das escolas era a educação da juventude para servir à nação e ao Estado segundo o mais estrito espírito do nacional-socialismo.

As intervenções no mundo das artes foram de amplo conhecimento público à época, e no caso da música as censuras ocorreram segundo critérios que abrangiam a sua proximidade com o modernismo, quer por sua expressão atonal, quer por sua proximidade com os valores da República de Weimar ou, ainda, a origem judia das letras e melodias ou de maestros ou músicos, demissões que atingiriam importantes nomes da própria Filarmônica de Berlin como Joseph Schuster, o seu principal violinista. A aplicação do critério racial para a purificação da cultura viabilizou a realização de severos ataques contra os judeus, e assim foi elaborado o conceito de “arte degenerada” (entartete Kunst), no qual seriam incluídos importantes artistas plásticos como o judeu russo nacionalizado alemão e professor da Bauhaus, Wassily Kandinski. Todo o importante conjunto de obras classificada como “arte degenerada” seria alvo de detração e expurgada do mundo das artes em prol da concretização do ideal de pura beleza nacional-socialista, a Deutsche Kunst, ou a arte genuinamente alemã.

O objetivo de refundação do mundo da cultura estava afinado com a purificação do mundo e do ideal racial nacional-socialista. Para o cumprimento de tal objetivo era imperativo colonizar e ocupar por completo o mundo do ensino. As escolas adquiriram uma função de doutrinação nos princípios do nacional-socialismo e de devoção e estrita obediência à figura de Hitler, objetivo mais facilmente alcançável quando a metodologia fosse adequada ao deslocamento da função crítica do pensamento nas escolas e nas universidades alemãs. Imediato objetivo de destruição proposto por Hitler aos executores de sua política educacional era o “bolchevismo cultural”, tomado como alvo já em seu Mein Kampf, supostamente criado sob o beneplácito das forças socialistas e social-democratas inspiradoras da República de Weimar.

Os instrumentos jurídicos práticos para a consecução do controle da cultura e da educação encontraram expressão na Lei do Reich para a Restauração do Serviço Público Profissional, datada de 7 de abril de 1933, portanto, de poucos meses após a ascensão ao poder pelo nacional-socialismo, cujo objeto central era a exclusão dos não-arianos das funções públicas e profissões legais, algo que atingia enorme e valoroso contingente de intelectuais. Estava em curso o completo expurgo de judeus e quaisquer que eventualmente não apoiassem o regime, um processo de completa nazificação do ensino e do serviço público em geral. A legislação viabilizava o afastamento daqueles que o regimes classificasse como inimigos, aí incluídos músicos, professores, compositores, todos eles, invariavelmente, substituídos por indivíduos da “raça ariana”. Esta política foi parte da estratégia de “mobilização espiritual” capaz de dar sustentação às políticas indispensáveis para a implementação da almejada “homogeneização” da sociedade “ariana pura”, a ambicionada pura comunidade do povo (Volksgemeinschaft) que, orientada por fins absolutamente convergentes, estariam predispostas a entregar-se irresolutamente à liderança exclusiva e excludente do Führer (Führerprinzip).

O nacional-socialismo e as suas variáveis históricas não são antípodas da cultura de forma gratuita, pois ele precisa controlar o pensamento e as formulações críticas deste derivadas. Isto foi razão suficiente para que o nacional-socialismo compreendesse a relevância central de assumir formalmente o controle de todas as universidades alemãs outorgando a competência ao Führer para a escolha de cada um de seus reitores, a quem, por seu turno, seria delegada toda a competência administrativa sob o juramento de obediência ao Führer. Isto colocava as condições de possibilidade para o pleno domínio da estrutura universitária e controle das carreiras acadêmicas e também funcionais dos professores, cujas intervenções eram medidas não apenas por sua adesão ao regime como pelo entusiasmo em sua defesa.

Esta nova organização da universidade alemã ensejou as condições ideais para o cumprimento do duplo papel que o Bernhard Rust anunciou em conferência ministrada aos professores da Universidade de Berlin já em maio de 1933, decorridos escassos meses da ascensão ao poder. Rust anunciava que a universidade alemã não mais teria exclusivamente o papel de ensinar, pesquisar e publicar, mas sim de “educar” a juventude, tarefa acadêmica marcada pela simbologia da obrigação de que as aulas fossem iniciadas e concluídas com a saudação em alto e bom som ao Führer, braço direito erguido ao alto, realizada pelo professor e respondida por seus alunos em uníssono, expressiva do sentido da “educação” a que fazia referência o Ministro Rust.

A expectativa do regime sobre o novo modelo educacional nas universidades alemãs encontrava boa expressão na seleção de seus professores cujas atividades eram desempenhadas sob juramento ao Führer (como todos os demais servidores do Estado), algo que obviamente refletiria na abordagem dos conteúdos ministrados, pois já não mais se tratava de dever de lealdade ao Estado. A isto se somam outras iniciativas do regime como a inserção de disciplinas como ciências raciais e militares, além de práticas em campos de trabalho e, emulando o ideal espartano, dedicando espaço para a prática de esportes, desenho estrutural de atividades estudantis que aproxima aos propósitos do puro doutrinamento nos princípios do Terceiro Reich, algo, aliás, confirmado pelo citado decreto de 8 de dezembro de 1934 assinado pelo Ministro do Interior, Wilhelm Frick.

O duplo propósito nacional-socialista de controlar por completo a cultura e todas as esferas do ensino tinham o exclusivo e manifesto propósito de assegurar o seu projeto de poder totalitário de duração milenar, interrompido sob o alto preço de muito sangue, dor e sofrimentos inenarráveis. Aqueles que propõem extensas e profundas refundações do humano têm propósitos políticos compatíveis tão somente com regimes totalitários, pois tocar fundo na cultura de um povo não é apenas subversivo, mas violentador da natureza de um povo cujo progresso requer um caminhar conjunto que, por definição, é de passada modesta.

Os insanos propósitos nacional-socialistas continham em suas débeis bases teóricas a eleição de inimigos como os judeus, mas assim também a todos aqueles que representassem obstáculos para a implementação de seu perverso modelo, e resposta apresentada para tanto era a imposição da morte a todos eles. A implementação de regime de brutalidade supõe a mobilização de forças anímicas ocultas no ser humano, cujo despertar é complexo e viável através do doutrinamento e de simbologias. Observamos algo em comum a todos os regimes que adotam a força e a brutalidade como guias práticos para a política, a saber, a disponibilidade para retirar a vida de todos que lhes digam não. A história, sem embargo, parece reiteradamente dar testemunhos de que a coragem premia, pois em todos e cada um destes regimes horrendos e recheados de covardia, malgrado as enormes perdas, vencem sempre os que dizem não.

Roberto Bueno – Professor universitário. Doutor em Filosofia do Direito (UFPR). Mestre em Filosofia (Universidade Federal do Ceará / UFC). Mestre em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM). Especialista em Direito Constitucional e Ciência Política (Centro de Estudios Políticos y Constitucionales / Madrid). Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Direito (UnB) (2016-2019). Pós-Doutor em Filosofia do Direito e Teoria do Estado (UNIVEM).

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  1. O Nazi-Fascismo varria o Mundo na década de 1930. Não por coincidência, o primeiro dos atos do Golpe Civil Militar Ditatorial Caudilhista Absolutista Assassino Esquerdopata Fascista de 1930 é a fundação do MEC. A matéria explica as razões do Ditador. O Mundo se livrou desta desgraça. O Brasil preservou e perpetuou. 90 anos da Tragédia Brasileira prolongando a Indústria do Analfabetismo, perpetuado pelos Comparsas e Nepotismo Fascista. Pobre país rico. 90 anos de MEC. 90 anos anos construindo uma Nação de Analfabetos. Política de Longo Prazo. O resultado foi de impressionante sucesso. Mas de muito fácil explicação. MINEIRO

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