O neocolonianismo americano na Ásia, por J. Carlos de Assis

O neocolonianismo americano na Ásia pela via do acordo de livre comércio

J. Carlos de Assis

O acordo comercial do Pacífico patrocinado pelos Estados Unidos é uma farsa colonialista que só serve aos interesses dos empresários norte-americanos, japoneses e coreanos. Estes tem base tecnológica, no caso da Coreia pelo menos em alguns nichos, que os capacitam a concorrer entre si e em todos os demais mercados do acordo. Os outros terão de se contentar em ser entupidos por exportações de bens e serviços dos três países mais avançados tecnologicamente e em entrar em conflitos comerciais mortais para exportar produtos sem qualquer valor agregado a fim de pagar a conta de importações aos mais ricos.

O Governo Obama deveria se envergonhar em patrocinar esse esbulho de populações pobres através do comércio assimétrico. Aliás, a indústria automobilística norte-americana, que se opõe ao acordo, deu o claro sentido da iniciativa quando reconhece que até ela não tem condições tecnológicas para enfrentar a concorrência coreana e japonesa. Se uma indústria que está na vanguarda produtiva dos Estados Unidos se dá ao luxo de ser protecionista, imaginem a fragilidade da indústria dos demais países, exceto os três mencionados, diante de um acordo que lhes tira toda possibilidade de proteção industrial.

Se alguém tem dúvida de que a ideologia do livre comércio sempre foi ao longo da história uma cobertura para os países avançados extraírem recursos dos mais pobres, basta ler o livro do coreano Há-Joon Chang, “Chutando a Escada”. O autor usa a metáfora do sujeito que sobe pela escada sozinho e a chuta para longe quando chega no topo a fim de que ninguém suba atrás para caracterizar o livre comércio entre países com tecnologia e capacidade produtiva assimétricas, sobretudo no campo industrial. Inglaterra e EUA, os atuais campeões do livre-comércio, foram extremamente protecionistas ao logo de sua decolagem. E ainda hoje os EUA são protecionistas em vários ramos industriais e especialmente na agricultura.

Entretanto, por que estou escrevendo sobre algo que não nos diz respeito diretamente? Muito simples: o acordo do Pacífico foi celebrado pela grande mídia brasileira como o passo certo para prosperidade na Ásia. Indiretamente, ou às vezes até diretamente, os elogios apoteóticos com que foi saudado se apresentaram como uma crítica à política brasileira de rejeição à ALCA e de rejeição, pelo menos por enquanto, à estúpida proposta de um acordo de livre comércio com a União Europeia. Os que insistem em nos fazer retornar à condição de país primário-exportador e aí permanecer, buscando apenas interesses particulares em áreas específicas, atuam como vendilhões da pátria, sabendo ou não disso.

Obviamente, não há nenhum segredo de que o propósito americano, além de aumentar as próprias exportações, é bloquear a expansão da China na Ásia. Inútil. A China, uma potência também no campo geopolítico, está empreendendo uma política externa baseada na cooperação, com ganhos recíprocos para os países, diferente do modelo tradicional americano de atuar exclusivamente no sentido da abertura de oportunidades de exploração econômica para suas empresas privadas. Isso não tem como ser mudado. A consolidação da presença compartilhada da China na Ásia é um dado da realidade que os americanos terão que aceitar, independentemente do acordo comercial.

J. Carlos de Assis – Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor, entre outros livros de economia política, de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP.

Redação

9 Comentários

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    1. Se o articulista não usasse o fígado.

      O articulista está tão preocupado com o discurso de cem anos atrás que esqueceu de estudar o problema, talvez ele devesse lembrar que o colonialismo foi suplantado pelo imperealismo. Esqueceu da Córeia e esqueceu que não precisamos de EUA para acabar com a nossa indústria, pois temos nossos governos para fazer isso. A desindustrialização do Brasil ocorre desde o fim dos governos militares. Primeiro pelo neoliberalismo dos governos FHC, depois pela miopia dos governos Lula e Dilma. Não adianta excluir o primeiro mundo das nossas negociações, mas sim buscar quem tem tecnologia para nos oferecer e sentar na mesa para buscar parceria. Será que os demais países pobres e em desenvolvimento vão compra produtos do Brasil só pq ele é bonzinho. Eles vão comprar de quem vender mais barato e com qualidade.

    1. Segundo tenho lido, do que

      Segundo tenho lido, do que vazou dos termos desse acordo estabelece-se um paraíso para grandes empresas. Dentre outra coisas, comenta-se que os países,  sobretudo os periféricos,  vão ter que abrir mão de sua legislação em defesa dos consumidores e mesmo ambiental, podendo até pagar indenizações bilionárias às empresas que se julguem lesadas por regras internas restritivas, com as respectivas demandas resolvidas em cortes internacionais, fora, portanto, do âmbito do poder judiciário local. Ao que tudo indica, um acordo de e para os donos do mundo. Daí o sigilo que cercou todo o processo de negociações,  onde sequer os parlamentos tiveram (dizem até que nem terão) acesso ao inteiro teor do acordo.

  1. O engraçado foi ver o William

    O engraçado foi ver o William Waack tendo quase um orgasmo ao citar o acordo, e dizendo que o Brasil optou por se manter no Mercosul, um modelo atrasado, sem força, por pura ideologia.
    Dava saltinho e abanava o rabinho, gritando, eu quero, eu quero a colerinha americana.

  2. Por que?

    Mesmo a direita mundial não esconde o quanto esse tratado é prejudicial aos interesses dos paises economicamente menores e menos desenvolvidos. Por que seus presidentes e congressos o assinam?

    Na surdina Obama e os EUA estão costurando um tratado similar com a Europa. Nem mesmo o congresso americano sabe exatamente os termos desse tratado, quanto mais o publico europeu.

    As palavras socialista, social, esquerda quase podem ser banidas dos nomes de todos os partidos europeus – e brasileiro.

     

  3. Nossa imprensa rastejante faz

    Nossa imprensa rastejante faz o maior sucesso entre os jovens nas mídias sociais. Se o waak e a leitão soubessem o que falam/riem deles, nem saíam de casa….

    i

  4. De uma coisa se pode ter

    De uma coisa se pode ter certeza: absolutamente nada do que façam os EUA visa senão ganhos para esse país. Então esse negócio de que a Justiça “americana” sim é que é eficiente cai por terra quando se constata que, por exemplo, o tráfico de armas ao Oriente Médio, por mais evidências de que esteja sendo feito na base da corrupção, jamais será investigado pela Justiça desse país. Já a FIFA e a Petrobras…

     

    É como se os detentores da iniciativa privada baseada no US dolar dissessem:

    – “Não podemos simplesmente tomar o país? Temos forças armadas mais que suficientes, não temos?”

    – “Mas se utilizarmos a Justiça também ganhamos e sem dar botarmos a perder o trabalho de propaganda da nossa indústria de entretenimento e espetáculos, música, shows e cinema.”

    –  “Hummm… mas uma hora eles podem perceber…”

    – “Nada, eles se sentem VIPs só porque usam aquele inglês macarrônico deles. Além disso, usando da credibilidade ingênua deles, sempre poderemos pintar uma imagem negativa ou ridícula deles mesmos. Quantos argentinos vieram à Broadway para assistir à ‘Evita’? Eles não têm amor próprio nem amor pátrio suficiente para perceberem…”

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