O papel da complexidade econômica no processo de desenvolvimento: Teoria e evidência empírica, por José Luis Oreiro e Luciano Ferreira Gabriel

O ponto fundamental que queremos chamar atenção neste artigo é que a estrutura produtiva importa para o desenvolvimento econômico

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

do Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento

O Papel da Complexidade Econômica no Processo de Desenvolvimento: Teoria e Evidência Empírica

por José Luis Oreiro*e Luciano Ferreira Gabriel**

O desenvolvimento econômico é um processo pelo qual a acumulação de capital e a incorporação sistemática do progresso técnico permitem o aumento persistente da produtividade do trabalho e do padrão de vida da população (Bresser-Pereira, Oreiro e Marconi, 2014, p. 12). O aumento da produtividade do trabalho torna possível a elevação persistente dos salários reais, uma vez superado o assim chamado “ponto de Lewis”; ou seja, uma vez que a mão-de-obra empregada nos setores tradicionais ou de subsistência (via de regra, a agricultura) tenha sido totalmente transferida para os setores modernos ou capitalistas (Lewis, 1954). Nesse momento se esgota a oferta ilimitada de mão-de-obra, característica da Fase I do capitalismo (Kaldor, 1980), fazendo com que o contínuo aumento da demanda de trabalho, decorrente da expansão do nível de atividade econômica, permita a elevação gradual dos salários reais a um ritmo aproximadamente igual ao crescimento da produtividade do trabalho. O crescimento dos salários reais, por seu turno, é que viabiliza o aumento do padrão de vida da população.

A acumulação de capital e o progresso técnico são as fontes fundamentais de crescimento da produtividade do trabalho e do padrão de vida da população. Com efeito, o progresso técnico permite, por um lado, um aumento da eficiência na produção, ou seja, que os mesmos bens e serviços sejam produzidos com o uso de uma quantidade menor de insumos, em especial o trabalho; por outro lado, o progresso técnico leva ao desenvolvimento de produtos e serviços cada vez mais sofisticados ou complexos, isto é, produtos que incorporam não só uma quantidade maior, como também mais diversificada, de conhecimento técnico e científico[1]. Esses produtos mais sofisticados ou complexos são produzidos por trabalhadores altamente qualificados[2] em empresas que operam na fronteira tecnológica ou próxima a ela; razão pela qual tais produtos possuem maior valor adicionado por unidade de trabalho empregada. Dessa forma, o progresso técnico decorre não apenas do avanço do “estado das artes”, mas principalmente por intermédio de um processo de mudança estrutural, no qual recursos produtivos e trabalhadores são transferidos das atividades com menor valor adicionado por trabalhador empregado (setores menos sofisticados ou complexos) para atividades com maior valor adicionado por trabalhador empregado (setores mais sofisticados ou complexos).

A acumulação de capital é um importante elemento no processo de difusão do conhecimento técnico e científico para toda a economia; pois uma parte considerável desse conhecimento se acha incorporado em máquinas e equipamentos, sendo impossível separar o aumento da produtividade do trabalho que decorre do avanço do “estado das artes” daquele que é decorrência de uma maior “mecanização” da força de trabalho (Kaldor, 1957). Como enfatizado por Hidalgo (2015, p.152), o capital físico nada mais é do que conhecimento técnico e cientifico incorporado em máquinas e equipamentos.

As evidências empíricas disponíveis apontam para a existência de uma correlação positiva entre o índice de complexidade econômica[3], elaborado por Hidalgo (2015), e o nível de renda per-capita de uma amostra de países[4]. A complexidade econômica, por seu turno, parece estar positivamente associada com a participação da indústria de transformação no PIB. Com efeito, na Figura 1 abaixo podemos constatar a existência de uma relação positiva entre a participação da indústria de transformação no PIB e o índice de complexidade econômica para uma amostra de 60 países em desenvolvimento no período 1990-2011.

Figura 1 – Índice de Complexidade Econômica x Participação da Indústria de Transformação no PIB, Países Selecionados, 1990-2011.

oreiro 1

Fonte: MIT (2017) e WDI (2017). Eixo X – VA da indústria manufatureira. Países em Desenvolvimento (upper middle income+middle income+low income – de acordo com classificação WDI).

Complexidade Econômica e Renda Per-Capita: uma avaliação empírica

O nível de complexidade das economias calculado por Hausmann e Hidalgo et al. (2011) é mensurado em termos da composição da produção de suas estruturas produtivas levando-se em conta a diversidade e ubiquidade de produtos. Quanto maior a diversidade de produtos que necessitem de know how, tecnologias e conhecimento e menor a ubiquidade destes produtos (não baseados exclusivamente na escassez, como o nióbio, por exemplo), maior tende a ser o nível de complexidade econômica (eci).

O gráfico abaixo relaciona o nível de complexidade econômica (eci) com o nível de renda per capita (em termos reais) para 22 anos (período de 1990-2011) e 85 economias (desenvolvidas e em desenvolvimento)[5]. Novamente (1), pode-se perceber uma clara associação entre o nível de complexidade econômica e o nível de renda per capita da amostra de países. Entretanto, é possível avançarmos na apresentação desta relação de forma a explorarmos com mais robustez a influência do nível de complexidade econômica sobre a renda per capita desta amostra de países.

Figura 2 – Complexidade Econômica e PIB per capita (1990-2011)

oreiro 2
Fonte: Elaboração dos autores.

Uma forma de testarmos se a relação expressa na Figura 2 se mantém para países em diferentes estágios de desenvolvimento econômico pode ser feita dividindo-se a amostra por níveis de renda. Neste caso, para verificarmos isso, utilizamos regressões quantílicas para efeitos fixos em dados em painel [cf. Quantile Regression for Panel Datade Powell (2014)]. A estimação por regressão quantílica permite considerar a heterogeneidade não observada e efeitos de covariáveis heterogêneas, enquanto os dados em painel permitem a inclusão de efeitos fixos para controlar covariáveis não observadas. Por meio desse processo de estimação é possível identificar se os resultados anteriores se mantêm para os países de menor renda e renda média (quantis 10, 25 e 40 e 55, ou seja, do quantil 10, o qual representa a amostra dos países com os 10% menores produtos per capitas até algo pouco acima da mediana de renda da nossa amostra, ou seja, quatil 55).

Em linhas gerais, por meio desse método permite-se detectar se ocorrem mudanças de sinal entre os quantis, ou seja, se o nível de complexidade econômica tem influência distinta sobre o nível de renda per capita dos países quando considerados os diferentes quantis (por faixas de renda da amostra de 85 países). Além disso, permite-se verificar se a magnitude desse impacto é diferente, ou seja, de maneira crescente ou decrescente em relação aos demais quantis. Além disso, ela permite utilizar uma abordagem não paramétrica, onde se calcula uma distribuição empírica – a real distribuição da estatística da amostra – que é indicada como opção corretiva quando se verifica a não normalidade dos resíduos. Por fim, mas não menos importante, o uso de tal modelo torna os resultados mais robustos a existência de outliers, uma vez que se observa a resposta de cada variável por quantil.

Iremos agora avaliar a hipótese de que o nível de renda per capita pode ser positivamente influenciado pelo nível de complexidade econômica, controlando-se para uma próxi do nível do hiato tecnológico e para uma medida do estoque de capital humano para as 85 economias supra referidas para os quantis 10, 25, 40 e 55.  Os resultados são reportados na Tabela 1 abaixo.

Tabela 1 – Resultados das regressões quantílicas para uma amostra de 85 países (1990-2011).

pibpc, em ln  
  Quantis
  10 25 40 55
Eci 0.0795(1.43) 0.204***(20.95) 0.365***(27.94) 0.719***(381.10)
gaptec (1) -0.0196***     6.88) -0.0197***(-83.90) -0.0132***(-95.95) -0.0129***(-118.88)
hk  (2) 0.0146***(6.19) 0.0212***(86.80) 0.0230***(57.38) 0.0173***(38.28)

Nota: t statistics in parentheses * p<0.05, ** p<0.01, *** p<0.001 (85 painéis). Método de estimação robusto. (1) Segue metodologia de Verspagen (1993); os EUA é o líder tecnológico e (2) Percentual da população de cada país no ensino superior independente da idade.

À exceção do primeiro quantil, pode-se observar que para todos os demais quantis considerados, o nível de complexidade econômica afeta a renda per capita de forma positiva e estatisticamente significativa. Mais importante ainda, essa relação se dá de forma crescente, ou seja, na medida em que os países saem de um nível de renda per capita mais baixo para patamares superiores (ou seja, ficando mais ricos), eci se torna mais importante. Portanto, o nível de sofisticação da estrutura produtiva mensurado por eci importa de forma que o nível de renda dos países aumente ao longo do tempo.

Conforme pode ser observado, a proxy utilizada para capital humano afeta de maneira positiva e estatisticamente significativa o nível de renda per capita. Entretanto, o seu impacto é menor do que o da variável eci. O mesmo pode ser dito com relação ao hiato tecnológico. Hausmann e Hidalgo et al. (2011, p.33) utilizaram outras medidas de capital humano, para diferentes períodos e países e a importância (superior) do nível de complexidade econômica para o aumento da renda per capita se manteve.

Temos clareza que há um conjunto mais amplo de variáveis que pode afetar o nível de renda per capita das economias, como àquelas associadas às variáveis institucionais, estabilidade política e econômica, qualidade regulatória, diferentes níveis de aplicação (ou vigência) do Estado do Direito (rule of law), dentre outras, os quais os próprios Hausmann e Hidalgo et al. (2011, p.37) utilizam em suas estimações.  O ponto fundamental que queremos chamar atenção neste artigo é que a estrutura produtiva importa para o desenvolvimento econômico.

Referências

BRESSER-PEREIRA, L.L; OREIRO, J.L; MARCONI, N. (2014). Developmental Macroeconomics: new developmentalism as a growth strategy. Routledge: Londres.

GALA, P. (2017). Complexidade Econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da Riqueza das Nações Contraponto: Rio de Janeiro.

HAUSMANN, Ricardo, HIDALGO, César A., BUSTOS, Sebastián,  COSCIA, Michele, CHUNG, Sarah, JIMENEZ, Juan, SIMÕES, Alexander, YILDIRIM, Muhammed A. The atlas of Economic Complexity – Mapping paths to prosperity. Puritan Press. 2011

Hidalgo, C. (2015). Why Information Grows: the evolution of order, from atoms to economics. Basic Books: Nova Iorque.

Kaldor, N. (1980). Essays on Economic Stability and Growth. Duckworth: Londres.

LEWIS, W.A. (1954). “Economic Development with Unlimited Supplies of Labour”. The Manchester School, Vol. 22, N.2.

POWELL, D. Did the economic stimulus payments of 2008 reduce labor supply. RAND Corporation: Labor & Population2014. (RAND Labor & Population Working Paper 710-3).


* Professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília, Pesquisador Nível IB do CNPq, Pesquisador Associado do Centro de Estudos do Novo-Desenvolvimentismo da FGV-SP e Líder do Grupo de Pesquisa “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”. E-mail: [email protected].

** Professor do Departamento de Economia da Universidade Federal de Viçosa e Pesquisador do Grupo “Macroeconomia Estruturalista do Desenvolvimento”. E-mail: [email protected].

[1]Segundo Hidalgo (2015, cap.10), o conhecimento técnico e científico está embutido nas pessoas (capital humano), nas máquinas e equipamentos (capital físico), na capacidade das pessoas em se conectarem e assim trocar informações (capital social). Dessa forma, aquilo que uma economia produz e exporta revela a sofisticação ou complexidade das suas capacitações produtivas.

[2]A qualificação da força de trabalho não deve ser reduzida apenas ao grau de escolaridade dos trabalhadores, medida pelo número médio de anos de estudo, mas também o grau de adequação da força de trabalho às necessidades particulares das empresas. Nas palavras de Porter “Contrary to conventional wisdom, simply having a general work force that is high school or even college educated represents no competitive advantage in modern international competition. To support competitive advantage a factor must be highly specialized to an industry´s particular needs – a scientific institute specialized in optics, a pool of venture capital to fund software companied (…)“(Apud Hidalgo, 2015, p.148).

[3] Sobre a metodologia de construção do índice de complexidade econômica ver Gala (2017).

[4] Nas próximas páginas iremos avançar na análise da correlação entre complexidade econômica e nível de renda per-capita por intermédio de uma regressão quantílica para uma amostra de 85 economias (desenvolvidas e em desenvolvimento) para um período de 22 anos (1990-2011). No exercício a ser executado, a influência da complexidade econômica sobre o nível de renda per-capita será controlada para as variações do estoque de capital humano e do hiato tecnológico. Os resultados encontrados apontam para uma relação positiva e estatisticamente significativa entre o índice de complexidade econômica e o nível de renda per-capita, mesmo após se controlar para essas variáveis, indicando com isso que não é possível descartar a influência da estrutura produtiva sobre o nível de desenvolvimento econômico dessa amostra de países.

[5] Vejam essa mesma relação para 2014 em: https://jlcoreiro.wordpress.com/2017/09/28/o-mito-de-que-a-estrutura-produtiva-nao-importa-uma-analise-dos-dados/

Redação

2 Comentários

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  1. Tem algo de podre no Reino da Dinamarca, por José Luis Oreiro → https://jlcoreiro.wordpress.com/2019/08/29/tem-algo-de-podre-no-reino-da-dinamarca/

    O IBGE acaba de divulgar os dados do PIB do segundo trimestre de 2019, apontando uma elevação de 0.4% com respeito ao primeiro trimestre do corrente ano. Trata-se de uma dupla surpresa. Em primeiro lugar, a mediana das projeções de mercado apontavam para uma expansão de apenas 0.2%, ou seja, um resultado 50% menor do que o divulgado hoje pelo IBGE. Em segundo lugar, o resultado do IBGE diverge totalmente do comportamento do IBC-Br, o índice de atividade econômica calculado pelo Banco Central do Brasil, que mostrou um recuo de 0,13% no segundo trimestre na comparação com o primeiro trimestre de 2019. Mais intrigante ainda é o fato de que os dados do IBGE e do IBC-Br para o primeiro trimestre de 2019 foram idênticos, ou seja, ambos mostraram uma queda de 0,2% na atividade econômica no primeiro trimestre de 2019 na comparação com o ultimo trimestre de 2018.

    Por que razão o PIB do IBGE e o IBC-Br do Banco Central apresentaram comportamentos tão diferentes no segundo trimestre de 2019? Enquanto o índice do BCB mostrou uma economia se contraindo no segundo trimestre, os dados do IBGE mostram uma economia em expansão vigorosa. Parece o BCB e o IBGE estão mostrando países diferentes. Me parece que há algo de podre no Reino da Dinamarca …

    Figura → https://jlcoreiro.files.wordpress.com/2019/08/previa-do-pib-do-banco-central-recua-013percent-no-2o-trimestre-e-indica-inicio-de-recessao-tecnica.png?w=529&h=327
    Fonte da figura: https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/08/12/previa-do-pib-do-banco-central-recua-013percent-no-2o-trimestre-e-indica-inicio-de-recessao-tecnica.ghtml

    Leia também:
    ‏“O PIB subiu 0,4%, mas todas as pesquisas mensais do IBGE apontavam queda seja a PIM, PMC e PMS, isso sem contar o IBC-BR. Não entendi ate agora esses números das Contas Nacionais”.
    — André Perfeito @perpheito → https://twitter.com/perpheito/status/1167072637178306561
    Figura → https://pbs.twimg.com/media/EDJGXyTWsAI5m3j.jpg

  2. Boa análise econômica. Mas o econômico descolado do social e do Espacial é apenas fetiche… As estruturas sociais e regionais são tão conservadoras que chegam a ser anticapitalistas. Ou seja nem princípios ou pressupostos evidentes como esses, desculpe-me não há novidades nisso, são respeitados pelas elites. Ao cabo estamos fadados a um capitalismo do pântano, de superexploração do trabalho e recursos naturais enfim… Otimismo demagógico ao estilo Bresser Pereira, baseado em literatura estrangeira…

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