O Patriarca, por Victor Saavedra

Crédito: Google

Um relato fictício que poderia não ser verdade

O Patriarca, por Victor Saavedra

Essa menina não escuta argumentos! Essa é a frase mais repetida pelo pai de família que reclama a cada postagem nova da filha na redes sociais. “Agora ela quer que um convalescente, vítima de um atentado, fique de pé durante duas horas para ser atacado pelos mesmos que o acusam de fascista, racista e homofóbico! Eles não sabem que o sogro é o Negão?”, declara iracundo ao chegar em casa.

A esposa já não encontra paz na família, entre as reclamações do pai e os olhos lacrimejantes da jovem, ela já não sabe como reagir. A hora da janta é o momento de maior tensão no lar conquistado com muito esforço, e uma ajudinha de um programa do governo federal que promovia construção de casas populares para aqueles que viviam em favelas ou que precisavam dar um jeito todo mês para pagar o aluguel. Essa casa é nossa, e esses comunistazinhos vão tirar a gente daqui e entregar para os venezuelanos que não param de entrar em Roraima, diz ao ler mais uma mensagem no celular, enquanto a filha abstrai a provocação.

O tradicional passeio de domingo já não passa de uma recordação, a gasolina chegou a R$ 5,00, e a voltinha pelo Shopping para olhar vitrines e quem sabe encontrar algo em promoção, ficou no passado. Uma lembrança de tempos prévios às panelas batidas na janela. A luta agora é para conseguir colocar algo na mesa, já que a única renda vem do salário reduzido do patriarca, revoltado com um partido traído, e que mesmo depois de ser derrocado em 2016 é o culpado da situação vivida. “Isso é culpa dos vermelhos! Onde já se viu emprestar dinheiro brasileiro para ajudar outros países?”, declara o patriarca que já esqueceu que no governo anterior o Brasil se tornou credor do Fundo Monetário Internacional e conquistou a presidência da Organização Mundial do Comércio.

Roberto Azevêdo: Multilateralismo e liberalização progressiva

As conversas sobre faculdade, sonhos e esperanças, desapareceram depois da famosa operação Lava Jato, que levou pra cadeia aquele que já teve uma foto pendurada na parede de casa, o momento de quebra foi quando um certo capitão homenageou um torturador em rede nacional, sacramentando o golpe. Se antes os jovens do bairro queriam estudar medicina, engenharia, agora passam o dia inteiro na internet, desiludidos com os salários oferecidos pelos poucos empregos, fragilizados por uma reforma que prometia melhorar a situação de quem estava enfrentando o fantasma da crise. “É melhor JÁ IR SE ACOSTUMANDO, quando assumirmos o governo vai ser diferente, não vamos torturar, é faca na caveira e bala na cabeça de vagabundo!”, exclama indignado.

Crédito: GoogleCrédito: Felipe Malavasi

A imprensa esconde os graves atentados contra a liberdade dos cidadãos brasileiros, deturpam a verdade e dão voz a quem quer responsabilizar as declarações do Salvador da Nação pela violência e agressividade de um par de loucos. “Onde já se viu culpar quem levou a facada quando o país está entregue à marginalidade! Já prendemos o líder da facção criminosa e em janeiro vamos pegar os outros corruptos. Diferente da Veja que se vendeu por 600 milhões, o Facebook e o WhatsApp ainda são confiáveis e sem laços políticos, como essa tal família Marinho.”, diz o pai, antes de mudar de canal no Gato Net instalado pelo João da esquina.

Entre prantos a filha havia confidenciado à mãe que não ia votar no militar, mas, apesar de implorar segredo, a jovem estudante de Direito não aguentou quando viu o pai, no meio de um churrasco familiar, agredir descontroladamente um parente por chegar usando uma camita escrito URSAL. O confronto foi breve, já o lábio partido e o rosto machucado demoraram um par de semanas para voltar à normalidade. Sorte que os colegas da faculdade acreditaram na história da queda. “A culpa é sua! Onde já se viu deixar ela estudar na USP! Daquele antro de esquerda não tem um que tenha chegado a algum lugar”, gritava à mulher, ignorando onde se formou o atual presidente do Supremo Tribunal Federal.

No meio de tantas discussões a mulher se dividia, o amor por sua princesa e a clareza com eu ela explica as propostas do seu candidato se contrapõe à autoridade do marido, além disso, são tantas mensagens contra o partido que fez tanto por sua família… Ela sabe que nem tudo o que chega pelos grupos é verdade, mas, será tudo mentira? Ainda bem que ela ouviu os conselhos do pastor e não foi naquele ato no fim de setembro, suas vizinhas lhe mandaram as fotos das mulheres loiras com os seios nus, cartazes em russo, fumando maconha e jogando pedras na polícia.

“Esse bando de vagabundas vai apanhar! Vamos expurgar toda essa ‘Ideologia da Libertinagem’ dessa geração nem que seja na base do coturno e do cassetete. E é melhor você filmar seu voto dia 28, não podemos confiar nessas urnas venezuelanas que estão fraudadas. Eu vou te levar na sua sessão e quando você for pra cabine eu distraio os mesários com alguma desculpa!”, decretou antes de ouvir mais um áudio ensandecido contra uma tal vereadora sapatão que teve o seu merecido por falar demais.

Crédito: GoogleCrédito: Google

 

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador