O Poço, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Esse filme também pode ser visto de uma maneira mais refinada. O estilo empregado na construção da narrativa lembra um pouco a poética de Dante Alighieri.

O Poço

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Esse filme pode ser visto de duas maneiras.

Uma delas é óbvia. O filme critica a estrutura hierárquica e piramidal das sociedades modernas. A injustiça oriunda da distribuição desigual da riqueza (e dos alimentos) é evidente. As pessoas que estão nos níveis mais baixos comem menos e algumas só se alimentos de restos nauseabundos (lixo).

Quem está no topo pode cagar em quem tenta subir utilizando atalhos. A mobilidade social ascendente é lenta e provoca muito desespero. Cair é sempre mais fácil, mas ninguém quer contrariar a lógica de uma sociedade estruturada para premiar a ascensão social.

Distribuir a riqueza (os alimentos) nos níveis mais inferiores da sociedade é algo necessário. Mas resistência à inversão da lógica estrutural do poço (e da sociedade) é muito grande. Só é possível fazer mudanças usando violência.

Esse filme também pode ser visto de uma maneira mais refinada. O estilo empregado na construção da narrativa lembra um pouco a poética de Dante Alighieri (vide O Inferno, Divina Comédia). A violência destituída de qualquer elaboração ou motivação sublime é chocante. O Poço foi feito para provocar reações fortes. É possível amar ou odiar o filme, mas não ignora-lo.

Na escatologia medieval o Inferno é um poço com círculos descendentes. No alto estão as almas das pessoas que cometeram pecados graves. Quem cometeu pecados gravíssimos está nos círculos inferiores.

Vexilla regis prodeunt Inferni. No fundo do Inferno há um lago gelado em que os maiores pecadores em companhia de Lucífer.

As crianças são as maiores vítimas da estrutura social hierárquica em que nós vivemos. Inocentes, elas são jogadas num mundo hierárquico construído pelos adultos que elas não conseguem entender. A dependência e a impotência das crianças é total. O capitalismo não foi criado para tira-las do fundo do poço.

“Deixai, ó vós que entrais, toda a esperança!” (Divina Comédia, Inferno, Dante Alighieri). De certa maneira, o filme ridiculariza a crença expressa nesse verso que Dante colocou na porta do Inferno.

O protagonista do filme encontra a paz e a tranquilidade no fundo do poço em virtude de ter cuidado de uma criança. Ao contrário do que disse Dante Alighieri, a esperança existe até mesmo no nível mais baixo do Inferno. Ela certamente poderia ser alimentada no mundo injusto em que nós vivemos.

Fábio de Oliveira Ribeiro

3 Comentários

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  1. É curioso que a esperança é o prisioneiro 666 ou o anticristo, ainda que criança, e é a mensagem a ser enviada à administração, seja política ou espiritual.
    Assim além das referências a Dom Quixote e Divina Comédia, há ao Apocalipse.

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