O povo-nação brasileiro – parte 1, por Carlos Ernst Dias

O povo-nação brasileiro – parte 1

por Carlos Ernst Dias

Caros leitores e leitoras,

Gostaria de iniciar uma série de posts abordando o conceito de povo-nação desenvolvido pelo antropólogo, educador e escritor brasileiro Darcy Ribeiro (1922-1997), autor de vasta obra e de muitas ideias brilhantes sobre o Brasil, sua terra e sua gente. Pretendo, ao longo de um número indeterminado de posts semanais, apresentar ao leitor o conteúdo do livro “O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil” [1] em forma de resenhas, dialogando também com outros autores e aberto a sugestões e comentários. Eu mesmo não pretendo comentar, e aproveito para apresentar minhas escusas ao Fernando Horta por um comentário recente que fiz num post dele, um comentário inflamado, não contra ele, mas para certo leitor que insiste em escrever frases do tipo “o Brasil é de muito fácil explicação”. Além de inflamado, o comentário foi também bastante impreciso e por isso o apaguei para desenvolver melhor os assuntos, depois de constatar que não há como a República Federativa do Brasil continuar funcionando independente do que quer a maioria da população. Mas vamos ao povo-nação de Darcy:

“Conquanto diferenciados em suas matrizes raciais e culturais e em funções ecológico-regionais, bem como nos perfis de descendentes de velhos povoadores ou de imigrantes recentes, os brasileiros se sabem, se sentem e se comportam como uma só gente, pertencente a uma mesma etnia (…). Mais que uma simples etnia, porém, o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo estado para nele viver seu destino”. (O povo brasileiro, p 21-22)

Ao lado de Anísio Teixeira (1900-1971), Darcy é um dos intelectuais brasileiros que defenderam a Educação como condição incontornável para o estabelecimento de uma democracia no Brasil. Ambos pensaram, escreveram e puseram em prática muitas ações que alcançaram enormes avanços, sobretudo nos estados da Bahia e do Rio de Janeiro. Ambos se manifestaram sobre uma característica cruel da vida brasileira, e que se mantém com força, haja vista a sentença do Lula, que é o hábito construído por aqui de se dar algo por verdadeiro quando na verdade não é. Ou seja, vive-se num estado letárgico, uma espécie de limbo entre a ficção e a realidade. Anísio, citado por Hermes Lima, chamou a isso de “duplicidade da aventura colonizadora”:

“Origina-se a duplicidade dessa aventura de duas fontes: a propagação do cristianismo e a busca da fortuna. Ambos esses objetivos se ajudavam e se complementavam: jesuítas e bandeirantes, fé e império, religião e ouro. A obra predatória dissimulava-se através do falso espírito de cruzada cristã. Disso resultou nascermos divididos entre propósitos reais e propósitos proclamados”[2].

Isso equivale a dizer que a mentira e o engano ocupam um lugar significativo na constituição da sociedade brasileira desde as suas origens, estratégia que continua a pleno vapor ainda hoje e que foi inclusive objeto de recente pesquisa britânica aqui publicada, de que os brasileiros vivem longe da realidade, sobre a qual eu escrevi o post “Ficção necessária x revolução necessária”. Minha proposta aponta, portanto para uma tentativa de superação dessa duplicidade, na direção de uma tomada de consciência que contribua para a transformação do atual estado de coisas no Brasil. Mas, para isso, precisamos de um projeto, como indicado por Darcy na introdução ao livro:

“Faltou sempre, e falta ainda, clamorosamente, uma clara compreensão da história vivida, como necessária nas circunstancias em que ocorreu, e um claro projeto alternativo de ordenação social, lucidamente formulado, que seja apoiado e adotado como seu pelas grandes maiorias” (p 26)

Na construção desse projeto, podemos partir de alguns dados levantados rapidamente na internet:

População brasileira atual IBGE 2017

208 milhões de pessoas

Número de eleitores TSE 2016

144 milhões de pessoas

Número de servidores públicos IBGE 2015

10 milhões de pessoas

Número de cabeças de gado IBGE 2017

215 milhões de reses

Efetivo militar ativo das Forças Armadas

Jungmann 2016

374.997 de pessoas

Número de policiais militares IBGE 2013

425.248 de pessoas

Número de trabalhadores no Judiciário

CNJ 2016

442.345 pessoas

Como não podemos pedir aos 215 milhões de bois, vacas, bezerros e novilhas para votar, resta ao povo-nação brasileiro decidir se prefere continuar optando pela ficção de que está tudo bem, deixando a terra aos bois para alimentar europeus, norte americanos, russos e chineses enquanto nós ficamos sem terra, sem água, sem chuva e sem comida,  ou se ficamos com a realidade, nos levantamos e damos um basta nisso. Afinal, somos 144 milhões de eleitores.


[1] Ribeiro, Darcy. O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

[2] Lima, Hermes. Anísio Teixeira estadista da educação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p 168.

 

Redação

4 Comentários

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  1. Constituição de 1988, existência virtual, vigência subsidiária

    A Constituição de 1988 perdeu vigência e guarda. O Poder Constituinte originário precisará atuar.

  2. o povo….

    ‘Cachorro atrás do rabo’. A Esquerdopatia não se aguenta. Finge, às vezes, olhar para o futuro, para o progresso, para a vanguarda. Mas não sai de 1964 nunca !!!!!!!!!  É Surreal !!!!!!

  3. Nosso país continua uma colônia…bem estruturada.

    Nossa história é diferente de ouros países de primeiro mundo. Não sei como foi na Austrália, mas todo país de primeira grandeza possui na sua história um a revolução contra seus dominantes. O Brasil não possui isto, nossa independência foi conquistada dentro de um escritório burocrático num acordo da coroa portuguesa com Os Donos do Brasil. Não houveram perdas nem danos. Os escravos e os pobres eram e são o contingente maior e nunca se rebelaram de forma global. A população pobre se submete a participar da guerra entre facções do tráfico de drogas mas não enfrenta a real origem do problema que é a disparidade de renda. Quando um pobre consegue alçar vôos mais altos é logo convencido de que todos podem fazer o mesmo e não fizeram porque não querem.

    Assim o Brasil continua uma colônia muito bem estabelecida e conservada.

    Não vejo solução interna para isto: Revolução não haverá, lutar não está no gene do brasileiro. Os Donos do Brasil querem continuar o poder. O voto sempre será o meio de oficiar, purificar, proteger, dar credibilidade para Os Donos do Brasil.

    A revolução deve vir de fora do país tipo colocar fogo na amazônia ou poluir o aquífero guarani para forçar a invasão de uma potencia mundial… e assim de alguma forma dar desequilíbrio a colonização.  

     

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