O povo-nação brasileiro – parte 3, por Carlos Ernest Dias

Operários, de Tarsila do Amaral

Por Carlos Ernest Dias

O povo-nação brasileiro, parte 3: Um império mercantil-salvacionista

Continuando a análise sobre o livro o Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro, percorreremos a seção I do volume, chamada “O Novo Mundo”. Esta seção é dividida em três partes: 1) Matrizes étnicas; 2) O enfrentamento dos mundos; e 3) O processo civilizatório. Lembrando ao leitor que as análises dirigem-se àqueles que trabalham ou têm interesse na formação das culturas e da gente brasileira, mas que o conteúdo do livro propicia a todos os brasileiros uma ampla compreensão dos fatos em curso no atual momento histórico do Brasil, sobretudo no que diz respeito às formações das classes sociais e às complexas relações entre elas.

Outra motivação que me leva à iniciativa de realizar estas resenhas é a constatação de que falta lastro às atuais gerações para mover um processo de tomada de consciência histórica sobre o país no sentido de realizar o que Darcy Ribeiro chama de “revolução necessária”. O fenômeno é facilmente explicável: o Brasil, além de ser uma República “proclamada” em 1889, mas nunca efetivada satisfatoriamente para todas as classes sociais que nela vivem, viveu entre 1937-1945 e entre 1964-1985 dois regimes de força que abalaram as suas estruturas sociopolíticas e socioeconômicas, mas sofrendo profundos golpes também em suas estruturas mentais. Gerações de intelectuais, que nas décadas de 1930, 40, 50 e 60 se dedicaram a pensar, estudar e propor soluções para o desenvolvimento brasileiro foram perseguidas ou exiladas, assim como tiveram suas obras censuradas e afastadas das bibliotecas universitárias.

Some-se a isso a doutrinação exercida por outro país sobre as Forças Armadas Brasileiras no período entre-golpes, renovando um sentimento historicamente confuso do povo brasileiro em relação a elas. Portanto, não resta dúvida de que a estratégia usada por esses regimes ditatoriais foi e continue sendo necessária para que predomine a falta de consciência histórica, a pobreza cultural e o não amadurecimento intelectual e educacional do país. Dessa forma, enganados e iludidos, e sem proteção militar, nos tornamos presas fáceis daqueles países que querem renovar a sua secular dominação política, econômica, cultural, e agora também climática sobre o Brasil.

Vou tomar a liberdade de alterar a ordem da análise, começando pelo item 3, O processo civilizatório. Esta parte é um resumo de um amplo e profundo estudo realizado pelo autor em outros trabalhos, mas o que nos interessa aqui é a classificação do povo brasileiro como um povo novo, numa tipologia que incluem os povos-testemunho, os povos-novos, os povos-transplantados e os povos-emergentes. Nessa tipologia, o Brasil se situa entre os povos-novos, ao lado dos venezuelanos e colombianos, dos antilhanos, dos chilenos e paraguaios (quem se interessar pela especificação de cada tipo deve consultar o livro Os brasileiros – Teoria do Brasil, já citado em posts anteriores).

E como se formou esse povo-novo, o povo brasileiro?

Para Darcy, o processo civilizatório acionado pela revolução tecnológica que possibilitou a navegação oceânica no século XVI fez das nações ibéricas o que ele qualifica de impérios mercantis salvacionistas. Estas nações teriam saído rapidamente de uma estrutura feudal para uma formação capitalista e, livrando-se da ocupação árabe e contingente judeu num primeiro momento e depois se lançando em guerras de conquista sobre povos da África, Ásia e Américas, viriam a se tornar os primeiros Estados Nacionais:

A causa primeira da expansão ultramarina, e, portanto dos descobrimentos, fora a precoce unificação nacional de Portugal e Espanha, movidos por toda uma revolução tecnológica que lhes deu acesso ao mundo inteiro com suas naus armadas, gestando uma nova civilização. Libertos da ocupação sarracena, descansados da exploração judaica, dirimidos dos poderios locais da nobreza feudal, emergia em cada área um Estado nacional. Foram os primeiros do mundo moderno.

Com a entrada da Inglaterra na disputa por esses mares e territórios, esses Estados perdem força em suas terras de origem, mas não nos novos mundos, onde “seus sêmens continuam fecundando prodigiosamente a mestiçagem americana” e onde suas línguas e culturas prosseguem expandindo-se. “Nesse passo, se enriquecem para constituir, afinal, uma das províncias mais amplas, mais ricas e mais homogêneas da terra, a América Latina”, explica o escritor.

Os países ibéricos tornam-se assim, protagonistas de uma das maiores invasões da história da humanidade. “Onde se deparam com altas civilizações, como no México e no Peru, seus povos são sangrados, contaminados, decapitados de suas chefaturas, para serem convertidos em mera energia animal para o trabalho servil”. Mas no Brasil, segundo Darcy, o principal produto da obra colonial portuguesa não foram os “ouros afanosamente buscados e achados”, nem as mercadorias e riquezas produzidas e exportadas, mas, principalmente, a formação de um povo-novo, “um povo-nação, aqui plasmado principalmente pela mestiçagem, que se multiplica prodigiosamente”, uma “morena humanidade”, que vive à espera do seu destino, que é de “existir para si mesmo”.

Trilhando uma via histórico-cultural, o antropólogo desenvolve um rico paralelo entre os diferentes estilos de colonização verificados no Novo Mundo, ou seja, entre o “gótico altivo de frias gentes nórdicas, transladadas em famílias inteiras” e o “barroco das gentes ibéricas, mestiçadas, que se mesclavam com os índios”. Aos senhores góticos, lhes deram terra e liberdade para produzir, enquanto aqui, no mundo barroco, “nenhuma terra se desperdiça com o povo que se ia gerando”, pois “de toda ela se apropria a classe dominante, menos para uso, porque é demasiada demais, mas a fim de obrigar os gentios subjugados a trabalhar em terra alheia. Nenhuma liberdade se consente, também, porque se trata com hereges a catequizar, livrando-os da perdição eterna”.

Como se vê, o escritor toca em dois pontos críticos da colonização ibérica barroca, que é a questão da terra não dividida e a da penetração da religiosidade católica, a qual se expande para o Novo Mundo “para cumprir seu destino de Cidade de Deus contra a Reforma europeia e contra a impiedade americana”. Nesse sentido, continua, “as classes dirigentes tendem a definir-se como agentes da civilização ocidental e cristã, que se considerando mais perfeitos, prudentes e pios, se avantajavam tanto sobre a selvageria que seu destino era impor-se a ela como o domínio natural dos bons sobre os maus, dos sábios sobre os ignaros. Essa dominação se alcança pela ação da guerra, pela inteligência nos negócios, pela conscrição para o trabalho e pelo refúgio na missão”, ou seja, “o colono se enriquecia e os trabalhadores se salvavam para a vida eterna”, explica o autor do livro.

Ainda em relação às classes dirigentes, “exógena e infiel a seu povo”, o político, com sua conhecida veia crítica e lúcida, explica que “tudo, nos séculos, transformou-se incessantemente. Só ela, a classe dirigente, permaneceu igual a si mesma, exercendo sua interminável hegemonia. Senhorios velhos se sucedem em senhorios novos, super homogêneos e solidários entre si, numa férrea união superarmada e a tudo predisposta para manter o povo gemendo e produzindo. Hoje, seu desígnio é forçar-nos à marginalidade na civilização que está emergindo”.

Aspecto nem sempre lembrado, as diferentes concepções simbólicas e religiosas entre o mundo europeu e o americano foram sabiamente utilizadas pelo primeiro, fazendo com que os nativos, “desapossados de suas terras, escravizados em seus corpos, convertidos em bens semoventes para os usos que o senhor lhes desse, fossem também despojados de sua alma”. Temos aí, segundo Darcy, ao contrário do norte, onde se formou “um povo livre, dono do seu destino, de cidadania predominantemente branca, uma formação, no sul, de uma elite de senhores da terra e de mandantes civis e militares, montado sobre a massa de uma subumanidade oprimida, a que não se reconhece nenhum direito”.

Em seguida o autor detalha, usando o conceito de atualização histórica – que resumidamente é a subjugação de um povo que vive num estágio mais atrasado por outro povo mais adiantado, como se deu a “perda da autonomia étnica dos núcleos engajados”, estabelecendo “as bases sobre as quais se edificaria daí em diante a sociedade brasileira”.  Trata-se, grosso modo, de um conceito que se desdobra em três planos, adaptativo, associativo e ideológico, os quais incluem elementos de dominação como a língua, a tecnologia, a cultura letrada, a Igreja, a escravatura, a elite patricial e o capital financeiro, entre outros.

Voltando agora aos itens 1 e 2, em que se dá a narrativa propriamente dita da formação do povo brasileiro, ficará evidente, ao contrário do que se pensa, a existência do que Darcy chama de uma “documentação copiosíssima” sobre o Brasil do século XVI e XVII. Entretanto, como ele diz, tal documentação só dá “o testemunho de um dos protagonistas, o invasor”. “Ele é quem nos fala de suas façanhas. É ele, também, quem relata o que sucedeu aos índios e aos negros”, explica. O antropólogo estima em 1 milhão de índios a população encontrada pelos portugueses em 1500, o que equivaleria à mesma população de Portugal. Essa população era dividida em dezenas de tribos, principalmente do tronco tupi, autônomas, autárquicas e não estratificadas em classes que, devido à unidade linguística e cultural, podem ser classificadas como uma macro etnia, mas que apesar disso, nunca se configurou como uma organização política unificada, salvo quando foram seduzidas por portugueses e franceses em situações de conflito como a Confederação dos Tamoios entre 1563-1567.

O texto ressalta que desde o primeiro contato houve guerra, muita guerra. Uma guerra “sem quartel, de europeus armados de canhões e arcabuzes contra indígenas armados com tacapes, zarabatanas, arcos e flechas”. Tupinambás, Tamoios, Carijós, Goytacás, Paresis, Bororos, Xavantes, Kayapó, Kaingang, Tapuias e Guaykurus lutaram valentemente para se defenderem da invasão. Especialmente os Guaykurus, índios cavaleiros, agigantados, “muitíssimo bem proporcionados”, infringiram perdas e derrotas que chegaram a ameaçar a expansão europeia. Darcy, citando Sérgio Buarque de Holanda, se demora na descrição dos Guaykurus, deixando muito clara o lugar de destaque destes índios, que “não aceitaram jamais nenhuma dominação”.

Mas e os portugueses, quem eram? “Uma vasta e vetusta civilização urbana e classista, coordenada pelo “poderoso” Conselho Ultramarino que tudo previa, planificava, ordenava, provia”, explica o escritor. Mas não só ele. Havia também a Igreja Católica com seu braço repressivo, o Santo Ofício. E a Espanha, constantemente ameaçando os progressos da lusitanidade, assim como Inglaterra e Holanda. E acima de todas, pairava Roma, do Vaticano, da Santa Sé, “como centro de legitimação e de sacralização de qualquer empreendimento mundial e centro da fé regida em seu nome por um vasto clero assentado em inumeráveis igrejas e conventos”.

Movido pelas novas tecnologias, o que incluía a fabricação de naus oceânicas, de instrumentos de navegação e de canhões de guerra, o impulso colonizador foi em busca de “qualquer terra “achável” e de qualquer riqueza “saqueável”, sempre autorizado pelo Vaticano, que através de bulas papais, dava “legalidade” em razão da “plenitude do poder Apostólico”, e por “mera liberalidade”, à posse de terras e à escravização dos moradores e habitantes delas, para reduzi-los à fé católica”. Darcy argumenta que “essa é, ainda hoje, a lei vigente no país, e o fundamento do direito do latifundiário à terra que lhe foi uma vez outorgada, bem como o comando de todo o povo como uma mera força de trabalho, sem destino próprio, cuja função era servir ao senhorio oriundo daquelas bulas papais”.

Não é difícil entender, com base na descrição de mundos tão diferentes, a razão dos conflitos até hoje existentes entre uma classe que um dia se arrogou, em nome de uma fé cristã, o direito de posse sobre terras que já eram ocupadas, e uma população indígena para a qual “mais belo era dar que receber”, e cujos valores se baseavam na “bravura gratuita, na vontade de beleza, na criatividade e na solidariedade”, e que por isso mesmo, tiveram uma primeira visão idílica da chegada daqueles homens “barbudos, hirsutos, feios, fétidos e infectos” vindos de além mar.

Mas logo os índios começaram a perceber a “hecatombe que caíra sobre eles”. “Com ela, os índios souberam que era por culpa sua, de sua iniquidade, de seus pecados, que o bom deus do céu caíra sobre eles, como um cão selvagem, ameaçando lançá-los para sempre nos infernos”, ameaça que viria a se cumprir quando, num dos episódios mais marcantes desse primeiro período da colonização no século XVI, morreram de uma só vez, contaminados, cerca de 40 mil índios “reunidos insensatamente” pelos jesuítas nas aldeias do recôncavo baiano.

 “Para os índios, a vida era uma tranquila fruição da existência, num mundo dadivoso e numa sociedade solidária, mesmo que com suas lutas e guerras”, explica o autor. Já para os recém-chegados, “muito ao contrário, a vida era uma tarefa, uma sofrida obrigação, que a todos condenava ao trabalho e tudo subordinava ao lucro”. “Seu desejo obsessivo era multiplicar-se nos ventres das índias e pôr suas pernas e braços a seu serviço, para plantar e colher suas roças, para caçar e pescar o que comiam”, assim exercendo sua vocação de “autoridades de mando e cutelo sobre bichos e matos e gentes”, em nome de “Deus e da lei”, analisa o autor. Ficariam nítidas aí as razões desencontradas desse enfrentamento de mundos tão diferentes, “onde as vitórias europeias se deveram principalmente à condição evolutiva mais alta, e à aglutinação das comunidades neobrasileiras numa única entidade política servida por uma cultura letrada e ativada por uma religião missionária”.

Darcy Ribeiro detalha os sérios conflitos entre os dois projetos que “ordenaram” a colonização: o projeto genocida, mercantil, empresarial, escravista e “igualmente ideológico” da Coroa através de seus nomeados colonos-donatários, cujo maior exemplo é Domingos Jorge Velho, e o projeto etnocida, salvacionista, evangelizador, socialista e utópico de jesuítas como Nóbrega e Anchieta, o qual recorria às tradições do cristianismo primitivo e a profecias messiânicas, e mostra como tudo isso resultou num “somatório de violência mortal, de intolerância, de prepotência e ganância”.

“Configuram-se, assim, duas destinações cruamente opostas, desfrutando, cada qual, o predomínio na dominação do Novo Mundo. De um lado, a dos colonos, à frente de seus negócios. Do outro lado, a dos religiosos, à frente de suas missões”.

Tal conflito resultaria na expulsão dos jesuítas do Brasil, já no século XVIII, depois que, ao fim e ao cabo, as ordens religiosas tenham servido como “amansadoras de índios” para o projeto colonial, mesmo que elas tenham exercido por algum tempo uma “dupla lealdade” à Coroa e aos indígenas. “A curto ou longo prazo, triunfaram os colonos, que usaram os índios como guias, remadores, lenhadores, caçadores e pescadores, criados domésticos, artesãos; e sobretudo as índias, como os ventres nos quais engendraram uma vasta prole mestiça, que viria a ser, depois, o grosso da gente da terra: os brasileiros”.

Ainda que, posteriormente, como frisa o autor, a Europa tenha derramado “multidões de imigrantes que acolhemos e até o grande número de orientais adventícios que aqui se instalaram. Todos eles, ou quase todos, assimilados e abrasileirados”, conclui Darcy Ribeiro.

 

Redação

3 Comentários

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  1. Obrigada

    Pela resenha e leitura criteriosa! Ja li este livro e vejo que tenho que rele-lo agora, neste momento crítico da nossa sociedade…

    abraços!

     

     

  2. Farsa intelectual
    Darcy Ribeiro foi um dos maiores farsantes da intelectualidade brasileira. Passava-se por antropólogo, embora jamais houvesse se formado em nenhuma universidade (o que não o impediu de ser reitor da Universidade de Brasília, obviamente por indicação política). Esse livro, que escreveu correndo pouco antes de morrer, é uma coleção de fantasias enunciadas em tom grandiloquente. Alguém acredita mesmo que a vida dos índios antes de Cabral era uma tranquila fruição da existência, em um mundo dadivoso e em uma sociedade solidária, onde até as guerras era divertimento? Acho que nem Rousseau acreditava nisso.   Ele repete a tese de que o Brasil foi invadido e roubado pelos portugueses. Mas como, se antes dos portugueses o Brasil nem existia? Passou a existir depois que os portugueses o fundaram. O que havia antes não era um país, mas uma região geográfica povoada por várias tribos que não tinham fronteiras demarcadas, não obedeciam a um governo único nem se consideravam parte do mesmo povo. Os portugueses não roubavam, cobravam impostos. Nenhum governo, colonial ou não, funciona sem impostos. Que nem eram tão altos assim, eram o “quinto”, a quinta parte da produção de ouro, e só incidiam sobre os ricos, aqueles que possuíam o ouro. Daí a Inconfidência Mineira haver sido uma conspiração tramada na elite, e não no povo.  Ele também repete a história do genocídio dos índios. Mas que genocídio foi esse, se hoje há tantos brasileiros caboclos, descendentes de índios, e isso inclusive é enaltecido por Darcy? O objetivo dos portugueses nunca foi exterminar, mas usar os índios como força de trabalho, o que também é reconhecido por Darcy. Mais uma entre as muitas contradições do autor. O que aconteceu de fato foi que os índios aos poucos abandonaram a vida tribal e inseriram-se na sociedade colonial, tornando-se os caboclos de hoje. Ou seja, “morreram” no sentido antropológico, e não no biológico. Tal como os antigos gauleses, jutos, celtiberos, suevos, alanos, godos, francos, lusitanos, escotos e tantos outros que deixaram de existir como etnias distintas, fundiram-se com outros povos e deram origem à atual população européia. Será que um europeu aceitaria a tese de que seu povo é o produto de um genocídio?  O autor não cita, mas Darcy fechou o livro com verdadeira chave de ouro enaltecendo o culto a iemanjá no ano novo, segundo ele a primeira “deusa que fode” desde a Roma antiga, que veio substituir o “ridículo Papai Noel com seu carro puxado por veados” (além de tudo é homofóbico). Alguém acredita que esse linguajar é antropologia? 

    1. Caro leitor, estive fora por

      Caro leitor, estive fora por alguns dias e por isso não tinha visto seu comentário.
      Quero deixar claro que não sou antropólogo, mas um estudioso das culturas brasileiras, em especial das culturas musicais, e que a obra de Darcy contribui muito com o meu trabalho, pois ela não fala apenas da farsa, essa sim a grande farsa que é a historiografia oficial do país, que foi orientada pelo IHGB, instituto fundado por Pedro II e sua turma, o qual, entre outras ações, determinou “como se deve escrever a História do Brasil”.
      Então o Brasil na existia antes dos portugueses? Faltou vc dizer que também não existiam as civilizações Incas, Maias e Astecas. São fantasias de historiadores e antropólogos também? A formação dos povos europeus citados por você é completamente diferente dos povos ibero-americanos, assim como a história cultural deles
      Portugal fundou um país, que país? Eles na verdade se apossaram das terras do Brasil e as deram aos colonos-donatários, que então fizeram a festa fausta, enchendo os bolsos e os cofres, destruindo o meio ambiente, matando, maltratando e escravizando índigenas e africanos, sendo esta a origem da enorme desigualdade aqui existente e do enorme conflito envolvendo o uso, a posse e a ocupação das terras brasileiras.
      Levaram trezentos anos para mal fundar um império “independente”, no qual os portugueses ficaram com  quase todo o comércio em suas mãos, para depois Pedro I retornar a Portugal para defendê-lo numa guerra, não sem antes rapar os cofres e deixar a dívida para os brasileiros. Sonegaram por séculos a informação sobre a Colônia Brasil, guardando a sete chaves tudo o que pudesse comprometer a sua imagem ou revelar os horrores da escravidão e dos genocícios sucessivos. Portugal nunca soube o que fazer com o Brasil, ou melhor, com o povo brasileiro, a não ser emprenhar as índias e escravizar os índios, e matar, maltratar, não educar, não dar casa, educação, saúde, nada. É claro que os impostos coloniais foram cobrados dos ricos, pois o que os pobres e escravizados tinham a dar como contribuição de impostos? Nunca tiveram nada! Mas deram suas vidas, seus braços, seus bagos e ventres, como diz o Darcy Ribeiro.
      O exército imperial brasileiro, comandado por Pedro II, (brasileiro, mas membro de uma dinastia portuguesa), protagonizou a guerra mais estúpida e covarde de todos os tempos, uma verdadeira matança no país vizinho, o Paraguai, incluindo o massacre de crianças, mulheres e idosos, tudo para tentar salvar o “Império brasileiro”. O que aliás, não conseguiram, pois, o Imperador, velho e sem herdeiros homens, não ofereceu qualquer resistência à meia dúzia de civis e militares que “proclamaram” a República em 1889. Ou seja, continuaram deixando tudo na mão dos donatários e dos militares, os quais até hoje continuam “comandando a festa”.
      Que o Darcy era irreverente, não há a menor dúvida, mas ele deixa claro na introdução que, embora tenha se apressado para concluir o livro devido ao câncer que o consumia, “O povo brasileiro” é resultado de todo um processo de pesquisas anteriores, iniciadas ainda nos anos 1950,conforme eu escrevi em posts anteriores. Ele cita todas as fontes, portanto, se você diz que são fantasias, deve citar também as fontes nas quais vc se baseia para dizer isso.
      Para medir a importância de Darcy Ribeiro e de sua obra, a referência acadêmica é insuficiente, pois o perfil das ciências
      sociais da maioria de nossas universidades pouco contribui para o desenvolvimento do país. Basta consultar as bibliografias dos cursos de algumas delas e se verá que o que se discute ali são teorias importadas dos Estados Unidos e de outros países que não nos servem para nada.
      Aliás, a primeira coisa que os EUA determinaram ao governo militar em 1964 foi cortar a cabeça dos cientistas sociais, entre eles Darcy Ribeiro e Josué de Castro, que fizeram parte da primeira lista de exilados. Isso porque os colonizadores sabem que o maior perigo que o colonizado oferece é conhecer, compreender e interpretar a clara história vivida e a própria condição de colonizado. Enquanto Josué morreu à míngua em Paris sem conseguir voltar à sua terra, Darcy sobreviveu e voltou, tendo sido eleito senador pelo Rio de Janeiro. Foi assessor de Brizola no governo do Rio, quando criou os CIEPS, uma das experiências mais exitosas em educação no Brasil.
      Darcy é discípulo de Anísio Teixeira, um dos maiores educadores brasileiros de todos os tempos, e que justamente por isso teve a “cabeça cortada” por diversas vezes ao longo de sua vida, até ser “encontrado morto” em 1971 num poço de elevador no Rio de Janeiro. Quanto a você considerar Darcy homofóbico, creio que vc se equivoca, pois ele não se refere a “veados” como homossexuais, se referindo ao trenó do Papai Noel, acho que eu não preciso gastar saliva com isso, e eu não tenho nada a ver com as opiniões dele sobre santos ou santas dessa ou daquela religião. Mas que tem muito “santo” na política enriquecendo “em nome de Jesus”, isso eu posso te garantir
      Portanto, caro Pedro ABBM, não sei se você é uma pessoa ou uma entidade, mas não me surpreende a sua revolta contra o Darcy Ribeiro. O desprezo pelos intelectuais e artistas brasileiros é coisa antiga, o Tom Jobim cansou de falar sobre isso.
      E o medo da verdade também, por isso donatários e militares cortam a cabeça de quem resolve falar sobre ela.

      Desde Tiradentes.
       

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