por Matê da Luz
Curta e grossa: a gente não sai por aí se justificando quando tem gripe, pneumunia ou câncer. Na verdade, o efeito é outro: pessoas vem ao nosso encontro perguntar se está tudo bem, não é mesmo? (considerando um cenário normativo, vamos lá, imagine comigo).
Agora, espero que não, sinceramente, mas você já passou por algum momento de ansiedade grave, depressão, pânico? Observe – e me conte, por favor! – se o que recebeu foi algo parecido com o tratamento que se dá frente as doenças “físicas”. Por aqui, confesso, a observação e a vivência própria dizem que não.
O mundo ao redor ainda não sabe como tratar os pacientes com as doenças mentais, ainda que temporárias.
“Você não vai sair dessa?”; “levante, ficar deitada não resolve nada”; “ficou tão triste assim por causa de um problema tão pequeno? Todo mundo tem problemas!”; “é só respirar calmamente que o ar entra e pronto, passou”. Apenas alguns exemplos de frases com as quais já tive contato por ali e acolá que não, não fazem o menor sentido.
É preciso um tanto de atitude do indivíduo doente para a cura, em ambos os casos – doença física ou psíquica. Fato: se a pessoa não se movimenta e compromete com o processo de cura, nada acontece. Não é como se o remédio tarja preta e a terapia funcionassem sem o envolvimento ativo e funcional do paciente, mas os arredores, neste caso, se tornam extremamente relevantes para o que vem por aí. Porque olha, não é simples, não é indolor, não é rápido. Mas é possível.
Aliás, é possível mesmo que o enredo não mude: quem quer sair desses contextos mentais de crueldade-própria tem o dom da transformação, porque só ele providencia as ferramentas necessárias para caminhar em direção ao que se quer. A voltar a querer alguma coisa, em muitos dos casos. A viver, na raiz do sentido da palavra.
Remédio ajuda? Sim, ajuda muito. Os desequilíbrios químicos que o cérebro apresenta quando descompensado são potentes e, as vezes, só a interferência química pode dar o clique inicial para um processo de reconstruir processos. Remédios homeopáticos, inclusive, funcionam tão bem quanto os outros, mesmo que em tempos mais lentos – que servem para firmar a auto-observação e auto-cuidado, na minha experiência pessoal salvou a pátra e a vida e, ufa!, sem efeitos colaterais quase tão sérios quanto a própria doença.
Terapia é fundamental. Entender, aceitar, restruturar. Vibrar. Tudo isso só é possível, acredito, se houver alguém imparcial ali de mãos dadas, parando pra beber água e acelerando alguns percursos pra não se ater ao que já não mais importa. Semanal, quinzenal, Jung, Freud, holística – tem um tanto de tudo no mercado e, vale, vale, vale muito se comprometer nesta jornada. Tem terapia gratuíta, inclusive. E vale, só pra reforçar, vale mesmo.
Mas sabe o que mais vale neste contexto todo? Parar de se justificar. Parar de querer que os outros entendam que esta condição chata pra caramba faz isso e aquilo com a vida, promove más escolhas e que é difícil sair dali sozinho. Porque se ninguém percebeu até agora, acredite, não vai ser contando tudo de novo e de novo que a pessoa vai entender. Quem acolhe os doentes da alma tem sensibilidade para simplesmente estar lá, acolhendo com a alma – não precisa de explicação ou justificativa. E, além do mais, recontar a mesma história mil vezes só reforça o que você escuta sobre si mesmo.
Dica do dia: conte que esteve doente, mas que está em processo de cura. Não se vitimize, mesmo que o papel de carregar depressão/ansiedade/toc ou qualquer outra vertente desta imensa gama de dores seja péssimo e pesado: não se vitimize, porque mais do que uma vítima, você é uma pessoa potencialmente curável. Merece se dar essa chance, merece reaprender a caminhar, merece querer e desejar o que quer e deseja, merece colocar as mãos na massa numa nova velocidade e construir a vida. A sua vida.
Solidão é uma das coisas que mais incomoda nestes momentos, é verdade – escutar “eu te entendo, estou aqui com você” é dos presentes mais gostosos de abrir quando você está ali, na densa e escura floresta. Mas a solidão pode ser melhor, e é!, do que estar acompanhado de quem minimiza suas dores. As dores da alma são tão reais quanto as físicas, porém mais complexas de serem compartilhadas – e deve ser por isso que tanta gente se esconde quando está doente assim; pode ser por isso que tanta gente tenta ignorar quando convive com alguém assim.
Não é fácil, mas é possíve. Cuide-se e, depois de tudo isso, escolha pessoas com quem pode contar. Refazer a lista de convives, reescolher família, trocar de turma: tudo isso é saudável se te faz bem. A vida é sua, afinal. Faça o melhor que puder. Só não pare, combinado?
Alguns pronomes pessoais são tão importantes que ninguém tem nada a ver com isso.
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Maravilhoso tema
Sem palavras para comentar esse artigo! Me vi inteira nele. E só consegue entendê-lo quem já mergulhou nesse rio escuro e sombrio. Obrigada.
Demissão a pedido
É bem isso, Matê.
Fui demitida e o que mais marcou foi
a assinatura nela, do nosso
perfeito prefeito, o lindão Haddad.
Aos 68 anos pertinho da compulsória.
Descobri os “não amigos”.
Minha dignidade é meu mais caro bem
junto com os amigos.
por um outra sociedade
o filme espanhol “Abre los ojos” (1997) de Alejandro Amenabar trata de uma sociedade no futuro onde após ter o rosto desfigurado em um acidente o personagem entra em profunda depressão. Uma técnica cirurgica recupera o rosto e ele retorna a vida social mas estranhas visões colocam o personagem com um mundo nem tnao cor-de-rosa como lhe foi vendido na cirurgia.
Imagino outro filme na esteira do fascinante mundo idealizado por Amenabar (e que foi imitado depois por muitos filmes famosissimos…) onde fosse trivial o que voce diz no seu post. Pessoas que sofrem ligando dos seus celulares via chat para Centros de Valorização da Vida (CVV) e conversando e sendo ouvidas, depois desligando seus chat e tocando a vida sem se justificar para si ou para outros. Seria tão corriqueiro quanto consultar e trocar mensagens via whatsapp.
para simples mas hoje em dia ainda é mais ficção cientifica quanto “Abre los ojos”