O Prêmio Nobel de Física em 2018, por Walnice Nogueira Galvão

O Prêmio Nobel de Física em 2018

por Walnice Nogueira Galvão

As notícias fazem alarde sobre a concessão do Nobel de Física a uma mulher – aliás apenas um terço do prêmio, que foi atribuído conjuntamente a ela e a mais dois homens. Seu nome é Donna Strickland, canadense, e ela se especializou em tecnologia de laser. Para entender porque tanto barulho em torno de um terço de prêmio, sequer um prêmio inteiro, é só lembrar que fazia 55 anos que uma mulher não era agraciada pelo Nobel de Física.

Sua mais famosa ancestral foi a polonesa Maria Sklodowska, que passou à história como Marie Curie ou Madame Curie, já que sua  carreira se desenrolaria na França, onde se casaria com outro cientista, o francês Pierre Curie. Este abandonaria suas próprias pesquisas e se devotaria até a morte precoce a ajudar a esposa no importantíssimo campo pioneiro que ela ia abrindo, o campo da radioatividade. Ela isolou e nomeou dois novos elementos químicos, o rádio e o polônio, batizado em homenagem a seu país natal. Pierre morreria estupidamente atropelado por uma caleça quando saía para trabalhar. O matrimônio, que não chegaria a completar 10 anos, e ao que consta muito harmonioso, não seria experiência repetida pela jovem viúva.

Marie Curie, que certamente não merece andar meio esquecida, é até hoje a única pessoa, mulher ou homem, a ter ganho dois prêmios Nobel, um de Física (1903, partilhado) e outro de Química (1911). Linus Pauling também ganhou dois prêmios Nobel, um de Química e outro da Paz, ou seja, um científico e outro humanitário – enquanto os dela são ambos prêmios científicos. Por isso, ela figura no livro Guinness de recordes.

Entre outras proezas, ela fez duas descobertas que vieram beneficiar extraordinariamente a humanidade: as unidades móveis de Raio X (as Petites Curies), que iam até o front na Primeira Guerra, e a radioterapia para tratamento do câncer. São hoje tão difundidas, a ponto de nem lembramos que precisaram ser descobertas, e por ela, ao fim de anos e anos de pesquisa.

Em 1926, Marie Curie, já avançada em anos e doente, esteve no Brasil. Cientista séria, nunca se preocupou em tirar patente de nenhuma de suas descobertas: considerava que tudo o que fazia era para o bem da humanidade. Assim, quando quis comprar um grama (1 gr) de rádio para o Instituto de Pesquisa sobre o Câncer que fundou em Varsóvia, sua cidade natal, o único jeito de levantar aquele 1 milhão de dólares necessário foi fazer uma turnê de conferências pelos Estados Unidos e América Latina. O alvoroço da mídia em torno dela garantiu que fosse recebida por presidentes da República e suscitou doações de gente rica.

No Brasil, onde chegou acompanhada pela filha Irene, cientista como a mãe e futuro prêmio Nobel, entre outras honrarias foi eleita para a Academia Brasileira de Ciências. Parece mentira, mas anos antes Marie Curie, com dois prêmios Nobel, tivera sua candidatura recusada pela Academia de Ciências da França, onde as mulheres eram proibidas e que nunca a incluiu entre seus membros. No Brasil, ela foi a primeira mulher a participar dessa Academia, assim como fora a primeira mulher a ganhar o prêmio Nobel de ciências e a única pessoa a ganhá-lo duas vezes.

Uma vez aqui, Marie Curie foi de trem até Belo Horizonte para visitar o Instituto do Rádio, com seu hospital dedicado à pesquisa e tratamento do câncer, então uma novidade em qualquer parte do mundo: a doença não era nem conhecida nem diagnosticada, e muito menos tratada. Esse hospital foi o primeiro a ser fundado nas Américas.

A outra filha, Eva, era jornalista e escreveria a biografia da mãe, até hoje a mais autorizada porque traz informações que poderíamos chamar “de dentro de casa”.Veicula detalhes fundamentais que não estavam documentados, focalizando a parte inicial de sua vida ainda na Polônia e os anos de estudo na França. Se houve escamoteação de dados devido à piedade filial, essa seria compensada por histórias de vida escritas mais tarde por autores não tão afetivamente comprometidos. O livro de Eva permaneceria como a mais completa fonte sobre a trajetória da grande cientista Marie Curie, nascida Maria Sklodowska.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

4 Comentários

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  1. Feminismo de botequim
    Por que fazer um texto inteiro sobre Marie Curie se a ganhadora foi Donna Strickland? Que loucura.

    Além do mais, o texto tem erros factuais. John Bardeen também ganhou dois prêmios Nobel importantíssimos pelo trabalho em semicondutores, base de toda a eletrônica moderna. Como alguém pode ignorar isso, eu não sei.

  2. Instituto do Radio

    De fato o foco ficou sendo a Madame Curie, mas este foco trouxe uma informação preciosa. A visita de Curie ao Instituto do Radio, nos mostra que em 1926, tinhamos não apenas uma Academia Brasileira de Ciências mas também um centro de pesquisa sobre os efeitos da radiação. Algo  que demosntrava a existência de uma comunidade científca que se não era quantitativamente muito grande era sem dúvida qualitativamente significativa e inserida no contexto da  pesquisa de ponta na epoca. Em 1926 o mundo engatinhava na compreensão da radioatividade e seus efeitos.

    Quanto a critica sobre o pouco espaço de Dona Strickland eu tenho certeza que Walnice pode nos presentear com mais um texto .

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