Foto: Fernando Pereira/CPDocJB
Por Leonardo Isaac Yarochewsky
Advogado Criminalista e Doutor em Ciências Penais pela UFMG
O processo contra os metalúrgicos de São Paulo por Heleno Cláudio Fragoso
1- A greve:
“No dia 1º de abril de 1980 os Sindicatos dos Metalúrgicos de Santo André e São Bernardo do Campo – Diadema, declararam em greve os trabalhadores daquela categoria. Os Sindicatos tinham, então, como presidentes, Benedito Marcílio Alves da Silva e Luiz Inácio da Silva (“Lula”), respectivamente. Não tinha a greve qualquer conotação política fora do âmbito sindical. Os trabalhadores pleiteavam aumento salarial, garantia de emprego e a instituição do delegado sindical”.
O movimento grevista tomou enormes proporções, revelando a força dos trabalhadores e levando a imediata reação patronal. Inicialmente, tentou-se, sem êxito, obter do Tribunal Regional do Trabalho declaração da ilegalidade da greve. Contudo, após intensas movimentações e pressões, em 14 de abril, em desconcertante reviravolta, a Justiça do Trabalho acabou declarando a ilegalidade da greve.
Narra FRAGOSO, que em 17 de abril, o Ministério do Trabalho decretou a intervenção nos Sindicatos. Apesar da autoritária intervenção, a greve prosseguia. “Os trabalhadores organizaram-se e buscaram o auxílio do povo, não só em São Paulo como em outros Estados. Mostraram nesta oportunidade, enorme capacidade de luta e determinação sob a liderança de ‘Lula’ e seus companheiros”.
Com a finalidade de reprimir a greve, as manifestações e reuniões dos trabalhadores, São Bernardo do Campo foi ocupada pela Polícia Militar e pela polícia civil, sendo “transformada virtualmente em praça de guerra”.
2- A prisão:
Apesar de toda violência e truculência policial – foram utilizados carros blindados, cães e bombas de gás – a greve prosseguia. Era preciso então, prender os lideres sindicais. Segundo FRAGOSO, isso só se poderia fazer acusando-os de crime contra a segurança nacional. E foi o que fez a polícia política da ditadura – o DOPS. O delegado Edsel Magnotti, do DOPS de São Paulo, expediu ordens de prisão dos dirigentes sindicais, com base no art. 53, § 1º, da lei de segurança nacional, atribuindo a todos o crime de “incitação subversiva”.
Após 41 dias, no dia 11 de maio, a greve terminou.
3- A denúncia:
Em 1º de julho de 1980, o procurador Dácio Gomes de Araújo denunciou trezes líderes sindicais pelo crime de “incitação subversiva” previsto na lei de segurança nacional. Segundo a denúncia, informa FRAGOSO, os acusados incitaram à desobediência coletiva às leis e incitaram à animosidade entres as classes sociais. A pena prevista para o crime era de 2 a 12 anos de reclusão
4- A instrução criminal:
“Na instrução criminal depuseram inúmeras testemunhas, arroladas pela defesa. Os advogados Almir Pazzianotto e Eduardo Seabra Fagundes, então presidente da OAB; os jornalistas Ricardo Kotscho, Roberto Serrano e Edson Motta; o ex-ministro Severo Gomes; vários políticos, entre os quais os deputados estaduais Eduardo Matarazzo Suplicy e Marcos Aurélio Ribeiro; os senadores Franco Montoro, Teotônio Vilela e Orestes Quércia; o deputado Ulysses Guimarães e o prefeito Tito Costa, de São Bernardo do Campo. Todos vieram narrar violências policiais, afirmando que os líderes sindicais sempre pediram calma aos metalúrgicos, recomendando que evitassem provocações. O professor Dalmo Dallari também depôs como testemunha, narrando a prisão ilegal imposta a ele e a José Carlos Dias”.
5- O julgamento:
Inicialmente, o julgamento foi designado para o dia 19 de fevereiro de 1981. Contudo, antes de serem todos os advogados intimados, dois deles requereram adiamento, e o julgamento acabou sendo transferido para o dia 25. Essa transferência, observa FRAGOSO, somente foi decidida no dia 23 – dois dias antes da data designada – para que não houvesse tempo hábil para viagem ao Brasil de observadores de importantes organizações sindicais europeias e americanas.
Diante de tanta arbitrariedade, os advogados e os réus decidiram não comparecer à auditoria militar, o que do ponto de vista legal impossibilitaria o julgamento segundo o art. 431 § 5º do Código de Processo Penal Militar.
Entretanto, havia pressa para condenar. A ausência de advogados e réus foi considerada “uma afronta” e provocou a ira dos membros do Conselho. Decidiu-se pela realização do julgamento, mesmo com a ausência de advogados e réus. Foi designado defensor de ofício, “como se fosse possível a este tomar conhecimento do processo na hora e produzir uma defesa eficiente”.
A sentença, salienta HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, já estava pronta e foi publicada no final da sessão. “É uma longa sentença, que jamais poderia ter sido redigida durante a sessão secreta. Depois de anunciados os resultados dos julgamentos, as sentenças levam sempre mais de uma semana para serem preparadas. Neste caso a sentença já estava pronta”.
Luiz Inácio da Silva, Djalma de Souza Bom, Emilson Simões de Moura e Rubens Teodoro de Arruda foram condenados à pena de 3 anos e 6 meses de reclusão. José Maria de Almeida, Osmar Santos de Mendonça, Juraci Batista Magalhães, Manoel Anísio Gomes e Gilson Luiz Correia de Menezes foram condenados à pena de 2 anos e 6 meses de reclusão. Nelson Campanhoto e Wagner Línio Alves foram condenados a 2 anos de reclusão. Todas as condenações tiveram por base o crime de incitação subversiva.
6- O recurso:
Com a interposição de recurso para o Superior Tribunal Militar, HELENO CLÁUDIO FRAGOSO passou a atuar no processo, defendendo Osmar dos Santos Mendonça e Wagner Lino Alves.
Informa FRAGOSO, que os jornais do mundo inteiro noticiaram as arbitrariedades perpetradas durante o processo, o que provocou enorme dano à imagem do Brasil, “então supostamente empenhado num processo de redemocratização”. O Advogado da Liberdade destaca que o autoritarismo seria compatível como os “tempos ominosos do governo Médici”. Porém, como explicar que os fatos se deram depois da revogação do Ato Institucional nº 5 e depois da Anistia. Não foi sem razão, lembra FRAGOSO, que o deputado João Cunha, que havia participado dos acontecimentos em São Bernardo do Campo, em discurso na Câmara dos deputados, denunciou o “cinismo democrático”.
No julgamento da apelação perante o Superior Tribunal Militar, em 9 de setembro de 1981, se buscou preliminarmente a anulação do processo. FRAGOSO, como ele mesmo narra, denunciou durante sua sustentação oral o “abuso que se fazia da lei de segurança nacional e da Justiça Militar, posta a serviço de patrões, par oprimir e dominar os trabalhadores”.
O tribunal, por maioria, anulou o julgamento de São Paulo, determinando que os réus fossem submetidos a novo julgamento. O Ministro Jacy Guimarães Pinheiro pronunciou-se desde logo pela incompetência da Justiça Militar.
7- Novo julgamento:
Em novembro de 1981, realizou-se um novo julgamento em São Paulo. Coube, novamente, a HELENO CLÁUDIO FRAGOSO encerrar as sustentações da defesa. O eminente professor procurou demonstrar que a lei que definia crimes políticos não poderia ser transformada em “instrumento para atemorizar e perseguir trabalhadores, nos conflitos resultantes de reivindicações por melhores condições do contrato de trabalho”. Destaca FRAGOSO que a greve é direito dos trabalhadores, sempre em situação de desigualdade na disputa sobre o contrato de trabalho.
Segundo o próprio FRAGOSO, o ponto alto de sua defesa foi “demonstrar que os metalúrgicos de São Paulo não praticaram crime algum contra a segurança nacional. E também em demonstrar que as proclamações feitas no sentido do prosseguimento da greve não constituíram, de forma alguma, incitação subversiva”.
Encerrados os debates, o Conselho de Justiça se reuniu em sessão secreta, voltando com a mesma decisão condenatória anterior. Contudo, desta vez, com uma importante novidade. O auditor juiz Francisco Fernando Rodrigues acolhendo todos os argumentos da defesa, foi voto vencido. A decisão foi por três votos a dois. “A maioria condenava. A explicação é simples; a decisão condenatória veio do quartel”.
8- Apelação para o Superior Tribunal Militar:
Os advogados apelaram para o Superior Tribunal Militar. O julgamento da apelação ocorreu no dia 16 de abril de 1982. Foi relator o Ministro General Dilermando Gomes Monteiro, e revisor Ministro Jacy Guimarães Pinheiro.
Coube, novamente, a HELENO FRAGOSO encerrar a defesa oral. Após valorizar os votos vencido no segundo julgamento em São Paulo para com a maestria de sempre entonar os argumentos irrespondíveis da defesa.
Encerrados os debates, o tribunal se reúne e decide pela “incompetência da Justiça Militar para o processo. Se crimes praticaram os acusados, devem eles ser processados com base na lei antigreve”.
Segundo FRAGOSO, a decisão da Justiça Militar constituiu “um fato histórico importante nas lutas sindicais” no Brasil. De agora em diante, diz FRAGOSO, “não é mais possível acionar a lei de segurança para perseguir trabalhadores em greve que não tenha caráter subversivo. Se pensarmos nisso, veremos que o sacrifício dos metalúrgicos de São Paulo não foi em vão”.
Diante da decisão do Superior Tribunal Militar o processo foi remetido à Justiça Federal de São Paulo onde, a requerimento do procurador da República, foi arquivado.
9- Conclusão:
Como disse Karl Marx, “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.
A condenação do metalúrgico e ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva em 1981 pela Justiça Militar e agora pela Justiça Federal de Curitiba foram marcadas por arbitrariedades e pelo autoritarismo. No início dos anos 80, ainda estávamos sob o domínio de uma ditadura militar. Agora, em pleno século XXI, sob o que o então deputado João Cunha chamou à época de “cinismo democrático”, Luiz Inácio é condenado e preso depois ter direitos e garantias violados. Se como disse FRAGOSO, em 1981, a Justiça Militar tinha “pressa para condenar”, de igual modo, o açodamento punitivista se faz hoje presente.
Desgraçadamente, a história se repete para aprisionar uma liderança da classe dos trabalhadores. Por tudo que se verificou no passado e no presente, sob o manto do Estado de exceção, Luiz Inácio Lula da Silva foi e continua sendo um preso político.
Notas e Referências:
[1] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Advocacia da liberdade: a defesa nos processos político. Rio de Janeiro: Forense, 1984. Na obra “Advocacia da Liberdade”, HELENO FRAGOSO além de apresentar sua visão crítica do período que se iniciou com o golpe militar de 1964, nos brinda, também, com a narrativa de defesas realizadas por ele em diferentes períodos dos anos de chumbo.
Nesta obra ímpar, FRAGOSO, com exatidão, afirma que “entre todos os ramos do direito, é o direito penal um dos mais rapidamente afetados pelos movimentos revolucionários. Esse fenômeno universal expressa-se, por um lado, através da pretensão punitiva da revolução, relativamente aos antigos detentores do poder, e , por outro, através da formulação de um conjunto de normas penais, invariavelmente de grande severidade, para a tutela de bens e interesses de particular relevância para a nova ordem política que se estabelece, ente as quais adquirem especial significação as normas penais tendentes a garantir e a preservar a própria revolução, incriminando-se toda atividade direta ou indiretamente contra-revolucionária”.
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