O reizinho mandão e os fariseus, por Luciano Martins Costa

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Luciano Martins Costa

No Observatório da Imprensa

O Globo traz como manchete na edição de quinta-feira (11/6), sobre fotografia da ministra Carmen Lúcia Antunes Rocha, a frase da relatora que definiu a votação da questão sobre biografias não autorizadas no Supremo Tribunal Federal: “Cala a boca já morreu”.

O tema também abre as edições do Estado de S. Paulo e da Folha de S. Paulo.

O Estado anuncia: “Por unanimidade, Supremo acaba com censura às biografias”. A Folha proclama: “Por 9 a 0, STF libera biografias”. A sentença completa da ministra, decantada por toda a imprensa, se resumia no seguinte: “Cala a boca já morreu, é a Constituição do Brasil que garante”.

Certamente, a magistrada foi apanhar na infância a expressão com a qual pretendeu marcar seu protagonismo na história do STF, e que a escritora Ruth Rocha repassou às novas gerações no livro infantil intitulado O reizinho mandão. A frase original, que passa de boca em boca desde provavelmente os primeiros portugueses que aqui aportaram, diz de forma mais cabal: “Cala-boca já morreu; quem manda na minha boca sou seu”.

Esse enredo, produzido pela insistência do cantor Roberto Carlos, chamado de “rei” no folclore da canção popular, em proibir certas referências a sua mãe em uma biografia não autorizada, inspira sentimentos muito nobres sobre o direito à liberdade de expressão. Mas, como tudo que permeia a comunicação de massa, o noticiário sobre a votação da Suprema Corte esconde o entulho de farisaísmo que obscurece os debates sobre direitos humanos no Brasil.

Na mesma edição em que registram com solenidade a decisão judicial segundo a qual o direito à privacidade não pode restringir a liberdade de expressão, os jornais noticiam que a polícia legislativa, a serviço da “bancada da bala”, reprimiu o protesto de jovens que se manifestavam na Câmara dos Deputados contra o projeto que reduz a maioridade penal para 16 anos.

Paralelamente, em outro episódio no mesmo parlamento, deputados ligados a igrejas ditas evangélicas interromperam o rito processual para promover uma reza contra os direitos dos homossexuais.

Não há como não lembrar que fariseus e hipócritas são a mesma coisa.

Pornografia na Câmara

O que há de comum entre esses episódios é a dura constatação de que a imprensa, e talvez até mesmo a linguagem jornalística herdada da mídia impressa, não seja mais capaz de abranger a complexidade das questões apresentadas pela sociedade contemporânea.

Como defender a liberdade de expressão do autor de biografias sem fazer o mesmo com o deputado que acha razoável impor sua crença a todo o Poder Legislativo, ou, quem sabe, a todo o país?

Como não relacionar a truculência de agentes públicos contra estudantes que – muito saudavelmente – se deslocam até a Praça dos Três Poderes para manifestar sua discordância com relação a um projeto de lei que os afeta, ao clima de intolerância que grassa no país?

Não teria essa truculência a mesma natureza da violência latente nos modos como a polícia enxerga a juventude, principalmente aquela fração que vive nas comunidades mais pobres? Tudo isso não estaria relacionado ao fato de que sociedades conservadoras temem o “cala-boca já morreu” que desmoraliza o autoritarismo?

Vista de fora do arcabouço religioso, a cena do grupo de parlamentares, ladeando o presidente da Câmara, levantando cartazes contra manifestações de homossexuais, é mais do que patética: é um sinal de alerta para as instituições democráticas – principalmente o Supremo Tribunal Federal, com respeito ao princípio do Estado laico.

É curioso observar que as cenas protagonizadas por manifestantes durante a Parada Gay, chocantes para o senso comum, foram transformadas em pornografia por quem as reproduziu em cartazes e as exibiu diante das câmeras no plenário do Congresso.

Para concluir, e lembrando que esse contexto merece um debate mais amplo, convém citar outra notícia, segundo a qual estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pretendem queimar um boneco representando Michel Foucault, em protesto contra decisão do conselho da instituição, que vetou a criação de uma cátedra dedicada à obra do filósofo francês. O ato lembra a fogueira da Inquisição.

O relicário de dogmas com que os parlamentares da chamada bancada evangélica tentam condicionar a contemporaneidade lembra o Malleus Maleficarum, manual oficial da Inquisição que a partir de 1495 fundamentou a violência da igreja católica contra mais de 100 mil mulheres, acusadas de copular com o demônio.

Uma curiosidade: vinte anos antes de morrer, Foucault havia cortejado uma tese perigosa – ele suspeitava que o processo civilizatório seria capaz de despertar certas loucuras adormecidas pela modernidade.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

13 Comentários

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  1. putz!
    a chamada quase me

    putz!

    a chamada quase me engana… por um estalo nas ideias achei que a matéria seria sobre lula e a coalizão petista…

  2. O Estado é laico, não tem uma

    O Estado é laico, não tem uma religião oficial. As religiões são permitidas, garantindo-se as liberdade de consciência e de expressão daqueles que não são religiosos. Ter uma religião ou não é, portanto, um assunto privado e de foro íntimo. O Parlamento é um local público em que o interesse público deve ser objeto de deliberação. Demonstrações de fervor cristão devem ser evitadas no Parlamento, quer porque não interessam à atividade pública lá desempenhada quer porque podem ser consideradas como uma provocação pelos parlamentares que praticam outras religiões (e que, com toda razão, gostariam de fazer o mesmo naquele local).

    Tudo bem pesado, demonstrações de fé em plenário deveriam ser repudiadas, banidas e até punidas. É falta de decoro parlamentar rasgar a natureza laico do Estado e pisotear a Constituição Federal que garante a validade e a eficácia do mandato atribuído ao parlamentar. 

  3. Desculpa

    peço desculpas a todos deste blog por achar que os evangelicos não iriam se meter nesta confução tendo em vista que eles consideram profano a ideia de Jesus Cristo pendurado na cruz como é reverenciado pelos catolicos.

    Como ja disse antes a ideia de um Deus morto em uma cruz vai contra tudo que eles acreditam, pois para os evangelicos, Jesus venceu a morte e esta vivo e não pregado na cruz.

    Uma pergunta, não existem leis que proibem a exposição de peças pornograficas em areas publicas?, ou sera que isso so fale para o povao e não para os politicos.

  4. Eu não entendo uma coisa, em

    Eu não entendo uma coisa, em uma sociedade que é tão protecionista com relação às sensibilidades alheias, principalmente das ditas “minorias”, porque acham um absurdo a proteção da sensibilidade religiosa das outras pessoas. Te garanto que se aparecesse uma manifestação machista e lá fosse ferida a sensibilidade das mulheres, todo mundo iria protestar. Porque esse ódio a tudo o que é religioso? Estranho e incoerente.

    1. Não é a “sensibilidade” das

      Não é a “sensibilidade” das minorias, é a vida e a integridade física das minorias, que é vítima do preconceito: 

       

      http://noticias.r7.com/sao-paulo/morre-filho-de-casal-gay-agredido-em-porta-de-escola-12032015

      http://oglobo.globo.com/sociedade/casal-gay-espancado-por-15-homens-dentro-de-vagao-do-metro-em-sao-paulo-14541915

      http://www.olhardireto.com.br/noticias/exibir.asp?noticia=Jovem_gay_e_agredido_por_pelo_menos_dez_pessoas_no_centro_de_SP&id=391425

      http://www.diariosp.com.br/noticia/detalhe/70837/casal-gay-agredido-em-restaurante-da-augusta

      http://www.otempo.com.br/cidades/homossexual-%C3%A9-agredido-em-ritual-de-purifica%C3%A7%C3%A3o-de-gays-1.919107

      Os únicos religiosos que são agredidos, por sua religião, no Brasil, não são os cristãos. São os fieis do candomblé e da umbanda, vítimas dos autodenominados cristãos. Por causa dessa sensibilidade imbecil desses cretinos por símbolos vazios em detrimento das pessoas de carne e osso!

  5. ; )

    Excelente crítica Nassif!

    Estou estagnado com o seu bom senso! … Empresta um pouco pra esse câncer (Câmara) que está corroendo a nossa sociedade!

  6. Matéria Tendenciosa

    Resumindo este texto cheio de enrolação. Observem que é apens chavões usados pelos esquerdistas. Ridículo que este pessoal da esquerda fingim uma bondade que não engana nem os mais idiotas. Falam de tolerância e não respeitam as crenças dos outros. Falam de preconceito e vejam como ele se refere aos evangélicos. Se fosse o contrário os evangélicos tivessem criticado o Lgbt como eles fizeram com os símbolos cristãos tenho certeza que a opinião tendenciosa do nosso amigo da matéria seria outra. Enfim pode ter certeza que os únicos que opoiam este governo corrupto não o fazem de graça. E como a grande mídia finge que nada acontece, que esta tudo bem? Mas nos telejornais sempre tem propagandas (muito bem pagas) das empresas públicas.

    Enfim o PT e a esquerda conseguiram nivelar o Brasil por baixo.

    1. Hipócrita.

      Tão hipócrita quanto o Feliciânus.
       

      Do Extra

      Marco Feliciano diz que católicos adoram Satanás e têm corpo ‘entregue à prostituição

      Em um vídeo que circula na internet, repleto de críticas à Igreja Católica, o deputado Pastor Marco Feliciano (PSC-SP) afirma que os católicos adoram Satanás e que têm o corpo “entregue à prostituição” e “a todas as misérias dessa vida”. Na pregação, cuja data não é informada, Feliciano chama a religião católica de “morta e fajuta” e critica o hábito de usar crucifixos de Jesus no pescoço, comum entre os católicos.

      “Eu conheço o Deus de Paulo (São Paulo). Não é o Deus dessa religião morta e fajuta em que você está. Se há algum católico entre nós aqui, o que eu duvido muito, mas, se tiver, deixa eu explicar uma coisa. Primeiro: você não pode sentir aquilo que nós sentimos sem experimentar o Deus que nós sentimos. ‘Não, pastor, não, pastor, mas eu sou carismático. Eu até aprendi a falar em línguas, colocaram uma fita no rádio e eu decorei.’ Esse avivamento é o avivamento de Satanás”, grita, com raiva, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

      “Porque o avivamento que provém de Deus, você não precisa ouvir fita para aprender. Você não pode experimentar o mesmo avivamento que eu porque o seu Deus não é o mesmo Deus que o meu Deus”, prega Feliciano, aos berros, incensando os fiéis. 

      As imagens originais haviam sido encontradas pelo EXTRA há uma semana, em um canal da Assembleia de Deus no YouTube. No entanto, o vídeo foi removido pelo usuário no fim de semana. Outros internautas, porém, já haviam feito uma cópia e voltaram a postá-la.

      “O meu Deus exige santidade. Santidade física e santidade de alma. Não adianta dizer que seu coração é de Deus, mas o seu corpo está entregue à prostituição, à idolatria e a todas as misérias dessa vida. Quem é de Deus louva a Deus até no seu corpo”, grita o pastor ao microfone, enquanto dá um tapa no púlpito e um pulinho.

      Embora afirme não ser homofóbico, Feliciano inclui os homossexuais na mesma pregação.

      “O meu Jesus não foi feito para ser enfeite de pescoço de homossexual nem de pederasta nem de lésbica”, conclui.

       

  7. Fariseus?

    Patetico é seu comentario apedeuta no que tange sua colocacao sobre o ato que relato a cristofobia e desrespeito aos cristaos, citar a inquisição? Tenha um pouco mais de conhecimento historico senhor. Cada parcela do povo coloca como representante aqueles que corroboram com seus ideais, preceitos eticos e morais. Qual o sinismo por haver uma bancada evangélica? Aquele ato representou qualquer pessoa de bem, que não pactua e alegra-se com crucifixo penetrado no ânus. o que esta indo pra fogueira é o bom senso, e o julgamento viciado que leva o preconceito e a emoçao emitir  

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