O significado do ataque ao marxismo no governo Bolsonaro, por Paulo Nicolli Ramirez

O significado do ataque ao marxismo no governo Bolsonaro

(Paris, 05-01-19)

por Paulo Nicolli Ramirez

O método dialético de Marx pressupõe observar a realidade a nossa volta por meio de contradições. Sartre na obra “Crítica da Razão Dialética” nos mostra o marxismo como ferramenta epistemológica capaz de nos afastar do conformismo, das interpretações deterministas e dos reducionismos históricos. Ainda que se deva respeitar posicionamentos não marxistas em termos políticos e econômicos vindouros, isto é, o socialismo, seria interessante não reduzi-lo apenas a estes aspectos, pois o marxismo nos ajuda a compreender a relação do mundo material com a formação de nossa consciência e, mais que isto, a noção de que a humanidade é construída e constrói a sua história, somos produtos e produtores da realidade.

Tal construção é banhada por contradições sem as quais nenhuma transformação seria possível, seja para a análise do papel da linguagem, das religiões, artes, das organizações sociais (família, propriedade, Estado, etc) e mesmo das tecnologias e das tão discutidas questões de relações de gênero. O materialismo histórico dialético representa uma forma filosófica de perceber o mundo, tal como a matemática é relevante para a compreensão dos fenômenos da natureza ou a experimentação e a observação científicas também os são.

Quando se afirma que se deseja a eliminação do marxismo da educação, conforme professado pelo atual ministro da educação do governo de Bolsonaro, está-se apostando num mundo reencantado pela superstição, fatalismo e visão mística do mundo, idealismos grosseiros que têm como principal objetivo usurpar a consciência histórica. Toda censura a qualquer filosofia é um ato de repressão, tentativa de tornar as massas mais dóceis, úteis e acéfalas. Ao não garantir o direito constitucional à liberdade de expressão e não garantir igualmente o que consta no artigo 18 da Declaração Universal dos direitos humanos, Bolsonaro converte-se numa figura oposta ao humanismo e à civilidade, podendo ser comparado a um ditador, a um fascista.

É importante alertar a nossos liberais tão mal (in)formados que o estado de exceção se impõe contra as liberdades individuais e direitos humanos. É surpreendente que os críticos do marxismo hoje no Brasil aparentem saber pouco sobre o que seja o próprio marxismo e se baseiem em pensadores (se é que possamos usar esse nome) como Olavo, Villa, Pondé entre outros, os quais para minha modesta opinião e leitura não passam de sofistas espalhafatosos de índole intectual tendenciosa e que não se diferenciam dos juvenis membros do MBL, ou seja, gente voltada aos interesses do mercado ou mesmo de um conservadorismo de origem bandeirante e patrimonialista, que tende a cooptar uma pequena parcela de acadêmicos e formadores de opinião pouco vinculados com a realidade do povo brasileiro. Apenas Olavo de Carvalho apresenta-se como mentor de Bolsonaro, enquanto outros acadêmicos conservadores (embora não declarem este apoio) ao menos são cúmplices por disseminar distorções da teoria marxista. Tais posicionamentos são motivo de chacota e são questionados pelos leitores mais assíduos de Marx, como estudantes e professores. Num português claro são formadores de opinião com falta de trato teórico aprofundado sobre o marxismo e que revelam certos preconceitos ideológicos contra o pensamento de esquerda.

A noção de ideologia elaborada por Marx mereceria aqui ser retomada, ainda que brevemente, uma vez que representa visões de mundo, preconceitos, interpretações da realidade  e valores atrelados à classe economicamente dominante e que são facilmente difundidos e incorporados mesmo entre aqueles que são explorados ou que se encontram na condição de pobres, não excluindo a classe média decadente ou temerosa em perder o pouco que tem. A ideologia no sentido marxista expressa a introjeção das perspectivas de mundo dos mais abastados sobre aqueles que não apresentam os mesmos privilégios. Alguns exemplos seriam os anseios de muitos desempregados ou indivíduos com salários baixos que desejam privatizações, perdas de direitos trabalhistas, reformas previdenciárias, fim do SUS ou mesmo sucateamento da universidade pública, esquecendo-se que os maiores prejudicados serão eles mesmos, enquanto que as elites ou os seus patrões seriam os únicos beneficiados, mantendo a restrição ao acesso do que deveriam ser direitos universais.

O marxismo enquanto método filosófico exige também cuidado com leituras de posicionamentos distintos, pois a dialética é contradição e, por isso, representa um método distante do que vemos hoje, a avalanche de fake news e interpretações superficiais, ingênuas e toscas de textos filosóficos densos feitas por pseudo-adolescentes mal informados que produzem desinformações no formato de vídeos e memes em redes sociais. Ninguém é obrigado a concordar com Marx, mas sua eliminação nas escolas, considerando que o que se aprende sobre ele é muito pouco, é um dos passos para o estabelecimento de algo pior que certamente está por vir.

Uma sociedade tão arcaica como a brasileira na qual direitos são confundidos com privilégios censitários e estamentais, fundada e ainda influenciada pela herança escravocrata e pelo racismo mascarado ou cordial impõe sobre as massas um tipo de educação igualmente arcaico, projeto que será realizado pelo governo Bolsonaro. Quando se fala em unir o Brasil, na verdade se está afirmando a subjugação de muitos, senão de quase todos em nome da dominação de alguns poucos que obtiveram inúmeras oportunidades, entre elas educacionais, embora visivelmente mal aproveitadas, reforçando seus privilégios em que o sucesso é meramente econômico e raras vezes intelectual. Desigualdades econômicas e contradições sociais são mais facilmente aceitas pelas massas quando uma visão de mundo delirante, sobrenatural e religiosa se opõem à ciência, ao que é moderno e emancipador. O Brasil de hoje é um projeto de retrocesso civilizatório (ou projeto de incivilização) e de retorno às suas raízes mais remotas coloniais e exploratórias.

Redação

3 Comentários

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  1. Caro Nassif
    Nada mais

    Caro Nassif

    Nada mais marxista do que a direita e ultradireita, que faz de tudo para mentir sobre isso, enquanto reorganiza o Estado, para reprimir os trabalhadores.

    Em nome da liberdade, de continuarem cada vez mais ricos.

    Saudações

  2. Assistindo a série Trotski na

    Assistindo a série Trotski na NETFLIX pude observar a grande similaridade entre os argumentos da introdução da fase stalinista, combatendo o pensamento mais aberto, com a propostas que hoje vemos no governo. A semelhança é imensa, e vemos além, uma identidade de processos, com premissas diferentes, na proposta de dominação capitalista.

    É evidente que com filosofias diferentes os processos se identificam quando o objetivo é o mesmo, subjugar.

    Um único remédio é efetivo. LIVRE PENSAR. 

    1. A Netflix continua com sua

      A Netflix continua com sua orientação fortemente anticomunista,  antiárabe e antialemã, pois para ela todos lá são nazistas, ou pelo menos foram. 

      Logo no início aparece Trotsky com uma tropa de disciplinamento por fuzilamentos, todos vestidos em modelitos inspirados nos da SS.  Procurei ativamente na Internet para ver se havia fotografias de Trotsky com essas assustadoras fardas de couro (ou plástico imitando). Nada… Quase sempre ele vestia um capote, civil ou militar, bem desenxabido. Não tinha tido a sorte da SS de ter um designer de moda de alta qualidade…

      Mas a deformação do uniforme é intencional – Comunistas e nazistas são a mesma coisa, mesmo que sejam judeus…

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