Ocaso neoliberal à vista sob a ação dos caminhoneiros, por J. Carlos de Assis

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Por J. Carlos de Assis

Estava em Bonn, na  Alemanha, em 1985, quando se realizava a conferência dos sete grandes sob a irresistível liderança de Ronald Reagan e Margarett Thatcher. Ao ler o comunicado final me dei conta de que, para os líderes ocidentais, ali morria a social democracia europeia e ascendia com força o neoliberalismo. Como em conferência desse tipo, dominava a cobertura política. E os jornalistas políticos, pelo que percebi, não entenderam absolutamente nada do que estava acontecendo. Seu foco era o conflito EUA/URSS.

Talvez pelo fato de ser economista me foi mais fácil entender os códigos. Pensei comigo mesmo: isso não demora  muito a chegar ao Brasil. Chegou pela mão caótica de Collor de Mello e de sua equipe atabalhoada. Ao interregno moderado e prudente de Itamar, sucedeu um pretensioso e arrogante Fernando Henrique Cardoso, que decidiu enterrara os ganhos sociais da era Vargas. Veio então Lula, com sua política de conciliação bailando entre favorecimento  dos pobres e favorecimento a neoliberais por Palocci e Meirelles.

Com essas idas e vindas da economia política brasileira, podia-se prever, em algum momento, uma conciliação. Mas vieram Temer, Meirelles, Moreira, Padilha, Geddel. Trouxeram um pacote de medidas, pós-impeachment, denominado Ponte para o Futuro, que radicalizou as posições neoliberais. Desconheço a existência de algo parecido na história da civilização: é a completa desmontagem de políticas sociais brasileiras de sete décadas, algumas já efetivadas, como a reforma trabalhista, e outras em perspectiva, como a da Previdência.

Como  entender essa estupidez que levará necessariamente a uma reversão desse processo infame, já que só um idiota imaginaria que a sociedade toleraria essas medidas indefinidamente? De fato, bastou a ação de algumas centenas de  milhares de caminhoneiros, aliás bastante desorganizado, para pôr em cheque o regime. Notem: por trás da política dos preços do diesel está a Petrobrás, por  trás da Petrobrás está o Governo, por trás do Governo está o “mercado” – notadamente o “mercado” internacional de ações, ou o neoliberalismo.

Para atender ao “mercado” – essa entidade mítica que fala pela boca  das pitonisas da imprensa -, Pedro Parente pôs em risco o próprio regime. Ele está agarrado ao princípio de que os acionistas privados da Petrobrás tem absoluta prioridade nas decisões da empresa. Isso significa  que, sem ser vendida, a empresa já é dos privatistas. É estranho, porque, do ponto de vista formal, trata-se de companhia de economia mista sob controle estatal. Entretanto, seu presidente não responde ao Governo, mas, uma vez mais, ao que ele chama de “mercado”.

Vamos entender um pouco mais de “mercado”. Sou jornalista há mais de 40 anos e conheço os códigos também nisso. Na época em que era subeditor de Economia do JB, no fim dos anos  70, sob Paulo Henrique Amorim, jamais ouvi ou mandei que fosse ouvida a opinião de alguma analista ou operador de banco sobre política  financeira. Seguia rigorosamente o que observava John Kenneth Galbraith, um dos mais eminentes economistas do século XX: “não posso levar a sério opinião econômica de quem tem interesse próprio em jogo”.

As opiniões do “mercado” são um jogo de manipulação recíproca. O entrevistado quer tirar proveito pessoal da entrevista. E o jornalista em geral é um vagabundo ignorante, disposto a colocar no papel (ou na tela) qualquer idiotice subjetiva para agradar o editor e, através dele, o patrão. Isso fica mais evidente com a cobertura de bolsa: a interpretação pela imprensa, em geral combinada entre os jornalistas, por temor de serem dissonantes entre si, é capaz de atribuir tendência de longo prazo a fatos absolutamente fortuitos.

Agora voltemos à greve dos caminhoneiros. Tendo em vista o desastre que foi a entrevista coletiva dos ministros, ontem, duvido que algum caminhoneiro – ou melhor, algum cidadão comum – tenha entendido a proposta do Governo. É uma combinação paranóica de decisões, algumas de preço e outras de tributos -, cujo objetivo é atender, de forma simultânea, dois objetivos. Primeiro, dar o tal subsídio temporário. Segundo, compensar o subsídio com tributos. Pergunta-se: o que o caminhoneiro tem a ver com tributos?

Dizia Lenin que, nos processos históricos, a corrente se rompe pelo lado mais fraco. Os caminhoneiros não são de forma alguma grandes ideólogos revolucionários. Nem eles, nem os petroleiros. Porém, objetivamente, estão fazendo uma revolução. Não existe nisso a famosa consciência de classes dos comunistas tradicionais. É a consciência da fome. A variação do preço do diesel incide diretamente na sobrevivência deles e de suas famílias. Não é com conversa fiada de cunho neoliberal que o Governo, nessa atura à beira da queda, vai empulhar uma classe inteira.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Deus te ouça
    Pena que na tua

    Deus te ouça

    Pena que na tua equação esteja faltando outras variáveis que afetam na economia ..como a participação do JUDICIÀRIO neste golpe …Um Poder de NABABOS vitalícios, de benefícios exclusivos, um poder inalcançável, inamovível, imexível, IMPRESTÁVEL e vitalício

    Enquanto este STF não for pacificiamente DESTITUÍDO – removido mesmo – e seus substitutos assumirem com mandato definido, em igualdade de comando com os outros poderes eleitos, vai ser isso

    isso, como um dos seus membros virem a público pra jogar a responsabilidade pelos seus DESMANDOS, como o de nos fazerem leis, inventarem regras e furarem a Constituição, como sendo culpa dos outros poderes que hoje estão JOGADOS farsescamente – por uma mídia sem vergonha – a criminalidade generalizada

      https://www.conjur.com.br/2018-mai-23/lewandowski-poderes-transferiram-judiciario-questoes-relevantes

    1. “Pena que na tua equação

      “Pena que na tua equação esteja faltando outras variáveis que afetam na economia ..como a participação do JUDICIÀRIO neste golpe …Um Poder de NABABOS vitalícios, de benefícios exclusivos, um poder inalcançável, inamovível, imexível, IMPRESTÁVEL e vitalício”

      Este é um problema que tem de ser resolvido com máxima urgência ou o país estará ingovernável. Desde 2014 o judiciário assumiu m papel que não é dele e isto levou o Brasil para o buraco.

      Não podemos permitir que funcionários públicos decorebas sem noção e que só pensam no próprio bolso definam os destinos do país, inclusive encarcerando o líder de votos na disputa eleitoral sem qualquer prova de crime.

      Ou arrancamos Lula das masmorras de curitiba a força ou estes bandidos golpistas de toga darão um jeito de matá-lo lá dentro.

       

      1. obrigado, por separar os banhos do judiciário,dos do executivo.
        Pois entre os do executivo, é um sentimento de revolta, mas incapaz de mobilizar a categoria. Ainda acreditam na propagação da mentira oficial.

  2. ggn possibilita o debate

    Sou do tempo do Orkut. Foi a primeira plataforma a oferecer a possibilidade do debate publico. Foi a minha salvação que me livrou da solidão intelectual, pior na minha opinião do que a solidão fisica, esta a gente pode até adotar um cachorrinho que alivia, com a intelectual é pior, antes da internet conseguiamos certa interação com as opiniões que nos chegava atravéz da mão unica da midia televisiva e da midia impressa. De alguma forma encontravamos algum lenitivo, somos seres gregarios, nos sentimos bem em grupo é desta forma que evoluimos. Naquela época o prazer era ir as bancas no domingo de manhã buscar o jornal que saboreavamos antes do almoço dominical com a familia, e era com a familia e os amigos que de alguma forma amenizavamos com a solidão intelectual, mas é preciso admitir que aquelas conversas eram limitadas, muito inferior que a interação que possibilitou o advento do mundo digital. 

    É com a troca de informação e a possibilidade de interagir com o contraditório que a verdade se estabelece.

    O Novo Mundo surgiu.

    Diante deste renascimento da sociedade humana a unica coisa que não mudou, foi a essencia humana, continuamos o mesmo de sempre, a busca eterna de satisfação dos sentidos, o egoismo de defender o conforto proprio a custa do desconforto alheio.

    E isto não mudara a custa de decreto, nem de ideologia, nem filosofia. O ser humano alem de gregario é conservador. O futuro amedronta o passado é esquecido, o presente é a satisfação individual. Este é o ser humano.

    Todo PODER no mundo sempre levou em consideração a imperfeição humana para se estabelecer e se ´preservar.

    Manda quem pode obedece quem tem juizo.

    Noi mundo contemporaneo as pitonisas e os videntes ja não fazem o mesmo sucesso de antes.

    Existe hoje a industria cinematografica que idealiza em profusão todas possibilidades.

    Eis o futuro.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=oIBtePb-dGY%5D

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=oIBtePb-dGY%5D

     

     

  3. Neste instante chega a
    Neste instante chega a noticia de que o Parente “pediu” demissao.

    Nao subestimem o centrão. Sao2 uns estupidos, mas que debobos ao têm nada.

  4. A matéria abaixo da Economist

    A matéria abaixo da Economist dialoga com o tal ocaso neoliberal. destaco aqui alguns trechos que tratam do risco do pensamento único, da arrogância dos tecnocratas, do risco das estatísticas viciadas e do risco de se oferecer um criadouro para os ovos das serpentes do niilismo (para não dizer fascismo). Não custa nada chamar atenção que essa matéria foi publicada num dos principais veículos do establishment do pensamento liberal.

    “Their anger is justified. Proponents of globalisation, including this newspaper, must acknowledge that technocrats have made mistakes and ordinary people paid the price. The move to a flawed European currency, a technocratic scheme par excellence, led to stagnation and unemployment and is driving Europe apart. Elaborate financial instruments bamboozled regulators, crashed the world economy and ended up with taxpayer-funded bail-outs of banks, and later on, budget cuts.”

    “Liberalism depends on a belief in progress but, for many voters, progress is what happens to other people. While American GDP per person grew by 14% in 2001-15, median wages grew by only 2%. Liberals believe in the benefits of pooling sovereignty for the common good. But, as Brexit shows, when people feel they do not control their lives or share in the fruits of globalisation, they strike out. The distant, baffling, overbearing EU makes an irresistible target.”

    “When Margaret Thatcher was prime minister, amid the triumph of Soviet collapse, an aide slipped Mr Fukuyama’s essay on history into her papers. The next morning she declared herself unimpressed. Never take history for granted, she said. Never let up. For liberals today that must be the rallying cry.”

    https://www.economist.com/leaders/2016/07/02/the-politics-of-anger

  5. O neoliberalismo nunca existiu no Brasil
    O neoliberalismo é fenômeno dos EUA de Reagan e da Inglaterra de Thatcher. Foi uma reação contra o peso excessivo do estado de bem-estar social que estava prduzindo estagnação econômica. Aqui no Brasil nunca existiu um estado de bem-estar social, e por conseguinte, nunca existiu neoliberalismo – o que chamam aqui de neoliberalismo nada mais é do que a austeridade absolutamente necessária para se tirar as contas do vermelho quando se gasta mais do que se arrecada. Collor tentou isso, atabalhoadamente, e FHC fez com mais critério e conseguiu. Essa obsessão em identificar sinais do ocaso do neoliberalismo em cada crise lembra a obsessão dos primeiros cristãos de identificar sinais do fim dos tempos em cada fenômeno natural. Estão esperando até hoje. 

  6. Demissão do PPP
    PPP foi demitido ou se demitiu por vários fatores, porém, destaco dois:
    1)sua desmoralização perante à sociedade brasileira; seus parentes, literalmente falando, devem ter lhe dito:”não estamos a suportar sermos observados como entreguistas e estúpidos”.
    2) PPP e sua política louca de preços atrapalhou em definitivo seu partido o PSDB, nas eleições próximas; este partido ainda resiste porque a Rede Globo e outros setores da Grande Mídia o blindam. O Alckmin pediu sua cabeça.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador