Okja, por Walnice Nogueira Galvão

O mais recente filme de Bong Jooh-ho antes de Parasita é o divertidíssimo  e meio caricatural Okja (2017), onde se comprova a vocação do diretor.

Okja

por Walnice Nogueira Galvão

O cinema sulcoreano despontou há alguns anos entre os melhores do mundo, sucedendo  ao fastígio do iraniano e do chinês. Agora, Parasita, de Bong Joon-ho, está levando todos os prêmios, inclusive a Palma de Ouro em Cannes e vários Oscars. Mas antes disso o diretor já era campeão de bilheteria em seu país.

Foi outro filme, O hospedeiro  (2006), que o revelou. Ali, às margens do rio Han, tirando o sustento de uma barraquinha de comida, mora uma humilde família de avô, filho e neta. De repente, um monstro devorador de gente aparece e começa a fazer das suas, inclusive prejudicando essa família. Até aí, o espectador está achando que se encontra por engano vendo um filme de criança. Mas vai de susto em susto, até descobrir que o monstro é um mutante que nasceu de dejetos tóxicos lançados no rio Han pelos norteamericanos de uma base militar próxima.  Está instalada a mescla inimitável de Bong Joon-ho: crítica política e social afiada, tratamento de choque, humor negro. Surpreende o espectador a mistura de gêneros: é thriller de terror, é ficção científica, é filme de monstro, é filme de desastre ecológico, é dark comedy – e que mais? E segura tudo isso com brilho, demonstrando notável capacidade de malabarismo.

O mais recente filme de Bong Jooh-ho antes de Parasita é o divertidíssimo  e meio caricatural Okja (2017), onde se comprova a vocação do diretor. Novamente os culpados são os americanos com sua cobiça e  seus subservientes aliados. Uma multinacional de alimentos nos Estados Unidos arquiteta uma vasta fraude ao anunciar que descobriu uma raça especial de superleitões, com exemplares criados em várias partes do mundo. Tudo para incrementar essa  praga que é a exploração industrial da carne, que está ajudando a devastar o planeta. E é mentira: trata-se de um transgênico, oriundo de laboratório.

Um deles, ou uma delas, que atende pelo nome de Okja, vive num remoto lugar no alto de uma montanha na Coréia do Sul. Seus criadores, paupérrimos, são avô e neta. O avô é interesseiro, enquanto a neta – que faz lembrar Malala e Greta Thunberg – se apega a Okja, que já está do tamanho de um hipopótamo gigante. Mas é mansa e se afeiçoa facilmente. A menina brinca com ela, dorme aninhada em seu dorso, dá-lhe banho e frutas na boca, coça-a com uma “mãozinha chinesa”. Tudo isso é mostrado em cores saturadas, bem idílicas, como se fosse o Jardim do Éden. Um dia sequestram o animal, destinado a uma feira de apresentação do Projeto Superleitão em Nova York (é claro!). A menina então decide ir buscá-la – como todo heroi em sua demanda. 

Entra em cena um grupo de militantes ambientalistas, todos adolescentes, desses que efetuam ações-relâmpago de protesto. Pintam grafites e usam máscaras de esqui, mas são pacifistas e não ferem ninguém. Agora vão intervir e denunciar a grande farsa dos superleitões, ajudando a menina.

Entre mil peripécias vertiginosas, chegamos aos Estados Unidos e ao desfile em Nova York, igual a todos os desfiles nos Estados Unidos no mau gosto e na tolice. Num campo de concentração  com cercas eletrificadas, os superleitões são encaminhados para o abate e para a linha de produção de sua carne, mostrada em sangrentos detalhes. A paleta saturada do idílio na montanha é substituída por matizes sombrios, com ausência de cor. Nas ruas, os militantes são perseguidos, espancados e presos. Mas a heroína consegue encontrar e salvar Okja, no último minuto, voltando ambas para a edênica vida que antes levavam.

Mais uma cena, e vemos o líder dos militantes saindo da prisão, tempos depois. Ele é recebido por sua turma, todos entram num veículo, envergam suas máscaras negras e partem para outra missão. Tilda Swinton faz uma tremenda vilã, a proprietária da multinacional. Paul Dano vive o líder dos militantes, que dão apoio total à menina. Ambos, ótimos atores de longa data.

O filme termina com duas notas de esperança. A primeira: a menina salva do campo de concentração e leva consigo para criar um filhote recém-nascido. A segunda: o jovem motorista do caminhão da multinacional adere aos ambientalistas na última cena e vai participar da nova missão. 

Não perca: tem na Netflix.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

Walnice Nogueira Galvão

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