Olavistas, generais e golpistas, por Aldo Fornazieri

Olavistas, generais e golpistas

por Aldo Fornazieri

Desde Sun Tzu, praticamente todos os estrategistas sustentam a tese de que conhecer o inimigo é condição fundamental para a vitória nas batalhas. Esta tese militar, em geral, vale também para as batalhas políticas. Quem estudou Maquiavel e Klausewitz, mas também Mao e Lênin, sabe que existe um intercâmbio entre as categorias da estratégia militar com as categorias da estratégia política. Daí que tanto a afirmação de que “a guerra é a continuidade da política por outros meios” é verdadeira, assim como a afirmação inversa, a de que “a política é a continuidade da guerra por outros meios”.

Todos os líderes prudentes são capazes de prever e de predizer os acontecimentos futuros. Para isso, uma das condições fundamentais consiste em saber ler as circunstâncias e as conjunturas, o que engloba também conhecer os inimigos. É esta capacidade que, em boa medida, as lideranças políticas de esquerda e de centro perderam, assim como os analistas da mídia. Por isso, é necessário fazer um esforço para destrinchar melhor o bolsonarismo.

O bolsonarismo se compõe de vários grupos e subgrupos. Não se trata aqui de fazer o inventário desses grupos, embora este seja um trabalho necessário. Indica-se apenas as linhas de força que influenciam o governo. A rigor, são três: os olavistas, os generais e os golpistas.

  1. Os olavistas. São os seguidores de Olavo de Carvalho, foram alunos dos seus cursos e rezam pela sua cartilha. Os olavistas se definem como liberais-conservadores, o que, resumidamente, significa as seguintes coisas: conservadorismo nos valores, liberdade radical na economia (neoliberalismo) e liberdade política com referência ao ultraliberalismo individualista norte-americano e uma forte referência à Quinta Emenda. Daí a liberdade de criticar, ofender, de se armar etc..

Existe uma questão mais de fundo no olavismo, que o vincula à chamada nova direita. Questão que vem sendo formulada desde a década de 1980, nos Estados Unidos. Trata-se da ideia de que o Ocidente está em declínio e de que a China vai se tornar a maior potência do século XXI. A nova direita definiu uma estratégia para enfrentar o declínio do Ocidente e o avanço da China: contra a globalização, valorização do nacionalismo, dos valores conservadores da família, da propriedade, do individualismo e de Deus. Bolsonaro segue esta cartilha e esta cartilha, com este discurso, faz pontes com os neopentecostais, transformados em espada dessa contrarrevolução conservadora.

Os olavistas se articulam em duas estruturas: uma é o chamado gabinete do ódio, grupo de assessores que atua dentro do Palácio do Planalto e, outra, os que atuam nas redes sociais, que são uma espécie de cavalaria ligeira de ataque, disseminação das fake News e das ideias do bolsonarismo. Os olavistas são contra o golpe militar, defendem a democracia e a liberdade e, dia sim e outro também, Olavo ataca generais do governo. Sabem que se houvesse um golpe, perderiam influência.

Os olavistas dizem que o artigo 142 da Constituição não se aplica, pois se refere apenas a situações de segurança pública. Defendem um governo civil, se dizem antissistema e pregam uma revolução conservadora. Entendem que Bolsonaro deve confrontar o STF, pois existiria uma ditadura do Judiciário no Brasil, fruto da aprovação da Emenda Constitucional 45. Sustentam que há uma crise institucional que confronta o Executivo e o Judiciário e que não há um poder mediador neste conflito. Assim, Bolsonaro, como detentor da força, precisa decidir e encaminhar uma saída. Depois da decisão de Bolsonaro, poder-se-ia convocar um plebiscito ou uma reforma constitucional.

Os olavistas utilizam a astuciosa estratégica de criação de inimigos imaginários, tão conhecida dos movimentos autoritários, para arregimentar, doutrinar e disciplinar suas tropas. Para eles, os grandes inimigos são o Foro de São Paulo e o comunismo, dois entes que, a rigor, não existem. Dentro desses entes colocam todas as esquerdas, a grande mídia e até alguns generais. Atacam mais o Foro de São Paulo e o comunismo do que o PT e o PSol.

  1. Os generais. Telegraficamente, há que se dizer o seguinte: após a redemocratização, as Forças Armadas enfatizaram mais a preparação profissional e o afastamento da política. Mas caíram na “armadilha Bolsonaro” por dois motivos: 1) por interesse, pois foram beneficiados na reforma da previdência e nos reajustes do alto oficialato e, ao ocuparem cargos, aumentam seus ganhos; 2) oportunidade de reescrever a história, pois acreditavam que eles tutelariam Bolsonoro e que era possível fazer um governo competente com ele no âmbito dos parâmetros democráticos. Com milhares de mortes na pandemia, com o colapso da economia, com a destruição de instituições públicas e com a desmoralização de Bolsonaro no mundo, os militares estão sendo arrastados para a perda de credibilidade.

A grande maioria dos generais e dos comandos das Forças Armadas não quer o golpe. Sabem que o mundo não comporta isto, que ingressariam numa aventura, que dividiriam as Forças Armadas e que não seriam anistiados. Entendem também que o STF extrapola as suas funções com uma ingerência excessiva na política e nas decisões do Executivo. Entre os generais que estão no governo existem duas linhas. Uma alinhada ao general Heleno, mais radical, mais saudosista e que agrega mais os contingentes da reserva. A outra, constituída pelos generais Ramos, Azevedo e Silva, Braga Neto e Mourão, que se vincula à maioria do Estado Maior. Querem, claro, que Bolsonaro se modere, termine o seu mandato com êxito e que tenha chances nas eleições. Para isso, buscam uma aliança com o centrão e veem os olavistas como um estorvo.

  1. Os golpistas. A base eleitoral e militante do bolsonarismo, de modo geral, é golpista. Prega uma intervenção militar, o fechamento do Congresso e do STF e um poder discricionário para Bolsonaro. Invocam a aplicação do artigo 142. Essa base vem se radicalizando. É constituída por eleitores dispersos, mas também por grupos organizados, por ex-militares, por setores das polícias militares, por milicianos, por pequenos comerciantes e empresários e por setores ruralistas. Não tem uma presença direta dentro do governo, mas nem por isto significa que deixa de ser uma linha de força e de influência sobre o governo. Não são controlados nem por Bolsonaro, nem pelos olavistas e nem pelos generais. E nisto há o risco do descontrole, do caos, dos conflitos de rua e da convulsão.

Neste ponto, é preciso analisar a conduta da família Bolsonaro. O presidente e Eduardo Bolsonaro oscilam entre as três linhas de força. Deixam-se influenciar ideológica e politicamente pelo olavismo, o presidente se acautela pela pressão dos generais e os dois trafegam para o golpismo, pois este se expressa mais no calor dos atos, das carreatas e da ocupação das ruas. Os dois parecem ter uma personalidade instável, muito suscetível a pressões. Não têm um atributo fundamental ao grande líder: o autocontrole. Os dois são o principal fator das crises e da instabilidade do governo. Bolsonaro é um presidente fraco e nesse momento em que seu isolamento cresce, mais tende a recorrer aos militares. Eduardo Bolsonaro se dá uma importância muito maior à do que realmente tem. Ele prevê para si mesmo um futuro grandioso.

Carlos Bolsonaro vestiu o figurino do homem das sombras, da eminência parda do poder e do próprio pai-presidente. O seu caráter reservado não permite que se diga muita coisa sobre ele. Mas ele parece ter mais afinidade com a linha de força olavista. Se apoia ou não um golpe, é difícil dizer. O cero é que também apoia um confronto com o STF e com o Congresso. Parece professar a visão antissistêmica do olavismo e do chamado gabinete do ódio.

O que se pode concluir disso é que o golpe militar não é uma possibilidade imediata, nem provável, mas remota. E nisso, a estratégia das esquerdas está errada. O governo também não é fascista, embora existam alguns fascistas no governo e muitos no bolsonarismo. O STF está certo em apertar o torniquete no bolsonarismo para contê-lo. Mas não se deve esperar do STF ou do TSE uma atitude para tirar Bolsonaro da presidência.

O impeachment neste momento não é factível, embora desejável: em que pese a crescente rejeição, Bolsonaro conserva pouco mais de 30% de apoio e o centro e as esquerdas não estão muito à vontade para avançar o sinal do impedimento. Contudo, o agravamento da crise econômica, que parece inevitável, poderá jogar as pessoas nas ruas pelo impeachment. O Congresso vem se mostrando covarde: terceiriza a tarefa de conter e de apertar Bolsonaro e o bolsonarismo para o STF. No mínimo, o Congresso deveria cumprir seu papel cassando o mandato de alguns parlamentares bolsonaristas que feriram o decorro parlamentar.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

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  • Em suma, nos vamos ter que suportar o bolsonarismo até as eleições de 22 e as esquerdas ainda correm o sério risco de perder essas eleições se não para Bolsonaro mesmo, algum similiar ?! Acho que o Pais não tem condições de suportar nem mais seis meses desse bando de alucinados! Tem que ser impugnado.

  • Considero a análise do Professor Fornazieri muito precisa, isenta de partidarismo, ainda que sintética. É uma leitura importante e que o Professor Fornazieri deveria numa outra oportunidade alongar-se mais.

  • Como de hábito, uma análise densa e precisa do professor Aldo Fornazieri. No entanto creio que há um elemento que ficou de fora quando se mencionam os componentes do bolsonarismo. Além dos três grupos citados, uma parcela importante do bolsonarismo são os setores empresariais, que majoritariamente se alinham com o governo. Estes, mesmo que eventualmente desconfiem das barbaridades do governo e visualizem até mesmo suas conexões criminosas, estão encantados com a agenda neoliberal austericida de Guedes. E, num país de matriz cultural escravista, sempre tiveram dificuldades de aceitar os direitos sociais e políticos dos setores subalternos, assim como a democracia. Este apoio empresarial, que vai dos grandes grupos até o que Andrè Gunder Frank chamava de lumpem burguesia, está fortemente alinhado com o governo.

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