Onda conservadora ou mais um espantalho?, por Gunter Zibell

Por Gunter Zibell

Eu sou um tanto cético (ou desassombrado?) em relação à suposta Onda Conservadora. Pelo menos no campo de comportamento, pois em relação a Estado Penal há, sim, alguma resistência a reformas.

O que vimos de deletério até o momento, afora a ruindade do debate, é o abandono de alguns programas nos ministérios da saúde e educação, abandono de PLs que permitiriam a inclusão LGBT e o abandono da ansiada inclusão de “ideologia do gênero” (acho que podemos usar o termo ressignificado a nosso favor) nos PMEs (Planos Municipais de Educação). Ideias como plebiscito (solução não ideal mas menos pior que a negação) para aborto ou maconha não prosperam. Isso tudo é ruim, evidente.

Houve também o trâmite da redução da maioridade penal, que é um caso à parte por contar com o apoio de 80 ou 90% da população, após os 3 níveis de governo se demonstrarem incapazes de dar respostas a uma sociedade que apoiou – quase sem questionar – o ECA em 1990, mas que está ansiosa com a continuidade de elevadíssima violência urbana, mesmo após melhorias em indicadores sociais.

Mas é difícil dizer que houve muito retrocesso porque até agora nenhum desses PLs espúrios [ a) estímulo ao estupro; b) usurpação de terras indígenas; c) estimulo ao armamentismo de civis; d) tratar movimentos sociais como terrorismo; e) negar a LGBTs a condição de família ] foi transformado em lei.

E talvez nenhum venha a ser. Aprovação em Comissões formadas pela lógica fisiológica são para os deputados se valorizarem: ou mostrando serviço para suas bases (com o discurso de medo do fim da família) ou se mostrando como “à venda” no mercado de constituição ou não de CPIs.

Às vezes nem há a votação em Plenário, pois isto obriga os deputados não comprometidos com essas ideias toscas a se manifestar. O que prejudicaria sua reeleição. Depois há o Senado (e não podemos chamar de reaça um Senado que aprovou quase unanimemente Cotas Raciais em UNIs e a PEC das Domésticas.) Se ainda assim algo tolo virar lei, qualquer partido pode pedir uma ADIN e obter a declaração de Inconstitucionalidade no STF, que não é conservador moral, ao contrário. Até ministros indicados mais no passado ou alinhados a pensamento econômico conservador são frequentemente vistos apoiando Casamento Gay, descriminalização da maconha, Células-Tronco, etc.

E para definir uma “Onda de algo” esta precisa do apoio da Opinião Pública. Seus grandes componentes são Organizações de Classe, Academia e Mídia. Onde vemos articulistas ou colunistas falando a favor de iniciativas cunháticas ou de bancada BBB? Não tem.

No Brasil de 2015 (quase) não há um jornalista capaz de ir à TV ou a uma revista semanal, dizer que gays não devem poder adotar. Ou dizer que mulher vítima de estupro não deve poder abortar. Nenhum jornalão fará editorial a respeito. Mesmo passar demarcação de terras da FUNAI para o Congresso é difícil de se argumentar racionalmente.

Mas juízes, cientistas, artistas, jornalistas e intelectuais são a elite do pensamento. O que pensa a população? É questão de fazer pesquisa. Mas para a maioria dos temas propostos para o retrocesso, provavelmente um referendo daria uma opinião média mais avançada que da bancada BBB. Principalmente são mais “liberais” os estratos mais escolarizados da população, a classe média em geral, que apresentam pequeno percentual de pertencimento a doutrinas antissecularistas.

[Atrapalha a alguns discursos políticos, mas em geral “coxinhas” são menos conservadores morais do que “vulneráveis”.]

Há uma manipulação feita pela bancada BBB. E parcelas da população são responsáveis por sua eleição. Mas isso é 10 a 20% da população. E o Capital, poder importante pela sua capacidade de patrocinar ideários, o que diz disso? Ver a legislação de vários estados dos EUA, amplamente emulados por nossa CM, pode ser esclarecedor.

Tirando esses deputados da bancada BBB não existe realmente nenhum grande estímulo a Onda Conservadora no Brasil. Nem a principal igreja, a ICAR, através da CNBB ou não, estimula nada disso (ao contrário, é das poucas vozes contra a redução da Maioridade Penal.)

Um caminho para acabar com esse teatro pode ser o contrário do que está sendo feito. Deputados comprometidos com DHs, como Wyllys-PSoL e Molon-Rede fazem excelente trabalho de esclarecimento no Congresso. Mas isto está dando resultado? Uma atitude lógica não dá certo quando nos defrontamos com pessoas não-lógicas (que defendem o discurso BBB.)

Será que ao invés de tentarmos impedir que esses PLs sejam aprovados em comissões, não seria produtivo exacerbar a discussão e a Sociedade Civil estimular que tais PLs fossem votados nominalmente em Plenário?

Vamos deixar a sociedade saber, antes da eleição de 2018, que políticos são contrários a que gays adotem ou que índios tenham terras; e que são favoráveis a que mulheres sejam estupradas e que os vizinhos se armem.

E vamos perguntar também aos candidatos a Executivo o que pensam disso tudo. Eles não podem definir leis, sabemos disso ser tarefa do Legislativo. Mas “à moda Obama” podem influenciar a Opinião Pública.

Personalidades como Aécio, Marina, Alckmin, Lula, Ciro, Serra, Paes, etc deveriam, na minha opinião, ser constantemente questionados sobre o que pensam a respeito dos temas citados (e outros.)

Está muito cômodo pra eles deixarem tudo cair nas costas de suposta “Onda Conservadora”. 

Espantalho esse muito conveniente, isso sim… 

 

Redação

10 Comentários

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  1. Gunther, querido, refletindo com você

    Os processos históricos e sociais são demorados, não são?

    Em uns países mais em outros, menos. Mas são.

    O que fazer, como cidadãos?

    Aqui na cidade do interior de Minas onde vivo (desde quase a última vez que nos encontramos em SP, no encontro com Nassif), a igreja católica é predominante. Discutir, ou melhor, ouvir o que pensam as pessoas sobre esses 2 temas, citados por você, já se torna uma tarefa hercúlea… há ou não há uma onda conservadora, independentemente dos políticos da bancada chamada BBB? Há.. 

    Então, qual seria o próximo passo a darmos como cidadãos?

    1. Olá Odonir, tudo bem?

      Então, eu acho que temos que subdividir algumas coisas e não querer pôr sob um guarda-chuva de “conservadorismo”.

      Penso que há um crescente e real movimento de insatisfação com excessos de Estado. Isso leva a uma postura mais social-liberal de classes médias, para questões como Economia e Gestão, o que para alguns é visto como conservadorismo (para mim não é.)

      Também há realmente uma insatisfação com os resultados das políticas de segurança pública. A sociedade apostou num caminho, não teve resultados esperados, agora se dispõe a aceitar recuos como a redução da Maioridade Penal. E o faz por uma espécie de preguiça mental do consciente coletivo, porque não há ganhadores com o caminho que será adotado (ser mais punitivo ao invés de preventivo.)

      Mas em relação a comportamentos individuais não vejo conservadorismo crescendo na fala das pessoas, ao contrário.

       

  2. Nas eleições você acusou a

    Nas eleições você acusou a campanha do PT de ser conservadora e disse que Marina era laica. Agora livra a cara do congresso mais conservador que já se viu. É pra chamar a atenção ou é caso de internação?

  3. veja isso:

    “Pesquisa” “Em pesquisa da PUC do Rio Grande do Sul, quase um terço dos 1500 entrevistados com idade entre 18 e 34 anos,se declarou homossexual ou bi. Também um terço disse ser ateu. Outros dados serão divulgados em uma reportagem sobre o jovem brasileirono Fantástico” ( * )
    ( * ) nota em coluna de Ancelmo Góes, Jornal do Commercio, caderno Brasil, p. 9, 30.ou.2015. ( * *)
    ( * *) – Sempre questionáveis são pesquisas de todo o tipo, até mesmo em revistas científicas, ou tidas como tais. Uma amostra deliciosa é descrita no livro “Imposturas Intelectuais” )

  4. contraponto

    Vamos ver se eu entendi direito:

    “Mas é difícil dizer que houve muito retrocesso porque até agora nenhum desses PLs espúrios [ a) estímulo ao estupro; b) usurpação de terras indígenas; c) estimulo ao armamentismo de civis; d) tratar movimentos sociais como terrorismo; e) negar a LGBTs a condição de família ] foi transformado em lei.

    E talvez nenhum venha a ser.”

    Em vez de termos projetos de lei avançando, com a possibilidade de que algum ou alguns passem, temos projetos de lei retrocendendo com possibilidade de que algum ou alguns passem. E isso não é retrocesso?

    Baseado em quê? Na confiança de que os projetos não vão passar?

    Mas não deveríamos estar tentando passar avanços em vez de tentando barrar retrocessos? Como é que isso não significa que há uma onda conservadora?

    Enfim, não quero desmerecer a opinião do missivista. É como ele pensa e tem todo o direito de fazê-lo. Só deixei este comentário para colocar um contraponto.

  5. A Opinião Publicada

    Penso que o posicionamento da maioria da população se dá em consonância com a “opinião publicada”… e massificada e repetida e martelada incessantemente por esse cartel que se apropriou da Comunicação Social como uma capitania hereditária.

    Este é o problema que está na raiz de toda a crise política hoje instalada no Brasil.  Vivemos uma torre de babel, porque aqueles que detêm a função essencial de informar estão semeando boatos, mentindo, distorcendo, provocando confusão e cizânia.  A sociedade perde, assim, os referenciais de realidade ou assume falsos referenciais a partir de factoides e mentiras difundidas em grande escala, a milhões de pessoas.

    Não pode haver debate democrático onde não se estabelecem os marcos da verdade.  E não há imprensa e informação onde não se respeita minimamente a verdade factual, como acontece no Brasil de hoje.

    Estamos em guerra, porque a verdade já morreu assassinada pelos barões da mídia e seus lacaios.

  6. Muito interessante a abordagem.

    Me parece que Dilma deu um tiro no peito do fisiologismo de coalisão.

    (É verdade que este tiro acertou o pé do próprio governo – talvez a perna, talvez na femural? O futuro dirá.)

    Os fisiologistas, chamados aqui BBB, saíram do armário a defender bandeiras minoritárias e que andavam escanteadas em tempos de voo de cruzeiro do “Governo de Coalisão”, fazendo bonito para seus currais e colocando o governo em desgaste profundo com sua base eleitoral.

    Desgaste produto tanto por não conseguir estancar esses debates retrógrados, quanto por ter de vir a público se posicionar forte contra temas polêmicos como esses. Como foi muito bem apontado no texto.

    Uma reação do conservadorismo era inevitável, e ela se dá sobretudo através da mídia e dos “ratodutos” regimentais de comissões, votações, quóruns do congresso etc.

    Como ponderou Ruy Acquaviva, acho que há um retrocesso, mas a tal onda conservadora talvez seja mesmo um tigre de papel, como lider de um novo gradiente histórico para o Brasil.

    E me parece que essa “onda” tem  juntado ao redor destes temas pessoas progressistas que estavam separadas e até mesmo brigadas desde que o PT virou governo. 

    Mulheres e homens de bem temos de nos reorganizar para um novo funcionamento democrático da nossa República e enterrarmos de vez os ranços patriarcais colonialistas entranhados no poder do país!

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