Os Panteras Negras no Sesc – I, por Walnice Nogueira Galvão

Os Panteras Negras no Sesc – I

por Walnice Nogueira Galvão

O Sesc Pinheiros abriga no momento estupenda exposição dedicada aos Panteras Negras, ou Black Panthers, uma organização, e das mais radicais, do Black Power que vicejou nos Estados Unidos nas décadas de 60 e 70. Sua sede era em Oakland, California, e 1966 o ano da fundação

Power to the people foi o lema que escolheram, o que sugere que se irmanavam a todos os oprimidos, de qualquer cor. Criaram um partido, exaltavam o Poder Negro e se distinguiram  por gerar impacto visual. Vestiam-se de preto, em estilo militar, com boinas e cinturões, usavam barba e cabelão afro – invenção da época. Inventaram também o cumprimento  só para iniciados, em três fases, com baque de punho fechado, entrelaçamento de polegares e só então o aperto de mãos propriamente dito. Até hoje esse cumprimento é usado no mundo inteiro. Não só vigora no hip-hop, no rap, nas periferias pelo planeta afora, como também foi incorporado pelas lutas anti-apartheid na África do Sul, onde sua prática é normal. A saudação se fazia de braço erguido e punho cerrado. Foram anos gloriosos que geraram coisas importantes, em matéria de reivindicações e de símbolos. Andavam armados, como a Constituição americana faculta, e gostavam de se deixar fotografar empunhando fuzis.

O Partido dava assistência à comunidade, fornecendo comida gratuita aos necessitados  e ensino em escolas especiais para crianças de cor. Também dava treinamento militar.

Compreenderam que o visual era importante para a difusão da causa, como vemos  nesta exposição. O foco é o jornal The Black Panther, cujo ilustrador foi Emory Douglas, igualmente  ministro da Cultura do Partido. O estilo é bem dos anos 60: pop, imitando histórias em quadrinhos, com traços grossos e cores primárias. Exibem-se muitos exemplares, uns em vitrines, outros nas paredes, alguns em ampliações imensas coladas aos muros.  Para angariar fundos destinados à defesa dos réus nos tribunais, o jornal era vendido, as ilustrações originando belos cartazes e cartões postais. Tinham também uma banda oficial, The Lumpen.

Não tinham nada do “Uncle Tom” subserviente aos brancos e se destacaram por uma nova conduta: arrogante, desaforada, sem medo.  Espelhavam-se nos modos do campeão de boxe Muhammad Ali, um dos ícones da época, que invectivava os brancos quando no ringue, proclamando que era belo, poderoso, invencível. Esse novo negro assustou muito os brancos, mesmo os bem-pensantes.

A repressão caiu-lhes em cima com a maior ferocidade. O FBI de J. Edgar Hoover encarregou-se de prendê-los, matá-los, bombardear suas sedes, até extingui-los por completo.

O boicote foi amplo e profundo. Stephen Shames, fotógrafo que é historiador do movimento, não encontrou editora e levou quase meio século para publicar esse material, no livro Power to the people: The world of the Black Panthers (2016). Algumas de suas fotos enriquecem a exposição.

Seria de esperar que a mostra fosse norte-americana, mas qual! … vem da Colômbia, e seu curador é o colombiano Juan Pablo Fajardo, do coletivo Silueta. Além da competente pesquisa, o curador entrevistou o artista gráfico Emory Douglas para o catálogo – este, maravilhoso, imitando o formato, o papel ordinário e as cores da revista. Infelizmente, de tiragem minúscula, esgotou-se nos primeiros dias e não foi reeditado.

Havia brasileiros atentos a eles, apesar da feroz ditadura que grassava por aqui. Abdias do Nascimento, militante de vida inteira,  pintou em 1969 um quadro intitulado: “Liberdade para Huey – Omolu Azul no. 3”. Zózimo Bulbul fez um filme de curta-metragem intitulado “Alma no olho”, inspirado pela leitura do livro de Eldridge Cleaver Soul on ice. O Teatro Oficina encenou Poder negro (The Dutchman), de LeRoy Jones, em 1968, que a censura proibiu. Entre outras sintonias, o manual de guerrilha urbana de Marighella foi por eles difundido.

Emory Douglas, já entrado em anos, deu-nos a honra de vir em pessoa a São Paulo para a inauguração, fez uma palestra, procedeu a uma análise do movimento e comentou os itens da mostra. É uma exposição para falar de perto a um país que preza sua diversidade étnica.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

 

Walnice Nogueira Galvão

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