Os Panteras Negras no Sesc – III, por Walnice Nogueira Galvão

Os Panteras Negras no Sesc – III

por Walnice Nogueira Galvão

Os Panteras Negras representaram a fração mais radical e mais extremista do tsunami da reivindicação negra que então se levantou nos Estados Unidos. Mas havia outras vertentes, e da maior relevância.

Uma delas foi o movimento pelo registro eleitoral dos negros do Sul, que não votavam. A campanha veio do Norte, trazida por estudantes universitários brancos, os Freedom Riders, que viajavam de ônibus e enfrentaram todo tipo de brutalidade. Alguns lá deixaram a vida.

Tiveram forte papel em tudo isso as igrejas protestantes, foco de coesão da população negra: Martin Luther King era pastor de uma delas. Defensor da não-violência, ganharia o prêmio Nobel da Paz e morreria assassinado por um branco.

Outra campanha implicou em transgredir as linhas de segregação em ônibus, restaurantes e escolas. O boicote dos ônibus começou quando Rosa Parks se recusou a ceder seu assento a um branco, em Montgomery (Alabama). Claro que a polícia a prendeu, mas foi um primeiro passo.

Um dia, quatro jovens negros entraram numa lanchonete em Greensboro (North Carolina) e sentaram-se nas banquetas, exigindo o direito de ser servidos. A partir daí, as jornadas de sit-in  alastraram-se pelo país. Hoje, há estátuas dos quatro na cidade. As banquetas estão em Washington na Smithsonian, o museu dedicado à história dos Estados Unidos.

A integração das escolas, ou seja, a reivindicação do direito de estudar em estabelecimentos até então exclusivos dos brancos, foi outro passo crucial. Restaram fotos inesquecíveis, como a de Ruby Bridges em Nova Orleans (Louisiana), aos seis anos, de trancinhas e meias brancas, toda arrumadinha para seu primeiro dia de aula, acossada por brancos truculentos urrando e ameaçando. O evento foi imortalizado numa pintura, hoje na Casa Branc, do famoso cronista das coisas americanas, o ilustrador Norman Rockwell.

Outra linha foi aquela que abraçou a violência, os chamados “muçulmanos negros”, que criaram uma versão própria do islamismo invertendo as religiões dos brancos: Deus é negro e o Diabo é branco, os negros eram a civilização dominante mas os brancos usurparam o poder etc.. Essa linha produziu um grande líder, Malcolm X, que também tombaria assassinado. Sua autobiografia de 1965, na qual analisa e interpreta a própria trajetória, é um dos livros básicos do Black Power. Spíke Lee dedicou-lhe um filme. Muçulmano negro foi o pugilista Muhammad Ali, nome que escolheu e que espelhava suas convicções.

Quando se fala em fotos, outra inesquecível é a de Tommie Smith e John Carlos no pódio da prova de 200 m rasos na Olimpíada do México, em 1968, com o punho cerrado erguido na saudação Black Power. E não podemos deixar de lembrar James Brown, notável músico, que compôs e divulgou pessoalmente em turnês pelo país todo, fazendo seu público cantar com ele, o estribilho: Say it aloud: I´m black and I´m proud.

Entre tantos militantes extraordinários, destaca-se o perfil luminoso de Angela Davis, que estudou em Paris, foi do Partido Comunista e aluna dileta de Herbert Marcuse nos Estados Unidos.

Atribuem-lhe participação tardia nos Panteras Negras. Foi implicada num atentado num tribunal para libertar um militante negro que estava sendo julgado. Houve reféns, sequestro e mortes, o escândalo foi grande e ela passaria uns tempos foragida até ser presa. Mais tarde, em seu próprio julgamento, seria absolvida por falta de provas. O período que passou na prisão levou-a a dedicar-se à causa da reforma carcerária, denunciando condições desumanas, nesse viveiro de criminosos que privilegia os negros em desproporção ao total da população.

A Universidade de Berkeley, um dos focos dos movimentos libertários,  queria contratar essa grande intelectual comunista e feminista,  mas a administração vetou-a, apoiada pelo governador Ronald Reagan. Por essa ocasião, Marcuse defendeu-a publicamente num comício em Berkeley. Contribuindo para sua defesa, fizeram canções para ela tanto John Lennon/Yoko Ono (Angela) quanto os Rollingstones (Angie).

Para todos os eventos aqui evocados, afora os livros, há registro em vários filmes de ficção e documentários: é só procurar.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH-USP

 
Walnice Nogueira Galvão

2 Comentários

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  1. Descobriram agora?

    Panteras Negras pela Autodefesa (é preciso dar o seu nome por inteiro) foram “descobertos” agora? O mesmo pode se dizer sobre a “descoberta” de Angela Davis.

    A “fração mais radical e mais extremista” (palavras da emérita – sem o currículo, seu texto não tem autoridade, mas é bem ruim, recortado, a propósito) tinha programas de café da manhã e de serviços de saúde para crianças e mulheres. E eles nada mais faziam do que aplicar o direito constitucional de andarem armados para se defenderem de violência racista.

    Ah, é numa exposição. Muito middle class. Tá no mesmo nível do Che estampado numa camiseta. Na verdade, já tem uma molecada na USP usando camiseta dos Black Panthers (em inglês, por favor).

    A armadilha do texto é que começa falando dos Panteras Negras pela Autodefesa como radicais e colocando uma série de demonstrações e atos individuais e pacíficos (um ato falho de quem se horroriza com atos de autodefesa que se parecem – e só parecem! – com atos de violência policial/ institucional?) ou mesmo colocando Angela Davis como aluna de Marcuse (identificação com autoridade intelectual e projeção da autora)

    Estamos no meio de um golpe de Estado e não parece lá muito inspirador, mesmo que estejamos dentro e constituindo a História, o tempo todo. Para onde vamos? Ah, para a exposição.

    Atualmente, o prédio da Reitoria da USP está cercada de grades. Nela, a entrada de funcionários tem dois portões de ferro, igual a uma prisão. E os professores da FFLCH elegeram como sua diretora uma ex-pró-reitora que apoiou o atual reitor, que está fazendo barbaridades na administração daquela universidade, uma conservadora que não se assume e interessada nas “elites cultas” do país.  Notícias? Poucas, quase nenhuma. Quer dizer, nem na “própria casa” o serviço é bem feito.

    A emérita precisa aprender o que julga saber ensinar. Pois há ruas onde ela não transita.

     

     

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