Para que não retornem as execuções sumárias, por Haroldo Lima

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Foto: Arquivo Nacional/ Correio da Manhã

Por Haroldo Lima 

Para que não retornem as execuções sumárias

O documento da Central de Inteligência Americana, CIA, revelado a 10 de maio passado, mostra que a matança havida no Brasil de opositores do regime militar, na época da ditadura, era autorizada e comandada. 

O documento, de autoria do diretor da CIA Willian Colby é de 11 de abril de 1974. Foi dirigido a Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA. Ele conta que duas semanas após a posse do general Ernesto Geisel na Presidência da República, este se reuniu com os generais João Baptista Figueiredo, então chefe do Serviço Nacional de Informações, e que viria a ser o próximo presidente da República, Milton Tavares de Souza, comandante do Centro de Informações do Exército, e Confúcio Avelino, do mesmo órgão.  

Nessa reunião, o presidente foi indagado se haveria a “continuidade” da política de execuções sumárias de opositores do regime, pela qual cerca de 104 pessoas tinham sido assassinadas no ano anterior, no governo Médici. Geisel pediu um tempo e depois respondeu: “a política deve continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados” e cada execução deve ser autorizada pelo chefe do SNI, o general Figueiredo. No governo de Geisel, 89 assassinatos políticos ocorreram. 

A revelação da CIA não é uma novidade, mas ao trazer à luz a verdade escondida e negada, revolve-se uma chaga não cicatrizada no coração dos brasileiros. 

Os jovens destemidos que foram para a Guerrilha do Araguaia para trazer de volta a liberdade para o Brasil não foram mortos em combate, em sua maioria, mas assassinados depois de presos. Diversos deles eram do Partido Comunista do Brasil e para lá foram, largando família, profissão, tranquilidade, para não largar os ideais de uma Pátria livre da tirania. Outros eram moradores locais que também foram trucidados. 

No mesmo período, com a autorização do general Geisel, uma organização que não se confrontou com a ditadura, que era o Partido Comunista Brasileiro, teve diversos de seus dirigentes mortos sumariamente.

No episódio conhecido como Chacina da Lapa, houve assassinatos frios. Dos que lá estavam só restam vivos eu, o Aldo Arantes e o Wladimir Pomar. 

Todos sabíamos que na casa não havia armas, nossa defesa estava na clandestinidade absoluta. O elemento que fez a delação premiada sabia disso. A casa foi cercada completamente, não havia qualquer chance de fuga para os que lá estavam. Invadir a casa e prender todos, ou dar um ultimato para que se rendessem, seria comportamento normal a ser seguido, se a orientação fosse a de prender a direção do PCdoB. Mas a decisão era de matar, liquidar. Como agora a CIA confirma. 

E assim foram mortos Pedro Pomar e Ângelo Arroio, debaixo de uma saraivada de balas.

E o general Dilermando Monteiro ainda teve o desplante de dizer “fomos enganados”, posto que o delator havia informado que João Amazonas, o principal artífice do Araguaia, lá estaria, pois era o que o traidor imaginava. Mas o Amazonas, na última hora, por decisão nossa, viajara. Assim estão as feridas maltratadas, não cicatrizadas. Mas há ainda fatos mais obscuros.

No primeiro semestre de 1968, o Rio de Janeiro quase foi palco de um dos maiores atos terroristas do mundo, o famoso caso Para-Sar, pelo qual o brigadeiro João Paulo Burnier, deu ordens a um subordinado seu para explodir o Gasômetro de São Cristóvão, em hora de grande movimento, para matar cerca de 100.000 pessoas e jogar a culpa nos comunistas. Semelhante barbaridade não se consumou porque o subordinado era uma pessoa de caráter ilibado e responsabilidade com seu povo e sua Pátria, o capitão Sérgio de Carvalho, conhecido como Sérgio Macaco, que se rebelou, não cumpriu a ordem e a denunciou. 

Anos depois, entre 20 e 22 de janeiro de 1971, o ex-deputado Rubens Paiva é morto no Rio de Janeiro, esclarecendo-se depois ter sido liquidado sob tortura em dependências da Aeronáutica, onde pontificava o brigadeiro Burnier.  

Em 10 de junho de 1971, cerca de 4 meses após a morte de Rubens Paiva, é morto no Rio, sob tortura, Stuart Angel Jones, um jovem de 25 anos, em dependências da Aeronáutica, onde mandava o brigadeiro Burnier.

Agora bem, dois meses depois da morte de Rubens Paiva e dois meses antes da morte de Stuart Angel, também no Rio de Janeiro, em 14 de junho de 1971, desaparece Anísio Teixeira, o maior educador brasileiro, aquele que levantou entre nós em primeiro lugar e com mais força a bandeira da educação pública, universal e gratuita. Procurado por Abgar Renault, da Academia Brasileira de Letras, o general Syzeno Sarmento, então comandante do I Exército, tranquilizouo dizendo-lhe que Anísio Teixeira estava prestando esclarecimentos em dependências da Aeronáutica e logo seria liberado. O educador apareceu morto no fosso de um elevador. Notícia de origem nunca esclarecida divulgou que ele ali caíra e morrera. 

Em carta dirigida ao presidente Geisel, o brigadeiro Eduardo Gomes referiu-se ao brigadeiro Burnier como “um insano mental inspirado por instintos perversos e sanguinários, sob o pretexto de proteger o Brasil do perigo comunista.” Eram homens deste tipo que mandaram no país.  

Agora, 47 anos depois, está prestes a ser publicada a obra “A morte de Anísio Teixeira – desmontada a farsa da queda no elevador” de autoria do professor da UFBA João Augusto de Lima Rocha, na qual o professor demonstra, a partir de minuciosa pesquisa, que não houve queda, mas colocação do cadáver do educador no local onde foi encontrado. Anísio foi assassinado. 

Revelações da CIA, execuções sumárias, feridas não cicatrizadas, descobertas sendo feitas, tudo isso deve ser lembrado quando o país precisa sair da crise em que se encontra, não dando um passo atrás, no sentido do obscurantismo mais retrógrado, mas um passo à frente, espancando essa parte sinistra de nossa história, colocando nos porões todos os golpes contra o povo, o de 1964 e o de 2016, restaurando a democracia, prestando contas com sua história e indo para a construção de uma grande Nação.

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Haroldo Lima é membro da Comissão Política Nacional do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

4 Comentários

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  1. Interessante

    Nos momentos propícios – por exemplo: quando o assunto “anistia” estava sendo julgado no STF – essas mesmas pessoas e entidades que agora estão fazendo todo esse estardalhaço, por conta da divugalção dos documentos da CIA, ficaram caladas. O que mudou? Como o próprio autor do artigo deixa subentendido, o documento não trouxe nenhuma novidade. Todos sabem que houve barbaridades autorizadas e não-autorizadas (mas permitidas por omissão). Nada mudou. Então, o que poderia explicar essa conduta, aparentemente, contraditória? Uma teoria: As únicas pessoas que tem verdadeiro interesse em que tudo seja esclarecido, talvez até mais do que em uma tardia punição, são os parentes das vítimas e os sobreviventes. Por que? Porque não são apenas os militares têm contas a acertar com a verdade. Os apoiadores e os omissos também. O que dizer então, dos líderes dos movimentos e dos partidos da época, que induziram centenas de jovens imaturos a embarcar nessa insanidade de enfrentar a ditadura civil-militar (até pelas armas!). Todos deveriam se ajoelhar perante os parentes e amigos das vítimas, como retratação moral. 

  2. A “CIA” faz delação premiada?

    Acho que é preciso ter discernimento: não se trata de informação que essa repartição pública, a “CIA” – ou qualquer outro órgão público daquele país estrangeiro, os EUA – está nos ofertando nesse momento. Essa informação apenas estava lá, registrada desde que ocorreu. Não creio que o estado daquele país tenha interesse em nos ajudar a afastar perigos contra a nossa soberania. Muito pelo contrário.

    Por exemplo, não creio que nenhuma repartição pública de lá se dignaria a nos informar sobre o atual financiamento de MBLs ou mesmo de funcionário público brasileiro da Justiça, ministério público, polícia federal e poder legislativo por empresa privada daquele país, por exemplo. E se digo empresa privada é porque naquele país não há problema em empresa privada administrar a coisa pública, inclusive órgão público como as forças armadas daquele país. Manter outros países sob terror é, para a iniciativa pública de lá, altamente lucrativo, nem que essas firmas usem para isso de recursos de violência facultados apenas aos estados nacionais e públicos.

  3. A assimetria de forças

    A assimetria de forças combativas no cone sul por conta da “guerra” ideológica nas décadas de 60 e 70 era gritante. Muito mais ainda no Brasil. Talvez(não tenho os números exatos) nem duas centenas de ativistas pegaram efetivamente em armas para enfrentar a ditadura que se instaurara em 1964 e, dentro desta, o regime de terror que se inicia a partir do AI-5(dez/1968). Para confrontá-los, a repressão usou o Poder Militar(forças armadas), Poder Policial(PF e polícias civis) e Poder de Informação(Centros de Informações das FAA e SNI). 

    Na dita “guerrilha” do Araguaia jogaram mais de 6000 homens contra 70 “guerrilheiros” inexperientes e imberbes(a maioria). Experiência em combate talvez uns dez. Alguns mortos com requintes de crueldade inimagináveis, como “Osvaldão”, um negro de quase 2 metros, engenheiro, com experiência militar. No inico ainda faziam prisioneiros, depois a ordem foi a execução sumária mesmo daqueles que se rendessem. 

    O certo é que não houve um embate, uma guerra, mas um  massacre. Claro que isso não poderia ter ocorrido sem a anuência da cúpula do regime. Só acredita nessa versão quem não conhece como funciona a engrenagem e a mente militar. 

    Agora o inverso poderia ser verdadeiro. Na Segunda Guerra muitos oficiais alemães se opuseram às ordens criminosas provindas do alto escalão do regime.  

     

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