Para queimar livros, já não é mais preciso brasas, por Jean D. Soares

Num misto de ignorância, canalhice, covardia, o sofisma de retornar a taxar os livros porque seriam artigos comprados por pessoas de alta renda esconde algo mais importante.

do Canal de Ciências Criminais

Para queimar livros, já não é mais preciso brasas

por Jean D. Soares

Para queimar livros, já não é mais preciso brasas. Não é preciso elevar a temperatura aos Farenheit 451. Basta taxá-los a ponto de tornar sua circulação dificílima para os menos abastados.

O Ministério da Economia pretende enviar a reforma tributária retirando as isenções da cadeia do livro na Nova CBS, o que implicaria numa taxação implícita sobre os serviços na casa dos 12%. Perguntado pelo deputado Marcelo Freixo sobre a situação do setor, o ministro Guedes sugeriu:

“Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto. Uma coisa é você focalizar a ajuda, outra é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade isentar gente que pode pagar”, disse o ministro.

Num misto de ignorância, canalhice, covardia, o sofisma de retornar a taxar os livros porque seriam artigos comprados por pessoas de alta renda esconde algo mais importante. Será realmente que se trata de ajudar os pobres aqui com esse tributo?

O primeiro ponto a se considerar é o baixo impacto fiscal. O mercado do livro como um todo, movimenta pouco mais de 5,5 bilhões de reais ao ano. Arrecadaria pouco e geraria um desgaste imenso.

Os que defendem e executam essa tese veem no livro uma ameaça. Eles sabem do poder da leitura. Através dela, aprende-se a conhecer melhor as atitudes nobres e as covardes. Aprende-se a argumentar. Discute-se economia, política, põe-se em causa as fragilidades de uma forma de governo, bem como serve de instrumento de combate ao racismo, ao machismo e à homofobia. Pelos livros, descobre-se que Cloroquina não faz milagre e pode matar.

Como se não bastasse a crise de setor que atinge livrarias e editoras desde que se instaurou durante o “suave” estado de exceção nos brasis, vemos a “suavidade” dos economistas reformadores arrancar pela carestia a liberdade de se ler o que bem se quiser, e de apoiar as editoras que bem se entender.

Enquanto um terço da população acreditar que pequenos e grandes, pobres e ricos devem ser tratados com os mesmos direitos pelo Estado, estaremos enredados em sofismas como esse que confundem mais do que instruem.

Essas partes são diferentes e devem ter tratamentos diferentes, e o livro é um –pequeno- nicho de mercado, com -pequena- margem de lucro, não é um mercado bilionário como o de tecnologia.

Além disso, vejamos porque é um sofisma: porque aumentar a tributação vai diminuir o acesso a todos os livros. Argumentar que assim sobra dinheiro para fazer “uma política melhor para a cultura”, para “ajudar os pobres” é completamente falso, porque isso só implicaria uma restrição ao mercado editoral. Isso inibe o direito dos menos abastados, que já estão em dificuldades, de escolher o que bem quiser ler.

A pluralidade editoral que se consolidou no país nos últimos anos precisa ser defendida como um ativo nacional, dos mais importantes, para que saiamos da ignorância profetizada por esse terço endinheirado e pobre que insiste em aprovar os desatinos de um governo que tem como projeto destruir o que de bom se construiu pelas mãos de milhares de brasileiros letrados nestes últimos anos.

Jean D. Soares é professor de filosofia com doutorado pela PUC-Rio.

Redação

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