Perspectivas para 2022, por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

Faltou trabalho para 30,743 milhões no Brasil no terceiro trimestre de 2021, alertou o IBGE, sendo que a taxa de subutilização da força de trabalho foi de 26,5% no trimestre.

Perspectivas para 2022

por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria

O ano de 2022 será muito difícil, sob diversos aspectos, para os brasileiros. Como se não bastasse o dramático quadro econômico e social, ainda teremos tensionamentos políticos por conta das eleições. Na prática, a agenda dos últimos cinco anos trouxe retrocessos nas políticas sociais, corrosão institucional, a volta da inflação e a queda da renda das famílias. Aquilo que já estava desmoronando antes da pandemia, agora apresenta-se como terra arrasada.

Uma matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, assinada por Leonardo Vieceli e Douglas Gavras, em 19 de dezembro, trouxe informações relevantes sobre como o número de trabalhadores subocupados cresce e trava o consumo no Brasil. Subocupados representam os trabalhadores que trabalham menos de quarenta horas semanais e que desejam atuar por mais tempo, de acordo com o IBGE. Para o terceiro trimestre de 2021, o número de subocupados foi de 7,771 milhões no país, uma alta de 9,4% frente ao mesmo trimestre de 2019. Esse quadro desolador tem os seus rebatimentos regionais, que, por sua vez, pressionam as políticas públicas promovidas por governadores e prefeitos.

A subocupação da força de trabalho “representa uma espécie de trava para a recuperação do consumo, motor do crescimento econômico”, alertou a matéria. Conforme foi ponderado, “com menos renda no mês, manter o padrão de consumo vira uma tarefa mais difícil, principalmente em tempos de inflação alta, como é o caso atual”. O Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), para o mês de dezembro de 2021, revelou que ainda ocorrerão repasses de preços nos próximos momentos. O IGP-M registrou avanço de 17,78% em doze meses, o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) subiu 20,57% no mesmo período e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) cresceu 9,32% em uma economia que estagnou.

O número de 7,771 milhões de subocupados é o maior já registrado na série histórica do IBGE, sob o recorte de trimestres tradicionais. Esse aumento da subocupação, afirmou o economista Rodolpho Tobler, da FGV, entrevistado na matéria da Folha, “afeta o consumo e, consequentemente, a atividade econômica”. De acordo com a matéria, “antes da pandemia, o número de subocupados já havia ganhado força no Brasil”. As reduções da jornada e dos salários de trabalhadores formais durante a pandemia ajudaram a elevar o número de subocupados a partir do ano passado.

“Estamos vendo a população ocupada aumentar nos últimos trimestres, mas a renda média vem caindo”, afirmou Tobler. A inflação elevada dificulta a vida dos trabalhadores e o problema é que a economia emite sinais de estagnação no Brasil. Em síntese, a precarização do mercado de trabalho doméstico prejudica uma retomada econômica consistente. Os avanços da fome e da insegurança alimentar integram esse quadro dramático e distópico.

Para 2022, segundo a matéria citada, economistas entendem que a economia deverá ficar entre a estagnação e a queda da atividade. Tal cenário, se confirmado, fará com que o fraco desempenho da economia precarize ainda mais o mercado de trabalho brasileiro, que já estava fragilizado antes da pandemia. O relatório de mercado Focus, do Banco Central do Brasil, já começou a retratar as expectativas de queda de desempenho da economia a partir de dosagens aplicadas de apertos monetários. Entre os indicadores expostos nesse relatório de expectativas dos agentes financeiros, não constam as taxas de desemprego e de subutilização da força de trabalho. Indiferença da parte do poder econômico que busca pautar a agenda pública “reformista”?

Faltou trabalho para 30,743 milhões no Brasil no terceiro trimestre de 2021, alertou o IBGE, sendo que a taxa de subutilização da força de trabalho foi de 26,5% no trimestre. Clemente Ganz Lúcio, sociólogo do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômico (Dieese), também entrevistado na matéria da Folha, afirmou que “o trabalhador tem tido de conviver com uma realidade de insegurança, tanto do ponto de vista do emprego quanto da renda familiar, ausência de perspectivas de melhora do emprego e desproteção”.

Nesse quadro complexo de dificuldades e distopias, resta-nos esperar pelo que virá a partir dos resultados das eleições. A geração de ocupações laborais decentes, de melhor qualidade, dependerá de investimentos públicos e privados, viabilizando uma melhor distribuição de rendas e o crescimento das remunerações. Uma reforma tributária progressiva sobre rendas e patrimônios também é algo importante. Em 2022, viveremos o bicentenário da independência e as eleições. Portanto, deveríamos estar mais preocupados em buscar empreender uma discussão séria e qualificada sobre os rumos do Brasil. Afinal, o que é mesmo possível esperar da inércia política e da tradição conciliatória “por cima”?

No instigante livro “O Extremo Ocidente”, publicado pela Editora da Universidade de São Paulo, em 1991, o cientista político francês Alain Rouquié apontou que a América Latina foi historicamente integrada ao mercado mundial em função das necessidades das sociedades europeias. Segundo o autor, “a extraversão econômica que disso decorre condicionou as modalidades de introdução do capitalismo na América Latina”. A mudança hegemônica global da Inglaterra para os EUA, após duas guerras mundiais na primeira metade do século XX, tampouco foi benéfica para a região. No caso da Argentina, por exemplo, pode-se dizer que foi fatal. A guerra fria, uma continuação da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) por outros meios, gerou cicatrizes profundas na região. Os seus processos de redemocratização conviveram com sombras e instituições herdadas dos regimes autoritários.

Conforme ponderou Rouquié sobre a estrutura econômica da região, “o setor moderno não tende a fazer desaparecer o setor atrasado, que lhe é indispensável”. Um dualismo do tipo “unidade de contrários” também se manifesta no Brasil, como reserva de mão de obra barata, informal e de baixa produtividade. O legado escravocrata ainda pesa no Brasil, que, assim como outros países da América Latina, se formou a partir de predatórias explorações humanas e de recursos naturais. O subdesenvolvimento e a dependência não foram superados na região.

Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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