Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Pois não excelência. Diga o que quer que eu diga e onde assino, por Armando Coelho Neto

Imagem: Banksy

Pois não excelência. Diga o que quer que eu diga e onde assino

por Armando Rodrigues Coelho Neto

É o Poder Judiciário, como um todo, convertido numa delegacia de polícia de quinta categoria, se é que isso existe. A rigor, delegacia é delegacia, tem atribuições legais definidas, mas, aqui ali, nos rincões (ou não) aparecem delegados com superpoderes, que batem, prendem, arrebentam; casam, batizam e se transformam em longa manus de comerciantes a prefeitos. Tudo, obviamente, selado por juízes locais, já que no fundo estão todos zelando por interesses recíprocos. Delegacias de grandes metrópoles não fogem à regra. Até soube de um policial da assassina PM paulista, que rasgou seu próprio fardamento com uma caneta BIC, tudo para simular uma agressão…

Em várias situações, é comum entre policiais corruptos ou incompetentes o hábito de inserir droga nos pertences de suspeitos ou não. Por exemplo, diante de um alvo errado, se o policial comete excessos, tenta justificar a ação criando um suposto flagrante por porte de droga. Se o policial não consegue extorquir um criminoso, este pode ser preso pelo porte ou transporte de substância entorpecente, mesmo que nada disso tivesse ocorrido no momento da abordagem. Em quaisquer dos casos, as delegacias de polícia, coniventes ou não, conferem legalidade à ação, obedecendo a partir dali todos os ritos processuais. Em suma, daquele momento em diante, tudo passa a transcorrer com os rigores da lei, mesmo com vício de origem.

Esses exemplos inspiraram texto veiculado neste GGN, no qual trato o golpe de 2016, como o golpe da maconha intrujada. A destituição da presidenta Dilma Rousseff teve vícios de raiz – pela ausência de crime de responsabilidade ou qualquer outro. Foi uma maracutaia que contou a sabuja conivência do STF. Aquilo que até as pedras sabiam, mas que pelo STF foi ignorado, chegou a ser tratado pelo juiz aposentado Joaquim Barbosa como “Impeachment Tabajara”. Mas, como um golpe da maconha intrujada, ganhou ares de suposta legalidade. Numa criminosa operação matemática, se eram precisos X votos, aquele número foi atingido e o martelo foi batido. Faltou crime, motivação idônea, sobretudo fundamentação (os votos vieram pelo neto, cachorro, papagaio e apologia a um torturador).

Consolidava-se ali o grande acordo nacional “com o supremo e tudo”, diante da objetiva omissão e conivência das Forças Armadas, a quem cabe garantir o exercício de poderes constitucionais. De acordo com a Lei Complementar nº 97/1999, Art. 1o  “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais…”. No caso, estava evidente a violência contra o Poder Executivo. Entretanto, o Exército teria estado preocupado em monitorar o Movimento dos Sem Terra…

Retomo o assunto neste instante, após ler matéria veiculada no jornal Folha de S. Paulo, que tem como título “Fui ameaçado pela PF para fazer delação”, diz dono do ‘posto da Lava Jato’ (Carlos Habib Chater). Numa entrevista para o jornal, ele diz que o Brasil está combatendo ilegalidades com ilegalidades. Queixa-se de que seu ex-gerente, ao perceber que iria ficar mais tempo do que presumiu, resolveu fazer delações que, de tão frágeis, nem o Ministério Público de Curitiba aceitou. Chater diz que a ameaça partiu de um delegado da PF, o qual teria dito que o “envolveria com o narcotráfico, que eu ficaria mais de 20 anos na cadeia, que me livraria [da prisão] em uma semana caso eu dissesse quem eram os agentes público ou os políticos que recebiam [propina]”.

Chater disse ainda ao jornal, que o tal delegado da Farsa Jato percebeu que ele não faria qualquer delação. Diz que não teria quem entregar, mas o delegado fez contra ele várias investidas, sempre afirmando que caso não entregasse (alguém) seria enviado para um presídio, o que realmente aconteceu. Acabou sendo recolhido no presídio de São José dos Pinhais. Segundo ele, “Existe muitas coisas que aconteceram nos bastidores dessa operação que eu diria ilegais, imorais, que ninguém sabe ou que pelo menos ninguém quer dar ouvidos….” O grampo ilegal encontrado na cela dele, pasmem (!) teria sido investigado por um dos suspeitos do grampo…

As ilegalidades e subterfúgios daquela operação, que para muitos seriam simples especulações e ou deduções, aos poucos foram entrando em cena. É o caso das denúncias de Tacla Duran, de que teria recebido de procuradores da Farsa Jato, uma minuta de um acordo de delação, mas teria desistido por ter de admitir crimes que não cometeu. Diz também que procuradores da operação costumavam tentar influenciar os delatores a envolver políticos. Como pano de fundo dessa minuta, haveria uma negociata, na qual um advogado “amigo” do juiz Sérgio Moro receberia por fora R$ 5 milhões. Além disso, denuncia fraudes em planilhas da Odebrecht, com aparente propósito de incriminar pessoas, entre elas o ex-presidente Lula.

Há, portanto, fortes suspeitas de que o pretenso combate à ilegalidade se dá mesmo fora da legalidade. A operação Farsa Jato, criada sob o pretenso mote de combater à corrupção, na verdade teve alvos escolhidos dentro de um calendário político para viabilizar o golpe de 2016. Visava e visa, principalmente e de forma muito especial, tentar acabar com o Partido dos Trabalhadores e destruir a imagem do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. A rigor permanece como farsa policialesca e ao mesmo tempo judicialesca. Grampos ilegais, divulgação ilegal de grampos legais, ameaças, prisões ilegais (tentadas ou consumadas), constrangimentos ilegais para obtenção de denuncias contra aquele ex-presidente, sem contar as arbitrariedades contra o ex-tesoureiro do PT, João Vacari Neto, tido hoje como preso político da democracia. Vacari foi absolvido duas vezes pelo TRF4 por falta de provas.

A rigor, o que se observa, é que parece ter razão quem disse que os oficiantes daquela operação vivem na caça de delatores que confessem crimes e ofereçam ao final a cereja do bolo, representada pela frase triunfal: eu fiz tudo isso e Lula sabia de tudo. Desse modo, qualquer semelhança da Farsa Jato com aquelas delegacias de quinta categorias, citadas lá em cima, não é mera coincidência. Nelas, os presos após serem torturados chegam diante do delegado e dizem: “Pois não, doutor. Diga o que o senhor quer que eu diga e onde é que eu assino”.

 

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

4 Comentários

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  1. O ato fundador de qualquer

    O ato fundador de qualquer tirania é a violência.

    A violência contra as instituições rapidamente se transforma em violência contra as pessoas indesejadas.

    Com o tempo, as longas mãos armadas do Estado ganham autonomia e passam a se movimentar com mais e mais desenvoltura.

    Mas as coisas se tornam realmente desgradáveis quanto os policiais/militares percebem que eles mesmos são a única fonte do poder exercito pelo tirano.

    Em troca de proteção, o tirano se vê constrangido a protege-os. 

    Libertos de quaisquer limites legais, os policiais/militares começam a agredir, chantagear, torturar e matar qualquer pobre coitado que eles consigam agarrar. 

     

     

  2. “Fortes suspeitas”?!

    O que há, caro Armando, para qualquer pessoa que se dedique minimamente a “bater” a ordem democrática contra as ações de Moro, Dallagnol e demais membros do judiciário brasileiro, “com o Supremo e tudo”, é a mais eloquente, profunda, clara e cristalina certeza de que estamos sob estado de exceção, sob ditadura, sob um golpe, sem a menor possibilidade de dúvida. E não se trata apenas de pegar o PT, Lula, Dilma… trata-se de golpe para sequestro do poder democrático sobre as instituições por pessoas que agem em nome do capital privado internacional. Pessoas que querem submeter países ao mando de empresas privadas. Já viu ou pelo menos ouviu falar, alguma vez na História e no lugar que for, em empresa privada democrática? Isso não existe. Empresa privada é sempre ditadura: quem manda é o dono ou um seu preposto (ou seja, é afinal, o dono mesmo).

    Por sua natureza, o modo do que é privado é esse, não tem outro: um manda, outros obedecem. Se não obedecer, rua. Por isso é certeza dizer que um estado tomado pela iniciativa privada é sempre um estado corrupto. E nunca vai buscar atender aos anseios de seu povo. Seu povo pode até se deixar ludibriar, acreditar que se eleger a elite do capital para tomar conta doi que é público, pode acabar se dando bem. Ledo engano para 99,9% desses crédulos, que votam em prepostos do capital por achar que “combinam mais com meu jeito”. O capital é para concentrar – e não distribuir – recursos, quer um clube o mais exclusivo possível. Será que há alguma dúvida sobre isso?

    1. Esse modo, “diga o que é para

      Esse modo, “diga o que é para fazer e eu faço” é o modo das empresas privadas. Não serve para o que é público.

  3. O historico da Lava Jato é de

    O historico da Lava Jato é de delações polêmicas, como as delações de Delcidio do Amaral, Leo Pinheiro, Marcelo Odebrecht e Antonio Palocci dentre muitas outras, homologadas por um STF, que estava até o pescoço envolvido com o golpe contra estado de Direito. Da parte da imprensa – no golpe com STF, com tudo –  escandalizou as delações para dar crédito à uma operação cujos métodos obscuros levou o Pais a consequências dramaticas. E aqui estamos. A Lava Jato ja foi desmascarada pelos jornalistas livres, mas continua sua livre destruiçao do processo democratico politico do Pais e parte da sociedade brasileira ainda acreditando que os operadores da Lava Jato têm algum interesse em acabar com a corrupção… Eu quero ver o dia que esse castelo de areia ruir!

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