Por que as mulheres de silicone são as ideais para os homens que temem as mulheres?, por Rita Almeida

As mulheres reais de hoje em dia, em geral, não aceitam mais renunciar ao próprio desejo. Como resultado, temos homens infantilizados ou fóbicos para o afeto.

Por que as mulheres de silicone são as ideais para os homens que temem as mulheres?

por Rita Almeida

Japoneses perdem esposas e encontram o amor em bonecas de silicone. Elas vêm com cabeça e vagina desmontáveis.” Esta manchete de uma matéria publicada no G1 em julho de 2017, emenda bem com outra do El País, de junho do mesmo ano, que também trata da realidade das relações afetivas no Japão. Esta última afirma que, mesmo os jovens, evitam contato físico e preferem os relacionamentos virtuais ou com máquinas. Fala-se de uma geração que não sabe se relacionar afetivamente. Tais publicações me lembraram ainda, um documentário que assisti há algum tempo, também sobre a sociedade japonesa, chamado: O império dos sem sexo – o nome já diz muito por si mesmo.

Entretanto, penso eu, isso que se apresenta para os japoneses numa dimensão de radicalidade, é uma realidade muito presente também no ocidente atual; um crescente desencontro das relações afetivas. Se em algum momento do passado homens e mulheres tinham suas posições e funções claramente definidas e os homossexuais estavam condenados a viver nas sombras ou “dentro do armário”, tais desencontros não eram tão evidentes. Numa relação de poder totalmente demarcada pelo domínio dos homens, os mal-estares eram mais “silenciosos”, já que suportados em submissão por mulheres e homossexuais, obviamente.

Mas a chamada revolução sexual garantiu a desestabilização do poderio masculino, tanto fazendo com que as posições e funções vinculadas aos gêneros se relativizassem, quanto garantindo que mulheres e homossexuais não se mantivessem mais tão calados diante do mal-estar das relações. E se, como diria Freud, o mal-estar é elemento intrínseco e inevitável ao laço, o que aconteceu é que tal mal-estar transbordou e, hoje, aparece escancarado e atinge a todos. Assim sendo, tal desencontro comparece tanto nas relações hetero quanto nas homossexuais. Entretanto, talvez possamos dizer que nas relações heterossexuais este mal-estar se aprofunda na medida em que o sujeito “escolhe” se relacionar com o outro sexo, o diferente, e não com o semelhante.

Vejamos então que, especialmente no campo das relações heterossexuais, uma coisa se mantem e comparece nas matérias e no documentário citado: muitos homens ainda esperam por mulheres mortificadas, que não os ameace, que não os castre em sua posição de poder. Isso faz das bonecas de silicone as mulheres ideais, em especial para os homens que temem o poderio e o desejo femininos. Mulheres de plástico não demandam, não se queixam, não enlouquecem, não falam, não gozam e estão sempre disponíveis, ou seja, ocupam sem constrangimento ou incômodo a posição de objeto para eles. O fato de uma das matérias destacar, já no título, que nas bonecas do amor a cabeça e vagina são desmontáveis, diz muito sobre o tipo de mulher que esses homens procuram. A mulher ideal para o homem que se sente fragilizado diante do outro sexo é aquela que só comparece quando ele assim o desejar e do modo que ele desejar, aquela que é capaz de separar a cabeça ou o corpo da própria vagina.

Por outro lado, as mulheres reais de hoje em dia, em geral, não aceitam mais renunciar ao próprio desejo. Como resultado, temos homens infantilizados ou fóbicos para o afeto. Com muita prevalência, quanto mais nós mulheres colocamos em jogo nosso próprio desejo, mais os homens se sentem ameaçados e recuam, sendo possível numa situação extrema como na do Japão, se sentirem muito mais à vontade com mulheres de plástico. Mas afinal, como sair desse impasse sem perder nossa disposição para o romance?

Penso que a via de escape só pode acontecer pela construção conjunta e pela disposição para o encontro vindo dos dois lados. Obviamente que era muito mais fácil para o sustento de uma relação quando as mulheres se dispunham a renunciarem ao próprio desejo. Eu disse melhor para a relação, mas não para as mulheres, é claro. Hoje, com homens e mulheres numa relação de poder mais horizontalizada e com papéis e atribuições não tão definidos, há de se dedicar esforço e investimento muito maiores para que um relativo equilíbrio se estabeleça. E trata-se de uma construção diária e contínua, por vezes dispendiosa e cansativa. Mas, se não queremos apelar para a recusa do sexual, tal como tem acontecido com os japoneses num nível extremo, ou recuar dos avanços que o movimento feminista trouxe para as mulheres, como defendem alguns movimentos religiosos e/ou políticos reacionários, temos que continuar no esforço dessa construção cotidiana, que cada par fará a seu próprio modo e a cada vez.

Primeiramente, suponho que seja necessário que o casal se desarme; os dois. Talvez hoje, mais do que nunca, o verbo amar só se conjugue para os que estão desarmados. Nós mulheres sempre estivemos mais dispostas para assumir uma posição desarmada, mas agora os homens também estão sendo convidados a isso. A boa notícia é que, se o feminismo produziu, juntamente com mulheres desejantes e vívidas, homens inseguros e fóbicos para a relação, também produziu outros, especialmente os da nova geração, que entenderam que se desarmar, se livrar da necessidade de controlar e ter poder, pode ser um alívio e não uma perda. Os homens que estão se dispondo a aprender com o movimento desejante das mulheres (e eles existem sim garotas!) são homens mais leves, mais abertos, mais flexíveis e, portanto, mais livres. Percebo uma geração de homens que já chegou num mundo de mulheres ativas e atuantes, e que não se sentem perdendo ou competindo com elas, mas em parceria, construindo junto.

Nesse sentido, no meu entender, não cabe às mulheres se armarem do lado de cá. Trocar de posição com o homem não resolve a questão e não nos fará mais libertas, ao contrário. Se o feminismo pôde nos ensinar uma coisa foi que se fixar em um papel e uma posição de poder cristalizada não é interessante pra ninguém. O lugar da vítima pode ser tão aprisionador quanto o do algoz, ainda que este último, a princípio, sofra menos.

Voltando às bonecas de silicone é lamentável que o desencontro entre os sexos, que será sempre irreparável (não existe a metade da sua laranja), tenha chegado ao ponto de inventarmos um amor de prótese. Imaginamos que esse seria um último recurso para os solitários que não tiveram outra opção, tal como o personagem de Tom Hanks, no filme Naufrago, ao criar Wilson a partir de uma bola de voleibol.

Por fim, é isso: o mal-estar é inerente às nossas tentativas de laço amoroso, seja de que natureza for. Por outro lado, sem ele, a maioria de nós se sente manco, triste e solitário, as bonecas japonesas estão aí para provar isso. E como diria minha xará Rita Lee: “ai de mim que sou romântica”, então, ainda sou partidária por sofrer de amor se a outra opção é amar um ser de plástico ou mortificado no seu desejo.

Amém!

Rita Almeida

Redação

7 Comentários

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  1. Só a mulher é dependente do amor e por amor renuncia ao prazer vivendo sem satisfação com o homem, embora alguns homens também o façam, eventualmente
    O homem não faz questão de ser amado. Sendo servido e obedecido, vive num mundo ideal e isso é consenso.
    Quando se lê qualquer livro religioso, o homem se vê como um ser divino e nascido de si mesmo. O mundo que ele narra sempre parte de si e de suas glórias.
    Mais que isso o homem se vangloria de suas indignidades, como a sua história tem demonstrado (mulher não tem nome para fazer história)
    Sendo assim, melhor será que ele melhore suas bonecas e deixe de precisar de mulher pra existir. Viverá prazer e liberdade plenas (?)
    Será?
    Às feministas não se darão conselhos. As reais sabem o que fazer.

  2. Todo o artigo parte de premissas equivocadas sobre os artigos mencionados.
    HIKIKOMORIS não são “homens com medo de mulheres”, são em geral adolescentes e jovens que não conseguem aguentar as pressões sociais envolvendo o sexo, a ansiedade de status japonesa e a própria agonia gerada pela vida moderna e o capitalismo.
    É um problema que atinge mais os homens japoneses pq deles se espera mais… que tenham o status, o dinheiro e a atitude para se conseguir tudo que se promete nos anúncios de tv… inclusive as mulheres perfeitas.
    Mas a autora quer defender uma tese, então, antes de descobrir do que está falando, prefere encaixar um fenômeno JAPONÊS em uma situação ocidental…
    Sinto, mas o que se tem como “feminismo” no Brasil, Europa, EUA, não se aplica MINIMAMENTE ao japão!
    Que tal começar a entender a coisa antes de encaixar?!?!

    https://en.wikipedia.org/wiki/Hikikomori

  3. Interessante a análise. Talvez desse para escrever um grande livro sobre o assunto.

    Pode ser também que os relacionamentos, digamos, antes da revolução sexual, não fossem tão bom para ambas as partes. De fato, certamente havia sacrifícios para os dois lados.

    Atualmente, com as mudanças culturais, sociais e tecnológicas, (acredita-se) que se sobrevive bem sem vínculos profundos e estáveis. E com o nível médio das pessoas acreditando que têm o direito de querer tudo e tudo ao mesmo tempo, ajuda a explicar porque cada vez mais os relacionamentos são superficiais e descartáveis.

    O tempo dirá onde chegaremos.

  4. Há muita fantasia no estudo do relacionamento homem-mulher que são mais baseadas na vivência cultural e temporal de 100.000 anos de história!
    O discurso feminista é extremamente coerente e válido para descrever a nossa sociedade e outras nos últimos 200 anos. Porém se alargarmos este tempo e tomarmos diferentes sociedades, classes sociais e épocas, se verá que esta espécie de predestinação do comportamento de supremacia masculina, se verá que não é algo geral.
    O ocidente passou pela época vitoriana que levou padrões de comportamento que eram restritos a nobreza mais por motivos patrimoniais do que por outras coisas e se generaliza como se isto fosse a trajetória da humanidade.
    A história quando fala do comportamento humano, somente nas últimas décadas é que começa a falar sobre os dominados, até algum tempo a história descrevia somente a vida de reis, rainhas e nobres em geral. Fala-se muito na idade média ou mesmo da antiguidade clássica (Roma e Grécia), porém escapando desta região e destas épocas parece que o mundo não existiu, e por exemplo, se lermos um livro “História da vida privada Vol I”, se vê claramente que o domínio do “pai de família” (traduzido a expressão latina para o português) era algo que se estendia não só as mulheres da casa, mas sim todos elementos masculinos e femininos que viviam sobre o abrigo do “patrício”, porém além da descrição detalhada da vida do “patrício” o vácuo que existe sobre a vida do plebeu é imenso, simplesmente as informações são quase nulas, pelo simples motivo, o plebeu apesar de ser a imensa maioria da população livre, não era motivo de registro histórico.
    O que estou falando é que esta ânsia de colocar o homem (sexo masculino) como um dominador implacável é mais uma transposição dos últimos séculos a milênios de história, e não só os últimos séculos, o últimos séculos de história dos poderosos que dominavam a todos (homens e mulheres) e esta relação de dominação era estendido as suas esposas.
    Ou seja, se faz afirmações peremptórias e absolutas estendendo a imensa maioria dos povos ao longo de centena de milhar de história como se fosse possível fazer isto.

  5. Fosse possivel incluir uma arte entre as já listadas, optaria pela de se relacionar.
    É uma arte tão complexa que alguns seres humanos, independente de seu gênero ou de sua cultura, quando inseguros sobre sua capacidade de diálogar e solucionar crises de relacionamento se isolam, e buscam uma interação menos afetiva.
    Mas nada novo. Vem lá dos antigos prostibulos (refugio de todos os géneros) passando pelo telesexo, o precursor dos relacionamentos virtuais, chegando a esta parafernália sexual tecnológica disponivel atualmente.

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