Por que Bolsonaro não cai?, por Luis Felipe Miguel

Por que Bolsonaro não cai?

por Luis Felipe Miguel

Passados dez meses, são avassaladoras as evidências de que lhe faltam condições morais, intelectuais e jurídicas para ocupar a presidência. No entanto, ele continua firme no posto.

As revelações da Vaza Jato estão comprovando de forma cabal que houve uma conspiração para retirar Lula das eleições de 2018. Já há indícios mais do que suficientes para sustentar a anulação do pleito. No entanto, passado o susto inicial, a Vaza Jato tornou-se parte da paisagem. Suas novas denúncias passam quase em branco, não importa o quão grave sejam. A elite política, os poderes de Estado e a mídia parecem conviver bem com um presidente eleito de forma fraudulenta e um ministro da Justiça corrupto.

O escândalo do disparo de fake news no WhatsApp, financiado por doações não declaradas, que o TSE se recusou a investigar, e o laranjal do PSL apontam para o financiamento ilegal da campanha, motivo mais que suficiente para iniciar o procedimento de cassação da chapa. Mas nada acontece.

Queiroz continua presente e atuante, nos negócios de sempre. As evidências de que o clã Bolsonaro esteve e está envolvido em rachadinhas, desvios de função e outros esquemas similares são avassaladoras. Mas isso também já está normalizado.

Os laços com milícias do Rio de Janeiro são notórios há anos. Agora, múltiplas “coincidências” apontam para um envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco. Mas parece que bastar jogar múltiplas cortinas de fumaça sobre o caso para que tudo fique bem.

Para abafar as investigações, órgãos do Estado são instrumentalizados e desvirtuados. No caso da chamada para a casa 58, exemplos abundam, da promotora bolsonariana que se apressou em invalidar o testemunho do porteiro, sem se preocupar em fazer qualquer perícia das provas, ao ministro da Justiça intervindo diretamente para abafar o caso. O despautério causa constrangimento. Mas logo passa.

Não é só aí que Bolsonaro mostra sua total incompatibilidade com a ideia de república, sua incapacidade de entender a separação entre família, governo e Estado. Dos gastos milionários do cartão corporativo, da punição ao servidor do Ibama que o multou por pesca irregular e da tentativa de nomear embaixador o próprio filho até o filtro ideológico nas artes, as intervenções nas universidades e a perseguição a estados e municípios governados por partidos da oposição, sem esquecer do desvio de função de órgãos como o próprio Ibama, a Funai, a Comissão Nacional da Verdade, o INPE ou o MEC, são inúmeros sinais de que a filosofia do capitão é “esta joça, c’est moi”. Às vezes, as iniciativas são barradas, apenas para se esperar a próxima tentativa.

Por que, então, ele não cai? Por que as famosas instituições caminham quase passivamente para sua total desmoralização?

O fato é que, com toda a sua estupidez, Bolsonaro é capaz de intuir a jogada que garante sua permanência no governo. Ele mantém uma base minoritária, mas agressiva, que cada vez mais é direcionada contra o restante da direita. Seus alvos prioritário hoje são o STF, a Globo, o PSL. Antes foram Maia, Mourão, o MBL.

Em suma: qualquer transição para um governo de direita pós-Bolsonaro será visto como o triunfo de uma grande traição, sem possibilidade de composição possível.

Sem a base do bolsonarismo, o restante da direita, para conseguir governar, provavelmente terá que estabelecer algum tipo de negociação com a centro-esquerda. E isso é tudo que ela não quer.

Afinal, o sentido do golpe de 2016 e de seus desdobramentos, entre os quais a própria eleição de Bolsonaro, foi exatamente esse: vetar a presença do campo popular com interlocutor legítimo do debate político.

É esse veto que permite que os retrocessos se acumulem sem que haja qualquer tentativa de convencimento ou espaço de negociação: congelamento do investimento público, sucessivas retiradas de direitos da classe trabalhadora, fim da previdência social, entrega de riquezas ao capital estrangeiro, alienação do patrimônio público.

E a agenda a ser cumprida ainda é longa: reforma tributária em benefício dos mais ricos, abolição da justiça do trabalho, absorção completa do orçamento público pelo rentismo com a retirada da destinação obrigatória de recursos para educação e saúde, destruição final do Estado brasileiro com a extinção do funcionalismo público profissional.

Nossa direita “civilizada”, de Maia a Barroso, de FH aos Marinho, acha desagradável essa convivência forçada com bufões e criminosos comuns. Mas prefere o constrangimento dessa parceria a ter que maneirar o projeto que é seu e do qual o capitão se tornou porta-voz, o projeto de impor às classes populares brasileiras a maior derrota de sua história.

Luis Felipe Miguel

Luis Felipe Miguel

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  • Não é novidade que é necessário criminosos psicopatas para impor reformans neoliberais, a mídia hegemônica é mais uma vez cúmplice. A reforma administrativa vai ser o tiro de misericórida nesse país, se é que ainda necessita de um tiro de misericórdia. O DEM e o PSDB não poderiam nem sonhar com um cenário melhor. Não existe nada de "complexo" ou "novo" na situação atual, é o puro neoliberalismo em seu modo normal de operação.

  • Embora não seja o preferido das elites, o atual governante cumpre uma agenda que interessa diretamente ao poder econômico.
    Retirada de direitos trabalhistas, reforma previdenciária, retirada dos direitos dos servidores públicos, enfraquecimento do poder de fiscalização do estado, privatizações, entrega da riqueza nacional, enfraquecimento da educação e da saúde pública - em benefício dos planos de saúde e do ensino privados, fortalecimento das bancas nacionais e internacionais, enfim, um governo que defende as velhas bandeiras das oligarquias. De quebra, atua no sentido de desmantelar os sindicatos e demais entidades representativas dos menos favorecidos.
    Óbvio que os detentores do poder econômico não se interessam em brecar esta agenda. Se retiram este representante que ocupa a cadeira da presidência, podem mergulhar na incerteza de quem irá sucedê-lo.
    Quem sabe dá PT?

  • Bolsonaro não cai porque nossas "lideranças" -- com muitas haspas -- de esquerda se recusam a levantar a luta pela derrubada do governo JÁ. Boa parte dessas "lideranças" -- com MUITAS haspas -- estão aboletadas em confortáveis gabinetes com ar condicionado e preferem não sair de lá. Estão aguardando 2022 para disputar eleições que nem sabemos se ocorrerão. Enquanto isso, a fome, a miséria e o desemprego se alastram, a Amazônia e o Pantanal são destruídos, a CLT é extinta e a Previdência demolida.
    O povo não vai esperar. O povo do Chile não esperou. Haverá um levante popular selvagem, não por ideologia, mas pelo desespero. Na época de FHC houve muitos saques a supermercados. Ouvia-se então uma frase vinda da boca do povo: "é melhor morrer de tiro que de fome".

  • Delírio de uma Elite Ditatorial Absolutista Esquerdopata Fascista e sua Ditadura de Feudos. Caiu a máscara e a farsa do discurso fácil. Sem mais um Povo doutrinado a ser enganada, a única saída é apelar para o golpe. Tentem. E verão de que lado ficará o Povo. Só uma pista. Aquele mesmo Povo que não foi em multidões pedir pela soltura do último Caudilho. Perceberam a nova realidade ou é preciso desenhar?

  • Prezado Luis Felipe,

    Leio com atenção seus artigos pois estão sempre entre os textos mais lúcidos divulgados pelo GGN. Este seu novo texto é mais um exemplo disso. Mas eu gostaria de acrescentar uma tema que vc não abordou: o apoio dos EUA e do capital internacional ao Bolsonaro. A cada aumento da crise interna de seu governo, o Bolsonaro volt aa anunciar as privaizações de cada vez mais empresas públicas brasileiras - e por este simples mecanismo consegue o apoio do império e do mercado. A proteção e apoio dos EUA e , por extensão, do mercado, ao Bolsonaro é um sério obstáculo a sua queda. O império conta com Bolsonaro e seu governo para se apossar do que resta das riquezas públicas do Brasil, como vc bem sabe.

    Saudações do

    Franklin Frederick

  • E a tal elite brasileira que foi dia a dia, achando normal ser vizinha nos seus condomínios fechados de milicianos, passou a ser infectada a tal ponto, que Bolsonaro não tem a menor dificuldade, mesmo sem uma estratégia precisa, em recrutar e aparelhar o estado brasileiro ao maior estágio miliciano jamais alcançado. Escolhendo agentes do estado já infectados pela cólera e intolerância. O grave é que isto não retorna, pois é uma mentalidade, um "estilo de vida".
    Por outro lado, as "células" por onde foram se normalizando o milicianismo no país tem a grande mão e cérebro da apropriação do poder, ao qual os principais órgãos da imprensa corporativa foram plantando, com especial destaque ao longo das 3 últimas décadas (período da ilusória e iludida democratização). Por este "buraco" foi montada a plataforma de intolerância ao desenvolvimentismo e às matizes da esquerda, com o intuito de implantar o seu tipo de milicianismo, de tomada do estado, para enfraquecê-lo e torná-lo insensível às causas da sociedade e servidor do capital - diga-se, feito bem sucedido. Ao longo deste período, formou-se a geração avessa e separada em seus condomínios, agora adultos, (de)formados e agindo e reagindo em seus altos cargos públicos em especial, procurando meios de limpeza daquilo a que tem aversão e intolerância.
    Por causas diferentes, estão juntos mas não reunidos, por isto tanto caos e amadorismo evidentes em seus atos bate-cabeças e discursos, já que se unem pelo que tem de pior e os piores, juntos, dali não pode sair algo melhor, benéfico. Até a igreja politizada e partidarizada, foi se ajuntando a esta massa através do discurso em prol da aversão e da intolerância ao que é chamado de civilização e por eles de, o mal. Diz-se que no RJ o prefeito Crivela vai normatizar as construções, feitas em áreas invadidas, um processo do milicianismo-liberal "de mercado". Ai que está um dos pontos de união, o que se chama de ganância humana pode surgir também, defendendo diversas causas (já que a ganância é irmã do egoismo): a ilusão do poder sobre os demais (opressão ao que traz medo), a ideologia da prosperidade (exclusivismo), a chance de ocupar os vácuos deixados pelo poder público (voracidade monopolista), a crença na meritocracia e na proteção divina, por se considerar um "cidadão de bem" (separatismo), a fé de que se está em uma missão divina, direcionada pelo próprio Criador (proteção).
    Apesar da realidade do mundo e dos fatos, facilmente romper com estas crenças, a confusão mental advinda desta dicotomia (realidade/devaneios) os tornam separados em seus grupos, mas juntos contra o "inimigo". Lembrando apenas que o vocábulo diabo, traz em seu inicio o DI, porque o diabo tem como função e meta principal, provocar a divisão, a divergência, a dicotomia. Diabo não é uma entidade, é uma mentalidade. Diabo significa em síntese, o que separa. É a divisão em si mesmo, a predisposição para a confusão e a difusão. Quem anda difuso e confuso, aceita facilmente a "promessa da disciplinização", afinal a milícia deriva do meio militar, aquele que "promete" e se preciso intervém pela ordem e imposição das regras e seus excessos. E o maior "mérito" do diabo é fazer crer que o inimigo é externo, sem se aperceber e assim deixá-lo "crescer", pois o diabo nasce da contradição individual entre o intelecto e a mente, a razão e a emoção, a realidade e os sonhos.
    Apertem os cintos, pois o verdadeiro diabo já anda entre nós. Armado e almado.

  • Hoje, o país inteiro vive e sente na carne o que vivem as comunidades controladas pelos milicianos. O cidadão só tem obrigações. É extorquido para ter acesso a bens e serviços de péssima qualidade e ameaçado de punição e/ou desassistência caso não contribua para o sustento do grupo criminoso. O estado não existe nessas comunidades pois "seu braço" nelas é, rapidamente absorvido pela organização. O grupo é livre para matar, roubar, torturar, extorquir, desalojar,condenar,perdoar...

    O que, antes, era uma realidade em comunidade do Rio de janeiro,hoje, domina um país cujas instituições foram compradas pelo crime organizado e silenciam ou mantem-se engessadas diante de seu poder e violência.
    O Rio foi o balão de ensaio para o que fizeram no Brasil inteiro. Querem ter uma noção do funcionamento do MP/ do Judiciário e PF no país inteiro, basta ver como funcionam no RJ. Não por acaso, os maiores entusiastas da milícia na Corte são da cidade um dia conhecida como Cidade maravilhosa, hoje, berço de milicianos igrejeiros.

  • A conclusão do artigo é sinistra, mas é perfeita. Efetivamente estamos diante de um "...projeto de impor às classes populares brasileiras a maior derrota de sua história."
    Contudo, ante a constatação que as classes populares já estão sendo punidas, saber porque este individuo não cai torna-se absolutamente irrelevante pois o mal já está feito.
    Eu gostaria é de entender que tipo de povo alça ao poder tamanha infâmia, que nunca escondeu seu desequilibrio moral e mental, nem o seu descompromisso com a democracia, com a ética, com a verdade e com os reais valores civilizatórios.
    O ano de 2022 precisa começar ainda em 2019. Cabe aos congresso impedir novas atrocidades e cabe às instituições democráticas agir junto a população de forma a ampliar seu horizonte politico, pois precisamos entregar um país igualitário, livre e soberano para nossos filhos e netos.
    E temos pouco tempo para isso.

  • Nassif: o daBala (e Milícias/VerdeSauvas) não cai porque o ZéPovinho se caga de medo de perder o que o SapoBarbudo lhe deu, de mão beijada. Aliás, se não lutou pra ter nem sabe o que custa. Enquanto isso, numa cela em Curitiba...

  • Cairá em algum momento, assim como todos os outros atores do golpe, mas só cairá quando não tiver mais jeito mesmo. Foi assim com Cunha, Temer, Aécio, Janot etc. Como o golpe não tem proposta de governo estável nenhum, apenas destruição, todos cairão, mas se tentará mantê-los o máximo de tempo, para não ter que "queimar" tantos atores de uma só vez. E depois chegará outra aberração. O problema não é o puxa-saco do Ustra, nem o cheirador de MG, nem o vampirão: o problema é o golpe, a juristocracia e sua "nova democracia" (em que só os alinhados irão vencer). Se os povos da AL não tiverem forças políticas que revelem esta questão, os movimentos populares (ou as esquerdas) ficarão gastando energia derrubando atores sem possibilidade real de avançar em questões políticas. Afinal, qual a diferença entre Temer e Bolsonaro? Ambos foram e são muito bem-sucedidos no programa que apresentaram (a "Ponte para o Futuro" e agora o "Future-se"!!), por isto o Capetão não cairá.

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