Por que Bolsonaro precisou demitir Mandetta?, por Rita Almeida

Mandetta precisou ser demitido, porque chamou a atenção pela racionalidade do seu discurso e não por suas sandices.

Por que Bolsonaro precisou demitir Mandetta?

por Rita Almeida

A notícia bomba da semana foi a demissão do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Ao que parece, Bolsonaro não dispensou o Ministro por erros de condução na política, e nem por impopularidade. Apesar de um histórico político nada afinado com a saúde pública, Mandetta, orientado pela Organização Mundial de Saúde e pela ciência especializada, soube ler o tamanho dos riscos da pandemia de Coronavírus e fazer bom uso da maior arma que tinha para combatê-la: o SUS. Desse modo soube liderar com serenidade e responsabilidade as ações do Ministério, inclusive aquelas que desagradavam o próprio presidente e a política econômica de Paulo Guedes. Além disso, Mandetta conseguiu um feito inédito no governo Bolsonaro, saiu da cadeira acumulando um índice de aprovação de 76%.

Resumindo, Mandetta foi demitido por conseguir fazer o que Bolsonaro jamais conseguiu fazer como líder maior da Nação: fazer bom uso das instituições, manter um discurso coerente e responsável, liderar politicamente e alcançar uma popularidade que garantisse a representatividade democrática.

Só que Bolsonaro não teve o sucesso de Mandetta apenas por falta de habilidade, competência e cognição. Bolsonaro jamais será capaz de fazer algo assim porque este não é, nem nunca foi seu estilo de liderança. O Bolsonarismo governa por um outro método: o método fascista.

Existe uma confusão que não deveríamos fazer entre Estado Fascista e Estado Autoritário ou Totalitário. A característica mais importante do Fascismo não é o autoritarismo, mas a colonização e a gestão permanente da iminência de uma revolução. O interesse do Fascismo não é pelo controle racional da população por meio da força política ou de gestão do Estado, como fazem os Estados Autoritários, o que o Fascismo pretende controlar são nossos afetos.

Sendo assim, para manter os afetos das massas sob seu controle, o Estado Fascista precisa ser o maior produtor desses mesmos afetos, especialmente medo e ódio – nossos afetos mais primitivos. Para evitar o medo e se proteger do ódio, as massas aceitam qualquer tipo de liderança. O líder fascista promete cuidar das massas mas, de fato, o que ele oferece é ainda mais medo e ódio. Portanto, sua aposta é sempre no caos. Só assim ele se mantém permanentemente necessário, ofertando uma promessa jamais cumprida de proteção e cuidado. O Estado Fascista precisa se manter em movimento perpétuo de guerra.

Por isso, o fascismo combina muito bem com as propostas das economias liberais: desmontar políticas públicas, destruir os sistemas de proteção social, enfraquecer conselhos e outras redes de controle social. A promessa é reduzir o “peso” do Estado na vida do cidadão e dar a ele maior “liberdade”, mas, na verdade, o objetivo é apenas vulnerabilizar as pessoas e fragilizar os laços sociais, ou seja, manter o medo e o ódio na ordem do dia.

Mandetta precisou ser demitido, porque interviu fazendo laço e acalmando os ódios.

Mandetta precisou ser demitido, porque reduziu a circulação do medo.

Mandetta precisou ser demitido, porque chamou a atenção pela racionalidade do seu discurso e não por suas sandices.

Mandetta precisou ser demitido, porque ameaçava ordenar o caos.

E assim, Mandetta demonstrou à sociedade brasileira, na prática, que a despeito de toda a polarização política, de todo o ódio que foi plantado, ou de todas as mentiras e delírios que circularam nos últimos anos, 76% da população brasileira deseja apostar nas suas instituições, na ciência, na verdade e no debate político racional. Eu não nutro nenhuma simpatia pelo Mandetta – não me esqueci que ele foi um dos responsáveis pela queda do governo Dilma e que alimentou esse monstro que está nos devorando hoje – mas é preciso admitir que ele soube fazer o que um líder democrata deve fazer: se servir das instituições e da racionalidade científica e política, para catalisar o desejo da população em prol da vida da coletividade.

A gestão de Mandetta anunciou o seguinte: a maioria da população brasileira não deseja e nem merece um governo fascista. A maioria de nós não está disposto a morrer em nome da ignorância ou da estupidez de alguns. A maioria de nós acredita na ciência e nas instituições que criamos para cuidar da coletividade. A maioria de nós sabe sim superar a dicotomia petralhas x bolsominions, quando vemos alguém sustentar um discurso coerente e responsável. A maioria de nós sabe que Bolsonaro não está investido de nenhum poder divino que possa resolver o problema que estamos enfrentando.

Eu não sei como fazer isso, mas é hora de, no nosso dia a dia, identificar os que fazem parte desses 24% da população e ignorá-los solenemente. Ignorá-los presencialmente e virtualmente. Deixá-los falando sozinhos. Bloqueá-los. Não pronunciar seus nomes, não lhes dirigir nem mesmo nosso ódio ou nosso medo. É desses afetos que o Bolsonarismo se alimenta e nos mantém reféns.

Eu não faço ideia de como mobilizar isso coletivamente, mas é isso que deveríamos fazer, e rápido.

Rita Almeida

Redação

9 Comentários

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  1. “A maioria de nós acredita na ciência e nas instituições que criamos para cuidar da coletividade.” Não diga??? Estamos falando da massa iganara, que foi ao delírio quando, ainda no palanque, esse malfeitor disse que o correto seria matar uns 30.000??? Que celebrou abertamente a memória do torturador Ustra??? Na verdade, Quem não merece isso tudo que tá aí é a minoria, inclusive dos votantes.

  2. Na verdade, Jaircopata precisou demitir Mandetta por este ter amealhado o que o miliciano jamais conseguirá: apoio maciço da população; a tempestade perfeita, relembro, seria Mandetta ter saído, levando consigo a tarja de fujão, mas ele não mordeu a isca. Teve que ser saído. E as escoriações no apoio ao “micto” não foram de pouca monta. Basta dizer que o Presidente Operacional tentou segurar Mandetta até onde possível. E agora, Jaircopata anseia pela dizimação. E com o ministro da pasta “vendendo saúde”, eles esperam pela mortandade; será o embate secular: ciência X obscurantismo.

  3. “Eu não faço ideia de como mobilizar isso coletivamente, mas é isso que deveríamos fazer, e rápido.”

    Rápido acho difícil, movimentos coletivos são lentos. Mas me parece que conscientizarmo-nos do nefasto que há no dólar dos EUA é o caminho. Tá bom, tem os frank-sinatars e as leides-gagas de que acostumamo-nos a gostar. Mas se você reparar absolutamente TODOS os países, sem exceção, que baseiam sua economia naquela moeda estão na pior. Ao mesmo tempo, os que construiram alternativas, vão até que bem. E essa é a parte difícil: “Como abrir mão do dólar se são dólares que tenho? Também eu quero ser rico! Dane-se a coletividade!”

    Assim, se foi necessário a Bolsonaro demitir Mandetta, imagina o que seria “demitirmos” o dólar – e tudo que o segue – de nossos corações e mentes…

  4. Não creio que Mandetta colocou o SUS como cabeça de ponte no ataque ao covid 19.
    O que Mandetta sempre pensou, nós já conheciamos do impechment e no corte de verbas do orçamento para saúde.
    O problema do Mandetta era que se o SUS não interviesse, os planos de saúde que terão que ser socorridos pelo SUS iriam à falência.
    Portanto Mandetta e Bolsonaro jogavam no mesmo time, mas, Bolsonaro quer o caos urgente e não no longo prazo.

  5. Mas afinal o que fez o Mandetta para virar um herói para a esquerda?
    Não temos testes.
    Não temos respirados.
    Não temos UTIS.
    Não sabemos o tamanho da epidemia.
    A única coisa que fazia era ler dados da epidemia totalmente sub notificados.
    E dizer assim: Fique em casa porque não vamos fazer nada.

    1. O herói que boa parte do Brasil está tentando desmistificar é um sujeito que antes desta crise e sempre na direita raivosa trabalhou para:
      Desativar o “Mais Médicos” aqueles cubanos
      Desativar o SUS para beneficiar os planos de saúde privados aos quais a família toda prestava serviços
      Desativar qualquer participação do Estado na proteção Social
      Se quer mais informações…estão disponíveis sem filtros.

  6. Por conveniência, e não por convicção, o Mandetta deixou de rezar pela cartilha do Bolsa de Bosta e, por isso, foi expulso do Governo Miliciano.

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