Por que o salto de 7,7% do PIB no 3º trimestre é totalmente ilusório, por Lauro Veiga Filho

A economia despencou num poço de 11 metros de profundidade, conseguiu subir quase oito metros de volta, mas o fim do auxílio emergencial e as incertezas geradas pela falta de direção na política econômica poderão adiar a saída do buraco para o final de 2022

Por que o salto de 7,7% do PIB no 3º trimestre é totalmente ilusório

por Lauro Veiga Filho

Uma imagem absolutamente prosaica poderá ajudar a entender o que vem ocorrendo com a economia brasileira em tempos de pandemia e sofrimento geral (menos para a alta cúpula de Brasília, que acredita no poder da cloroquina e nas vantagens da ignorância estrutural). Imagine que alguém tenha despencado num poço de pouco mais de 11 metros de profundidade. Agora imagine que essa pessoa tenha conseguido escalar perto de oito metros desde o fundo do poço, ao longo dos três meses seguintes, graças, em parte, a medidas de socorro adotadas por um grupo de parlamentares. À medida em que se cumpre a subida ao topo, no entanto, a empreitada vai se tornando mais desafiadora, porque parte das forças foram perdidas na primeira etapa da retomada, drenadas pela redução da ajuda provida pelo auxílio emergencial aprovado pelo Congresso.

O restante da escalada deverá exigir alguma forma de apoio adicional, que poderá não vir, adiando a chegada ao topo – e, portanto, alongando todo o sofrimento decorrente da queda por mais um período. Desorientada, a equipe econômica prefere discutir a retomada de medidas de arrocho fiscal já no próximo ano, como forma de conter o endividamento público, desconsiderando o agravamento no número de casos e mortes pelo Sars-CoV-2 no País e a escalada do desemprego. As incertezas à frente, agravadas pela contaminação novamente acelerada e aliviadas apenas momentaneamente pelo anúncio da vacinação próxima, os cortes nos recursos destinados a aliviar os efeitos da pandemia e a falta de direção na área econômica tendem a alongar a retomada para o final de 2022, segundo projeta a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Produto Interno Bruto (PIB) acumulou retração próxima a 11,0% nos seis primeiros meses deste ano e experimentou um salto de 7,7% na comparação entre o terceiro e o segundo trimestres deste ano. Na mediana das previsões, segundo a agência Bloomberg, o mercado esperava um crescimento de 8,7%, com algumas instituições mais “animadas” chutando crescimento de 9,1%, a exemplo do BTG Pactual. Algumas observações a respeito desse “salto”, absolutamente enganoso, porque não reflete de fato uma retomada substancial e duradoura. Primeira: uma parte relevante desse desempenho foi sustentado pelo “pacote” de medidas fiscais (gastos mesmos) que o Congresso e a pressão da sociedade levaram o governo a adotar.

Entre julho e setembro, o gasto total relacionado à Covid-19 somou R$ 229,558 bilhões (algo como 12,1% do valor acumulado pelo PIB no terceiro trimestre). Entre março e outubro, essa despesa somou R$ 440,559 bilhões, o que significa dizer que o terceiro trimestre respondeu por 52,1% dos desembolsos totais até ali. Mas esse tipo de gasto sofreu forte retração desde agosto, quando havia alcançado R$ 93,133 bilhões, chegando a pouco menos de R$ 29,127 bilhões em outubro, num corte de 68,73% (o que deverá influir no desempenho da atividade econômica nos trimestres seguintes, mas de forma negativa desta vez).

Um “V” (muito) maroto

Segunda observação: o “salto” do PIB no terceiro trimestre, como parece evidente, ainda não havia sido suficiente para que a economia pudesse sair do poço em que desabou. Segundo a Folha de S. Paulo, o coordenador do Núcleo de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Claudio Considera, acredita que a economia vem saindo lentamente da recessão, com grandes incertezas à frente sobre o ritmo dessa recuperação. Não se trata, definitivamente, de uma “retomada em V”, como tem alardeado o sr. Paulo Guedes e seus seguidores (ou seja, um tombo vigoroso em curto espaço de tempo, seguido de uma recuperação igualmente forte e em alta velocidade). “O ‘V’ tem a ver com o buraco que nós caímos, não com a subida que tivemos. É um ‘V’ meio maroto, que ainda não chegou ao ponto antes da pandemia. Não sabemos se a perninha [para cima] dele vai continuar firme”, afirmou Considera.

O caso da indústria, que perdeu um quarto de seu PIB entre o final de 2019 e junho deste ano e cresceu 14,8% no terceiro trimestre, comparado ao trimestre imediatamente anterior, é exemplar. O setor claramente havia paralisado uma porção relevante de seu parque de fábricas e voltou a religar gradualmente suas máquinas após a suspensão das medidas de restrição à circulação de pessoas (lembrando que alguns setores, a exemplo das indústrias de alimentos e de medicamentos, continuaram operando).

Ainda assim, o PIB industrial mostra recuo de 0,9% em relação ao terceiro trimestre do ano passado e acumula perdas de 5,1% frente aos nove primeiros meses de 2019. O PIB da indústria de transformação, que havia encolhido 1,1% e 19,1% no primeiro e no segundo trimestres deste ano, saltou 23,7% no terceiro (sempre considerando os três meses imediatamente anteriores). Em relação ao terceiro trimestre de 2019, recuou 0,2% e ainda experimentava uma queda acumulada de 7,4% entre janeiro e setembro deste ano em relação aos mesmos nove meses de 2019. No setor de serviços, mais afetado pela crise sanitária, a atividade avançou 6,3% no terceiro trimestre (frente aos três meses anteriores), com retrocedeu 5,3% em três trimestres.

OCDE alerta

Como consequência, a economia em geral segue trajetória semelhante. Cresceu aqueles 7,7% na saída do segundo para o terceiro trimestres deste ano, mas caiu 3,9% em relação ao mesmo trimestre de 2019 e acumula perdas de 5,0%. As previsões para o ano variam de uma queda de 4,1% (estimativa do Itaú BBA) até retração de 6,0%, na projeção mais recente da OCDE. A instituição trabalha com previsão de baixa de 6,4% para a demanda doméstica total, refletindo retração de 7,0% no consumo das famílias, recuo de 1,6% no consumo do governo e retrocesso de 10,2% para o investimento (que deverá encerrar 2021 ainda em baixa, recuando 0,4%).

A mesma OCDE adverte, em seu mais recente panorama sobre a economia mundial, que a suspensão dos benefícios sociais emergenciais deverá afetar negativamente a recuperação brasileira nos primeiros meses de 2021, antes que a perspectiva de início da vacinação contra a Covid-19 ajude a mudar o clima na economia. Isso ajudaria a adiar ainda mais a recomposição integral da economia. “Essas projeções deverão permitir que a atividade econômica retorne a níveis próximos aos observados antes da pandemia no final de 2022”, sentencia a organização.

Consumo e investimento

No terceiro trimestre deste ano, o consumo das famílias e os investimentos saltaram 7,6% e 11,0% frente ao trimestre anterior, mas despencaram 6,0% e 7,8% diante do terceiro trimestre de 2019. A reação ocorreu exatamente porque as perdas nas duas áreas haviam sido muito intensas nos meses anteriores e, como mostram os dados do PIB, tanto o consumo como os investimentos continuavam muito abaixo dos níveis do ano passado. No acumulado do ano, o consumo das famílias baixou 6,3%, diante de queda de 5,5% para os investimentos.

Em mais um dado para ajudar a colocar a taxa de crescimento no terceiro trimestre em perspectiva, o índice do IBGE para o PIB, com os devidos ajustes sazonais, registra baixa de 6,3% frente ao mesmo intervalo de 2008. Desde o terceiro trimestre de 2016, ou seja, ao longo de 16 trimestres, o PIB variou somente 0,8%.

Mais um “detalhe” a anotar: a queda de 3,4% acumulada pelo PIB em 12 meses até o terceiro trimestre do ano foi o segundo pior resultado para o período em toda a série histórica iniciada em 1996, “perdendo” apenas para o tombo de 4,1% acumulado nos quatro trimestres encerrados em setembro de 2016, durante a última recessão.

Redação

1 Comentário

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  1. É muita porcentagem que não diz nada. A verdade é uma só: Essa gatunagem que deu o golpe contra a presidenta Dilma precisa fazer o PIB aumentar em U$ 600 bilhões para atingir o “pibinho”,ou seja,o golpe nos roubou,até agora, 4 vezes 600 bilhões de dólares, 2trilhões e 400 bilhões. E o problema é o salário mínimo? O déficit da previdência? Ou será a corupção na Petrobrás.
    Essa gatunagem precisa toda ser enforcada em praça pública junto com seus patrões dos falcões do norte.

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