Por que votar em Dilma, por Roberto Mangabeira Unger

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Da Folha de S. Paulo
 
Por que votar em Dilma
 
Por Roberto Mangabeira Unger
 
O povo brasileiro escolherá em 26 de outubro entre dois caminhos. Que escolha o rumo audacioso da rebeldia nacional e afirme a grandeza do Brasil
 
O povo brasileiro escolherá em 26 de outubro entre dois caminhos.
 
As duas candidaturas compartilham três compromissos fundamentais, além do compromisso maior com a democracia: estabilidade macroeconômica, inclusão social e combate à corrupção. Diferem na maneira de entender os fins e os meios. Diz-se que a candidatura Aécio privilegia estabilidade macroeconômica sobre inclusão social e que a candidatura Dilma faz o inverso. Esta leitura trivializa a diferença.
 
Duas circunstâncias definem o quadro em que se dá o embate. A primeira circunstância é o esgotamento do modelo de crescimento econômico no país. Este modelo está baseado em dois pilares: a ampliação de acesso aos bens de consumo em massa e a produção e exportação de bens agropecuários e minerais, pouco transformados. Os dois pilares estão ligados: a popularização do consumo foi facilitada pela apreciação cambial, por sua vez possibilitada pela alta no preço daqueles bens. Tomo por dado que o Brasil não pode mais avançar deste jeito.
 
A segunda circunstância é a exigência, por milhões que alcançaram padrões mais altos de consumo, de serviços públicos necessários a uma vida decente e fecunda. Quantidade não basta; exige-se qualidade.
 
As duas circunstâncias estão ligadas reciprocamente. Sem crescimento econômico, fica difícil prover serviços públicos de qualidade. Sem capacitar as pessoas, por meio do acesso a bens públicos, fica difícil organizar novo padrão de crescimento.
 
O país tem de escolher entre duas maneiras de reagir. Descrevo-as sumariamente interpretando as mensagens abafadas pelos ruídos da campanha. Ficará claro onde está o interesse das maiorias. O contraste que traço é complicado demais para servir de arma eleitoral. Não importa: a democracia ensina o cidadão a perceber quem está do lado de quem.
 
1. Crescimento econômico. Realismo fiscal e manutenção do sacrifício consequente são pontos compartilhados pelas duas propostas. Aécio: Ganhar a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros. Restringir subsídios. Encolher o Estado. Só trará o crescimento de volta quando houver nova onda de dinheiro fácil no mundo. Dilma: Induzir queda dos juros e do câmbio, contra os interesses dos financistas e rentistas, sem, contudo, render-se ao populismo cambial. Usar o investimento público para abrir caminho ao investimento privado em época de desconfiança e endividamento. Apostar mais no efeito do investimento sobre a demanda do que no efeito da demanda sobre o investimento.
 
Construir canais para levar a poupança de longo prazo ao investimento de longo prazo. Fortalecer o poder estratégico do Estado para ampliar o acesso das pequenas e médias empresas às práticas, às tecnologias e aos conhecimentos avançados. Dar primazia aos interesses da produção e do trabalho. Se há parte do Brasil onde este compromisso deve calar fundo, é São Paulo.
 
2. Capital e trabalho. Aécio: Flexibilizar as relações de trabalho para tornar mais fácil demitir e contratar. Dilma: Criar regime jurídico para proteger a maioria precarizada, cada vez mais em situações de trabalho temporário ou terceirizado. Imprensado entre economias de trabalho barato e economias de produtividade alta, o Brasil precisa sair por escalada de produtividade. Não prosperará como uma China com menos gente.
 
3. Serviços públicos. Aécio: Focar o investimento em serviços públicos nos mais pobres e obrigar a classe média, em nome da justiça e da eficiência, a arcar com parte do que ela custa ao Estado. Dilma: Insistir na universalidade dos serviços, sobretudo de educação e saúde, e fazer com que os trabalhadores e a classe média se juntem na defesa deles. Na saúde, fazer do SUS uma rede de especialistas e de especialidades, não apenas de serviço básico. E impedir que a minoria que está nos planos seja subsidiada pela maioria que está no SUS. Na segurança, unir as polícias entre si e com as comunidades. Crime desaba com presença policial e organização comunitária. A partir daí, encontrar maneiras para engajar a população, junto do Estado, na qualificação dos serviços de saúde, educação e segurança.
 
4. Educação. Aécio: Adotar práticas empresariais para melhorar, pouco a pouco, o desempenho das escolas, medido pelas provas internacionais, com o objetivo de formar força de trabalho mais capaz.
 
Dilma: A onda da universalização do ensino terá de ser seguida pela onda da qualificação. Acesso e qualidade só valem juntos. Prática empresarial, porém, tem horizonte curto e não resolve. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia indicam o caminho: substituir decoreba por ensino analítico. E juntar o ensino geral ao ensino profissionalizante em vez de separá-los. Construir, do fundamental ao superior, escolas de referência. A partir delas, trabalhar com Estados e municípios para mudar a maneira de aprender e ensinar.
 
5. Política regional. Aécio: Política para região atrasada é resquício do nacional-desenvolvimentismo. Tudo o que se pode fazer é conceder incentivos às regiões atrasadas. Dilma: Política regional é onde a nova estratégia nacional de desenvolvimento toca o chão. Não é para compensar o atraso; é para construir vanguardas. Projeto de empreendedorismo emergente para o Nordeste e de desenvolvimento sustentável para a Amazônia representam experimentos com o futuro nacional.
 
6. Política exterior. Aécio: Conduzir política exterior de resultados, quer dizer, de vantagem comerciais. E evitar brigar com quem manda. Dilma: Unir a América do Sul. Lutar para tornar a ordem mundial de segurança e de comércio mais hospitaleira às alternativas de desenvolvimento nacional. E, num movimento em sentido contrário, entender-nos com os EUA, inclusive porque temos interesse comum em nos resguardar contra o poderio crescente da China. Política exterior é ramo da política, não do comércio. Poder conta mais do que dinheiro.
 
7. Forças Armadas. Aécio: O Brasil não precisa armar-se porque não tem inimigos. Só precisa deixar os militares contentes e calmos. Dilma: O Brasil tem de armar-se para abrir seu caminho e poder dizer não. Não queremos viver em um mundo onde os beligerantes estão armados e os meigos, indefesos.
 
8. O público e o privado. Aécio: Independência do Banco Central e das agências reguladoras assegura previsibilidade aos investidores e despolitiza a política econômica. Dilma: A maneira de desprivatizar o Estado não é colocar o poder em mãos de tecnocratas que frequentam os grandes negócios. É construir carreiras de Estado para substituir a maior parte dos cargos de indicação política. E recusar-se a alienar aos comissários do capital o poder democrático para decidir.
 
Aécio propõe seguir o figurino que os países ricos do Atlântico Norte nos recomendam, porém nunca seguiram. Nenhum grande país se construiu seguindo cartilha semelhante. Certamente não os EUA, o país com que mais nos parecemos. Ainda bem que o candidato tem estilo conciliador para abrandar a aspereza da operação.
 
Dilma terá, para honrar sua mensagem e cumprir sua tarefa, de renovar sua equipe e sua prática, rompendo a camisa de força do presidencialismo de coalizão. E o Brasil terá de aprender a reorganizar instituições em vez de apenas redirecionar dinheiro. Ainda bem que a candidata tem espírito de luta, para poder aceitar pouco e enfrentar muito.
 
Estão em jogo nossa magia, nosso sonho e nossa tragédia. Nossa magia é a vitalidade assombrosa e anárquica do país. Nosso sonho é ver a vitalidade casada com a doçura. Nossa tragédia é a negação de instrumentos e oportunidades a milhões de compatriotas, condenados a viver vidas pequenas e humilhantes. Que em 26 de outubro o povo brasileiro, inconformado com nossa tragédia e fiel a nosso sonho, escolha o rumo audacioso da rebeldia nacional e afirme a grandeza do Brasil.
 
ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 67, professor na Universidade Harvard (EUA), é autor do manifesto de fundação do PMDB e ativista em Rondônia. Foi ministro de Assuntos Estratégicos (governo Lula)
 
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

18 Comentários

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  1. ah sei….

    que legal usar  o depoimento do ex funciona’rio de daniel dantas…. collor e o filho do renan pra discursar sobre corrupção…… sarney, maluf, katia abreu…

    #SQN

  2. Apoia, só que não….

    Incrível como o ex-ministro, assim como Nassif e vários comentaristas apoiam a reeleição de Dilma discordando de vários alicerces de sua gestão, reconhecendo erros crassos como a centralização, modelo de crescimento exaurido, péssima equipe, etc., como se de fato REeleger fosse colocar um governo novo no lugar…. incrível!

    1. Governar é aprender.

      Calvin, não é incrível ! Incrível é vc. não entender, que após alguns “erros crassos” qualquer administrador, aprende e corrige seus rumos, e reinventa a fórmula mal-sucedida. A reeleição não é a salvação, como tampouco a troca de comando, e o risco de um retrocesso, seja a saída. Relembre-se da 1ª gestão Lula, e compare-a com a 2ª, quando ele surpreendeu até aos mais pessimistas, e tirou o Brasil do atoleiro que herdou da adm. neo-liberal do FHC. Acredito, que num 2º mandato, e com as coordenadas mais favoráveis, a Dilma avançará e colocará o pais, no rumo certo.

      1. A solução pragmática – o que é possível mudar

        Nem Dilma, nem Aécio levam 100% do governo, nem perdem também.

        Na minha humilde opinião, esta eleição é como a outra, com dois candidatos farinhas do mesmo saco, que figem não perceber que a Luta de Classes atuais é entre os Plutocratas X Resto dos humanos no planeta.

        Ficam cheio de dedos de sequer mencionar a possibilidade disto ser verdade, o que está cada vez mais difícil, pois o Nobel de Economia para o Francês é para um trabalho que expõe o privilégio dos Carteis mundiais, que são propriedade da elite plutonômica, a que não pode ser sequer referenciada, quanto mais exposta e nomeada.

        A hipocrisia é geral, Mangabeira incluso.

        Vivemos em tempos interessantes.

        Ps. O povo não é bobo. Dilma, acorda! Rompe o silêncio e mostra que voce veio para fazer a diferença. Os BRICS vão te apoiar.

        1. FMI sem bala na agulha

          IMF Admits They Are Clueless to Solve World Economic Crisis

          Posted on October 12, 2014 by 

          Lagarde-Christine-4

          At the meeting of the IMF and the World Bank, we began to see for the first time some blow-back against Obama’s hand-picket lawyer masquerading as the world leading of international finance. There were significant rifts between supporters and opponents of new state investment programs that LaGarde and Obama are trying to pull off taking pensions and squandering them on infrastructure that only produces temporary jobs anyway.

          The LaGarde at the IMF warned at of the risks in the financial systems that amount to the shadow banks with a market of $71 trillion dollars. She asserted that this is a tremendous danger on the basis it is not regulated by her. Effectively, she wants to seize control of such money to bailout governments without reform.

          Lawyers who prefer politics to rule the world are different from private lawyers. They are the same type of people Shakespeare wrote – the first thing we do is kill all the lawyers. They were the king’s lawyers (prosecutors) since private people were not allowed to hire lawyers. These type of people are high on their power and only see things as writing laws to force people to do what they demand. The cannot understand just how do you stimulate an economy by raising taxes. They want to tax you 80% and then want to charge you negative interest rates if you do not spend what you have left. They are totally insane. They cannot comprehend where is economic growth supposed to come from?

          The only economy that has been holding up the Euro is Germany. Yet they impose Obama-Sanctions that have devastated the European economy. The German economy is on its knees, primarily due to the decline in exports.There is a growing battle starting to rage between politicians and real economists, yet within the economic community there is a huge division with the majority being closet communists and agree with the power of the state. Nobody is articulating a strategy against the looming economic slowdown that can only be based upon reform and lowering taxes. The conflict between the two camps had repercussions rising to the surface.

          In order to promote sustainable growth, there is no consideration that even talks about restructuring the world economy. We face a serious economic collapse sparking a Sovereign Debt Crisis that can only be viewed against the backdrop of historically high debt levels. We are headed into an economic storm that can be measured on the Richter magnitude scale of earthquakes that might be really shocking. This is an unbelievable toxic combination of escalating taxation with aggressive enforcement and astonishing global record debt levels thanks to the banking crisis of 2007 for to bail out the banks, global debt shows a sustained rising trend that has reached nearly 175% increase since the crisis began with no hope of stopping before 2020. This lethal combination will be our undoing and these people cannot grasp that taking what savings people have left will accelerate our demise.

          It was extremely interesting that at the meeting in Washington President François Hollande of France and the Italian Prime Minister Matteo Renzi insisted to push the consolidation of public finances in favor of economic programs on the back burner In other words – hello! They are now arguing for what I warned has to be done from the start – a single currency required a single debt. But this is too little too late. They have already lost the confidence of world capital.

          German Finance Minister Schäuble protested against Obama-LaGarde’s proposal to spend on infrastructure. Schäuble does not want to grant additional funds beyond the already planned investments in infrastructure. Largarde warned that Germany must take care not to go beyond the EU deficit limits. She wants to seize private funds not public to pretend the deficits are under control. Again, window-dressing without substance. Clearly, any pretend stimulation of demand through higher government spending has already produced nothing. If you keep raising taxes and enforcement, then where is the private spending coming from if disposable income continues to decline? Those in government are lawyers and just assume they can write laws to defeat the free market.

          The bottom-line is they are clueless how to manage the economy. They just do not teach this stuff is law schools – sorry! All they could do was the IMF invited countries to engage in economic risk-taking to push economic growth. At the same time, the IMF insists on austerity to promote the control of financial excesses. The IMF is just clueless and has articulated nothing as a solution.

           

      2. Aprendizado saiu caro!

        E a governanta não aprendeu….

        o 1º mandato de Lula foi MUIIITTOOOOOO melhor que o 2º, aonde cairam Pallocci e outros e começaram as feitiçarias que se tornaram em herança contra a feiticeira…..

  3. Limpo e claro.
    No dia de hoje

    Limpo e claro.

    No dia de hoje várias matérias da Folha e do Estadão criticando a política apresentada por Aécio e conhecida por todos os que querem pensar.

    Será que os jornalões caíram na real que as propostas de Aécio são péssimas para os seus financiadores?

    Ou é banho Maria corporativo para se protegerem do criminoso vazamento dos depoimentos dos réus Paulo Costa e Yousseff?

    Ou ainda, querem se mostrar imparciais na reta final da campanha depois de tudo o que fizeram contra a campanha de Dilma?

    1. Mea culpa hipócrita

      Acho que julgam já terem feito seu candidato vitorioso. Então podem agora colocar um verniz de independência para manter as aparências.

    2. Limpo e claro

      Poderia ainda ser  mencionada uma terceira posição dos jornalões:

      – a defesa da indústria paulista que com Aécio e seu Armínio levariam o país à “austeridade” e suas conhecidas consequências: estagnação econômica, desemprego, contração do mercado interno, juros altos, etc, etc.

      Apenas a finança e suas maracutaias seriam protegidas.

      Dos males o menor.

  4. Minha tese é que quem
    Minha tese é que quem determinou o momento atual da . política externa do Brasil foi este Sr..
    De acordo com ele, ser independente é poder discordar. Ponto

  5. Uma opinião sem terrorismo.

    Basta que lembremos, que o Mangabeira Unger, não simpatiza nada com o PT, nem gosta do Lula, porem enxerga na reeleição da Dilma, a única chance de avançarmos embora lenta, porem gradativamente, sem sobresaltos nem retrocessos políticos e economicos.

    As comparações feitas entre as duas propostas, não condenam totalmente as ideias neo-liberais do PSDB, porem mostra a inadequação das mesmas, à atual realidade e momento economico brasileiro. Seria um choque que a sociedade não estaria capacitada a assimilar totalmente, e as intenções(louváveis porem inexecutáveis)macro-economicas, teriam um preço absolutamente incapaz de ser pago, pela nova sociedade de consumo, que teria que absorver um tranco, que somente depois de um longo tempo, talvez troxesse resultados.

  6. Aécio planejou partindo dos erros do governo atual…

    mas quem melhor pode corrigí-los partindo dos acertos? Dilma, é claro

    ninguém que não saiba o que é acertar tem capacidade para corrigir qualquer tipo de erro

    se tivesse capacidade, não teria perdido Minas Gerais

  7. A postura de já ganhou de

    A postura de já ganhou de Aécio e PIG, a propaganda cinematográfica, o cunho novelesco dos capítulos que se desenrolam, hum, isto está cheirando a fraude eleitoral. Com a terceirização da operação das urnas para um tucano.  Aquela barrinha ao final do voto que não estava lá na eleição passada me parece o ponto vunerável do voto, não me senti seguro que o meu voto foi corretamente registrado.

  8. Esse Mangabeira é meio lunático

    Não faz muito tempo ele disse: Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos”

    E logo depois, ganhou uns agrados de Lula. Confira no link ou ná página da Folha..

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1511200506.htm

  9. Esse Mangabeira é meio lunático

    Não faz muito tempo ele disse: Afirmo que o governo Lula é o mais corrupto de nossa história nacional. Corrupção tanto mais nefasta por servir à compra de congressistas, à politização da Polícia Federal e das agências reguladoras, ao achincalhamento dos partidos políticos e à tentativa de dobrar qualquer instituição do Estado capaz de se contrapor a seus desmandos”

    E logo depois, ganhou uns agrados de Lula. Confira no link ou ná página da Folha..

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1511200506.htm

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