A totalidade é uma categoria cara a hegelianos e marxistas: o todo de um sistema está também nas partes. Um objeto não deve ser entendido em isolamento, e sim em suas relações com outras partes e em sua posição no sistema. O todo, por sua vez, não é totalidade abstrata, e sim nexo das relações entre as partes ou, na célebre formulação de Marx, síntese de múltiplas determinações.
Os riscos que muitos marxistas não evitaram são, primeiro, a banalidade, quando a análise rigorosa da parte é substituída pelo argumento de que “isto nada mais é” do que expressão de um problema mais geral. Segundo, o economicismo: tomar cada objeto como reflexo direto de alguma determinação econômica oculta.
Nancy Fraser e Rahel Jaeggi escreveram este brilhante Capitalismo em debate, livro que rejeita a banalidade e o economicismo sem abandonar o marxismo e sua pretensão totalizante. Não propõem que entendamos tudo de um modo novo, mas pelo menos que entendamos o capitalismo com uma riqueza de relações que surpreenderia quiçá o próprio Marx.
O capitalismo não é tomado apenas como modo de produção, mas como ordem social institucionalizada que compartimenta e hierarquiza esferas da vida: a economia regida pela finalidade da acumulação de capital; a reprodução social, na qual os humanos são criados, têm afetos e se aculturam; a natureza; o Estado.
A história do capitalismo é entendida como o vetor de um jogo de forças em que a organização institucional da ordem social se estabiliza por décadas, apenas para ser tensionada pelas contradições do sistema. Dois Karls (Marx e Polanyi) são mobilizados para que, superando os pontos cegos de cada um, as autoras teçam com elegância uma nova visão do capitalismo no longo prazo.
Separada institucionalmente, a “economia” do capitalismo parece não se integrar às demais esferas, embora não se reproduza sem aquilo que busca subordinar: humanos, natureza e Estado. Induzida pela concorrência na busca por enriquecimento, a acumulação de capital tende a rejeitar os custos e as normas da reprodução social, da ecologia e da democracia.
O cenário para a crise está armado. Não apenas a crise econômica que o sistema impõe a si mesmo ao concentrar renda/riqueza e superproduzir bens e serviços, ativos e passivos financeiros. Também a crise da reprodução social, à medida que família, escola, saúde e aposentadoria sofrem pressões crônicas de financiamento e são tensionadas pelas lógicas da competição, da desigualdade, do patriarcado e do racismo.
Crise da natureza, subordinada pelo capitalismo como fonte inesgotável de insumos e destino infinito de rejeitos poluentes. Do Estado, capturado por interesses privados e premido pela pressão capitalista para rebaixamento de custos tributários, trabalhistas e regulatórios, para redução da “carga” dos direitos democráticos, sociais e ambientais em nome do Estado-competição.
Para enfrentar a complexidade da crise, não basta lutar pelo reconhecimento de identidades culturais. A afirmação tolerante da diversidade é imprescindível, mas uma nova síntese à esquerda precisa superar o neoliberalismo progressista e, cada vez mais, o regressivo e autoritário. Nesse sentido, Fraser e Jaeggi fornecem um poderoso mapa para a reconstrução do socialismo democrático no século XXI.
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