Prisão de Crivella: Fascismo judicial, partidarização do judiciário e reação da política, por Rogerio Dultra dos Santos

Fundamentada em uma "narrativa" que transforma ilações e indícios em certezas, a decisão do TJ do Rio reforça a impressão de que entramos num novo capítulo da relação de dominação entre judiciário e política.

Foto El País

Prisão de Crivella: Fascismo judicial, partidarização do judiciário e reação da política

por Rogerio Dultra dos Santos

A prisão do Prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, nas vésperas do Natal, e a nove dias de deixar o cargo, é tudo menos um desdobramento do devido processo legal.

A provisória deveria ter sido relaxada (no jargão, Crivella deveria responder ao inquérito em liberdade) e não transformada em prisão domiciliar, como ocorreu, por decisão do STJ.

Com residência conhecida, sem condições reais de influenciar no andamento das investigações, Crivella não é apenas mais um caso da utilização do processo penal para fins políticos.

Transmitida em tempo real, com uso dos aparatos midiáticos característicos da operação lava-jato, o espetáculo da prisão de Crivella tem pouca relação com os crimes eventual e provavelmente cometidos pelo prefeito.

Fundamentada em uma “narrativa” que transforma ilações e indícios em certezas, a decisão do TJ do Rio reforça a impressão de que entramos num novo capítulo da relação de dominação entre judiciário e política.

E esta relação não tem nada que ver com a lógica ou os parâmetros do direito ou da constituição.

Pelo contrário, o que importa neste caso é saber o que significa o avanço do punitivismo fascista (que desconhece solenemente as regras e os princípios informativos do direito) para as hostes da extrema direita no país.

Uma hipótese é que esteja havendo um rearranjo de narrativa para justificar em 2022, mais uma vez, a retirada da esquerda da disputa política por via judicial, sem a pecha de perseguição seletiva.

Veja que mesmo depois de toda campanha contra a lava-jato, mesmo com o escândalo da vaza jato (com as matérias do The Intercept), amplos setores da esquerda ainda batem palmas para prisões claramente midiáticas como esta.

Se outra carta fora do baralho, como Aécio Neves, eventualmente cair, consolida-se a falsa narrativa de que a Justiça voltou a ser cega ideologicamente. O que é uma mentira deslavada e, pior, uma incompreensão do caráter e do funcionamento políticos do sistema de justiça criminal.

É claro que a classe política deveria reagir a esse processo que tem atingido, há décadas, mandatos eletivos e a própria higidez formal das instituições democráticas. Mas o bloco no poder é o mesmo que viabilizou, pela inércia conivente, esta situação.

Então a questão é: como limitar os desmandos judiciais através de reforma legislativa – reação política – sem que a resposta seja uma resistência corporativa e agressiva do judiciário?

A ideia de uma reação bem sucedida da classe política talvez só se realize através de uma campanha de mídia.

Mas a mídia é a mesma que cevou e ceva o arbítrio judicial. Em proveito próprio.

Este é o busílis que precisa ser resolvido para a reação da classe política sair do papel. E tem relação direta com o controle e a regulação dos meios de comunicação de massa.

Rogerio Dultra dos Santos, professor de Direito da Universidade Federal Fluminense

Rogerio Dultra

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