Produtividade sem mistério, por Marcelo Miterhof

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Produtividade sem mistério, por Marcelo Miterhof

Não é a maior produtividade que eleva o crescimento; este é que é a principal alavanca da produtividade

O subsecretário da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Ricardo Paes e Barros, em entrevista ao “Estado de S. Paulo” de 28/12/2014, levantou uma dúvida quanto à continuidade da redução da desigualdade.

Sua preocupação é com “o mistério de um país com a produtividade estagnada há décadas”. “Para reduzir a pobreza (…), o mais importante não é redução de desigualdade, mas o aumento da produtividade.”

Como se sabe, uma inclusão social inédita foi a principal novidade dos governos do PT, o que se beneficiou da valorização das commodities de exportação brasileiras.

A apreciação cambial alavancou os ganhos reais advindos da distribuição de renda. O diabo é que também minou a solidariedade nas cadeias produtivas, esvaziadas na busca de reduções de custo.

Assim, não chega a ser um mistério a produtividade avançar pouco: o emprego se expandiu nos serviços, setor que por natureza tem mais dificuldade de elevá-la. Ainda assim, seu debate é proveitoso.

O indicador é controvertido. Fisicamente, a quantidade de produtos por trabalhador é uma medida objetiva, porém não leva em conta os ganhos de qualidade e os graus de integração vertical (numa firma, a terceirização da limpeza é tida como aumento de produtividade).

A medição monetária (valor adicionado por trabalhador) resolve o problema, mas cria outros. O principal é que o valor adicionado (valor da produção menos dos insumos) depende do preço de mercado. Uma maior escassez relativa de um bem faz o indicador crescer, embora tecnicamente nada tenha mudado com a produtividade.

Outro problema é que a produtividade pode crescer se o emprego cai mais que a produção, como ocorreu na abertura comercial brasileira nos anos 1990. Isso mostra que seu aumento não é um fim em si mesmo.

Essas dificuldades fazem as sugestões para elevar a produtividade pecarem pelo excesso de generalidade: melhorar o ambiente de negócios, corrigir deficiências de infraestrutura, aproximar as empresas das universidades etc.

Não é que tais esforços sejam inúteis. Contudo, não é a elevação da produtividade que garante a retomada do crescimento. O crescimento é que é a principal alavanca da produtividade, aumentando os ganhos de escalas e induzindo os investimentos que permitem incorporar e gerar progresso técnico. Nesse sentido, o liberal Adam Smith notou que o tamanho do mercado é o que limita a divisão do trabalho, tida por ele como o motor da produtividade.

Durante a bonança externa, além de distribuir renda, foi possível propiciar ao consumidores viagens baratas ao exterior e acesso a TVs, tabletes, brinquedos, roupas, entre outros bens importados em todo ou em parte de países na fronteira tecnológica ou de mão de obra barata. No entanto, os deficit em transações correntes apontam a necessidade de rever a estratégia.

A depreciação cambial pode ajudar a melhorar a qualidade dos empregos disponíveis aos mais pobres, que progressivamente deixariam de ser porteiros, balconistas, domésticas, frentistas, entre outras funções, para se empregar na indústria.

Um real desvalorizado favorece a produção local, embora exija um duro e algo demorado ajuste em que a inflação não se comportaria de acordo com as regras do atual regime de metas. Haveria ainda um certo retrocesso tecnológico no consumo.

Porém mesmo os empregos de uma indústria defasada têm produtividade (e, logo, salários) bem maior que os do hipertrofiado setor de serviços. Foi o que ocorreu na industrialização brasileira. Mas no século 20 a exclusão social limitou o processo.

A diferença agora seria o foco no consumo de massa (de bens privados e públicos), que ainda é reduzido comparado aos países ricos, e na elevação da participação dos salários no PIB.

A política industrial também pode contribuir para o aperfeiçoamento da realização local de novas atividades. E o país já tem setores de classe mundial a desenvolver, ligados à base de recursos naturais.

Expansão, ampliação de oportunidades de investimento e de inovação e ganhos sustentados de produtividade são resultados esperados.

O balanço entre as prioridades ao consumo e à qualidade do emprego não é inequívoco. O problema é que falta espaço no debate político brasileiro para as opções que favorecem o segundo polo. Idealiza-se o crescimento “equilibrado” ou simplesmente se prefere que as coisas continuem como sempre foram.

MARCELO MITERHOF, 40, é economista do BNDES. O artigo não reflete necessariamente a opinião do banco. Escreve às quintas-feiras nesta coluna.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

7 Comentários

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  1. Sai Vulcabrás, entram Nike, Mizuno, Adidas…

    Um exemplo simples, roupas e calçados. Quase todos os países, mesmo os mais pobres, produziam esses itens. Íamos à escola de sapatos. Tênis, só para as aulas de Educação Física ou quando íamos jogar futebol, escondidos das mães. A cidade de Americana, interior de São Paulo, tinha sua economia baseada em inúmeras tecelagens até os anos 80. No bairro da Luz, centro de SP, havia uma rua, Rodrigo de Barros, onde havia umas 30 fábricas de sapatos, pequenas fábricas com 20 ou 30 operários. A cidade de Franca se considerava a “Capital do Calçado”, disputando palmo a palmo com Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. Os tênis invadiram o mercado e aposentaram os sapatos. Tênis de meio salário mínio são absolutamente comuns hoje em dia. Sempre marcas estrangeiras fabricadas em lugares exóticos como Camboja, Vietnã, Laos e todos aqueles países bombardeados pelos EUA na “Guerra do Vietnam”, que na verdade era mais uma guerra norte-americana em algum lugar distante que seus alunos do High School não reconhecem no mapa, sem auxílio do Google.

    A desindustrialização provocada nos governos Collor/FHC (foi o mesmo governo, a diferença era na música: sertaneja, na primeira etapa, “na boquinha da garrafa”, na segunda), essa desindustrialização foi feroz. Apenas nossa imprensa acusa as administrações petistas desse desastre. As fábricas brasileiras foram todas fechadas nos anos 90. A Via Raposo Tavares, que liga a Capital ao interior, tinha mais de 200 galpões de enormes fábricas. Viraram motéis, hipermercados e condomínios. Mas botar a culpa no PT é o que sobrou para um imprensa pobre intelectualmente e desprovida de quaisquer escrúpulos.

  2. Os dois estão certos!

    Realmente, o crescimento econômico pode ser um indutor do aumento da produtividade – embora não é isso que aconteceu nos últimos anos no Brasil, dado que o aumento no consumo foi em grande parte abastecido por importações. No entanto, provavelmente o Ricardo Paes de Barros refere-se ao aumento da produtividade pensando no aumento do valor agregado do trabalho. Somente isso permitiria uma alta sustentável nos salários, com correspondente melhoria na arrecadação, disponibilizando mais recursos para políticas sociais (que mitigam as desigualdades) e ampliação e manutenção da infraestrutura do país – dessa forma provocando um “círculo virtuoso” com grandes chances de levar o Brasil a uma era de crescimento sustentável da economia.

    No entanto, a predileção pelo curto prazo, mostrada tanto pelos governos do PSDB como do PT, e particularmente caracterizada pelo chamado “populismo cambial”, tem levado o país a uma deterioração do seu parque industrial e à consequente queda na produtividade. Para piorar, o Brasil desperdiçou em grande parte o “bônus demográfico” decorrente da redução no número de filhos, que ainda não foi acompanhada pelo aumento significativo no número de idosos – fato que ocorrerá a partir de 2020. No longo prazo, isso pode transformar o país em uma espécie de “Paraguai gigante”, com um revés nos ganhos sociais dos últimos anos e, considerando-se os problemas crônicos de segurança pública que já afligem o país, uma situação de guerra civil urbana.

  3. Não comemos nem bebemos e nem respiramos ouro

    Caro autor, com o devido respeito sua análise está com todo o jeitão de incorreta.

    Sabe porque?

    Por que o pobrema  é querer se utilizar da FAJUTA ciência econômica de meia tigela para tentar explicar alguma coisa social.

    Conselho: Faça outro curso e deixe essa baboseira de economia ” andar de lado”.

    Ciência econômica  já era! Está dominada pela intelectualidade desonesta que só pensa em curvas paradoxais, isto é, curvas que indicam  que o “deus” mercado existe objetivamente( o que já é falso)  mas que podem ser também retas  agnósticas cuja concorrência só existe  em tese. E , é claro: coeteris paribus… 

    Aliás, os seguidores do  “midas”  mercado  parecem sugerir que onde ele( o midas)  toca,  vira ouro. Só que não comemos nem bebemos ouro!

    Saudações 

  4. Produtividade para quem?

    Enquanto os trabalhadores não receberem mais pelo aumento da produtividade, esquece este assunto.

    O tempo de escravidão acabou.

    O grande exemplo é o setor automobilístico. Produzem a cota de automóveis até o meio do ano. Depois vem com a desculpa do encalhe dos automóveis. Não baixam os preços, mesmo com produtividade maior.

    O Patronato Brasileiro tem o problema grave de não conseguir remunerar bem os seus empregados. Não sabem o quanto vale os seus empregados. 

  5.  
    Sinceramente, é preciso uma

     

    Sinceramente, é preciso uma quebra de paradigma do nosso conceito de “produtividade”. Usamos o referencial “chinês”, de produzir cada vez mais mais com menos. 

    Os americanos, sempre eles, já perceberam lá no fim da década de 90 e ínicio da década de 2000, que usar esse paradigma como referência é um suícidio economico e social. Ninguém vai competir com a China na simples produção de bens manufaturados, a não ser os vizinhos dos chineses que adotam o mesmo modelo. Aliás, diga-se de passagem, não foram somente os americanos, japoneses também já faziam o mesmo, mas por razões um pouco diferentes.

    Dentro do modelo americano a “mais valia” não está na fábrica, mas em escritórios de criação de produto, desgin e marketing. Os americanos faturam bilhões com Nike, Apple, Hollister, Calvin Klein, Disney e etc etc etc, isso sem produzir um tênis, celular, camisa e etc etc.

    Ah, não existe fábrica nos EUA? Sim, existe, mas até essas apelam para uma mais valia “especial”. Olhem a “Kitchen Aid”, produz aquelas batedeiras “retrôs” com a “cara da cozinha americana”, que mais parecem filhas de um trator da década de 60. O apelo vai além do bom produto, porque até isso hoje os chineses já fazem (bons produtos), mas alcança o emocional.

    Temos exemplos aqui também: Havainas. Uma simples sandália de borracha, mas que se sustenta bem no mercado nacional, por enquanto. E o que elas tem de especial? O simples fato de serem havainas. Got it?

    A notícia ruim é que os chineses já perceberam isso, e já estão querendo migrar do “simples manufaturador” para criador. A notícia boa é que, ao contrário dos americanos, que DITAM a tendência pop mundial (Hollywood, Broadway e California são os maiores exemplos de globalização de tendências no mundo), os chineses estão longe de serem apreciados por seu estilo e modo de vida, é um pacote muito além do que eles podem fazer, Então podemos fazer o mesmo e criar “apelos nossos”.

    Ai que entra a produtividade e desenvolvimento. A nossa ignorância é acreditar que produtivdade e desenvolvimento são aspectos simplesmente economicos. O desenvolvimento traz sim a produtividade, mas não somente o desenvolvimento economico, esse é apenas uma percela pequena, mas o desenvolvimento humano, societário, coletivo, ambiental. 

    O tipo de desenvolvimento que cria valores universais de solidariedade com seus pares, para que todos tenham o mínimo de dignidade e capacidade de crescimento individual para no futuro criar, agregar valor ao seus país, com conhecimento, criatividade e acima de tudo, fraternidade.

    Porém um país onde a maioria das pessoas não tem acesso a educação pública de qualidade, saneamento, segurança e outros direitos básicos na condição de seres vivos, não há como discutir produtividade e desenvolvimento sem ser pelo “modelo chinês”. Ai, amigo, estamos correndo pro absimo.

    Ah não ser que queiramos ser apenas exportadores de commodities …

     

  6. é a dialética entre ambas que

    é a dialética entre ambas que leva a um resultado qualquer.

    mas o certo é que sem o avanço social, a produtividade decresce.

    aí entra a questão educacional, fundamental para

    o aumento da produtividade..

    amos dependem  desse avanço social e economico,

    pois o cara pode adquirir o essencial para educar-se, etc e tal.

    no fundo, é descobrir quem veio antes, se o ovo ou a galinha?

     

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