Qual o limite dos protestos?

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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A temporada de protestos em São Paulo está de volta ao noticiário, com uma diferença interessante em relação à cobertura das manifestações de junho do ano passado: a chamada mídia tradicional parece ter melhorado sua capacidade de descrever os eventos, oferecendo mais detalhes dos fatos. No entanto, pode-se observar a ocorrência de falhas importantes nos relatos sobre a sequência de movimentos que levaram da interrupção do trânsito na Avenida Paulista aos choques com a Polícia Militar, dos quais resultou um jovem ferido a bala.

A tentativa da Folha de S. Paulo de desenhar um perfil dos manifestantes que foram detidos, supostamente os mais agressivos, retrata uma maioria de jovens oriundos da periferia, estudantes do segundo grau e indivíduos com profissões variadas, de professor a assessor parlamentar. Por outro lado, tenta-se também adivinhar qual seria o plano de ação das autoridades para conter ou reduzir os danos provocados pelas passeatas, mas os relatos se limitam aos momentos mais dramáticos, quando a situação já havia escapado a qualquer possibilidade de controle.

A manifestação de sábado (25/1), que se iniciou com uma concentração na calçada do Museu de Arte de São Paulo, pode ser descrita como a evolução de um processo conhecido, cujo desenlace poderia ser previsto e alterado por uma estratégia mais eficiente da polícia. Por volta das 17h havia mais pessoas passeando na calçada oposta, onde casais dançavam tango, do que no bloco dos manifestantes. Além disso, o número de policiais alinhados no canteiro da avenida e em frente ao parque Siqueira Campos era maior do que o dos jovens que paralisavam o trânsito.

Antes de começar a caminhada, um grupo de pessoas com máscaras nas mãos ou penduradas no pescoço se mantinha distante do bloco principal, tomando cerveja no bar da esquina com a Alameda Casa Branca. Alguns dele carregavam mochilas, onde provavelmente estariam os artefatos que mais tarde seriam lançados contra fachadas de bancos e usados para provocar tumulto na Praça da República, onde ocorria o principal espetáculo comemorativo do aniversário da cidade.

A quem interessa?

Essa rápida descrição, que pode ser feita por uma única pessoa que tratasse de observar atentamente os prelúdios da manifestação, permite deduzir que os protestos, que agora têm como tema declarado atrapalhar a realização da Copa do Mundo, contam com uma organização paralela de características mais complexas do que faz supor o noticiário.

Tudo indica que o propósito do grupo que é chamado genericamente de “black bloc” era causar pânico na festa que reunia uma multidão, com crianças, idosos e mulheres, no centro da cidade. Essa informação é importante para analisar o noticiário, onde pontificam duas vertentes básicas: a agressividade de alguns manifestantes, que atuam quase sempre escondidos por máscaras e lenços, e o descontrole de alguns policiais militares, chamados a intervir apenas quando a violência já está deflagrada.

As prisões efetuadas no calor dos choques não apanham os organizadores da violência, que sabem se manter a salvo nos confrontos com a polícia. É interessante observar a logística dos “black blocs”, que atuam em torno de “municiadores”, que circulam a pé ou de bicicleta em volta das passeatas, com mochilas às costas, onde se encontram os artefatos incendiários. O jovem que foi baleado em Higienópolis, segundo a descrição dos jornais, era um desses “municiadores”.

A discussão na imprensa e nas redes sociais sobre a proporcionalidade da ação policial, que poderia ter feito a detenção sem disparar um tiro, é parte relevante da história, mas seria interessante também mostrar o “outro lado”, ou seja, que propósito teria alguém andando por aí com explosivos numa mochila?

Sob o regime democrático, há poucos argumentos razoáveis para justificar uma ação tão radical quanto provocar o pânico numa multidão que inclui mulheres e crianças. Com toda a distância que se pode demarcar entre um fato e outro, a tática tem alguma semelhança com o plano fracassado do atentado no Riocentro, em abril de 1981, quando um grupo de militares planejou explodir bombas durante um show musical no Rio de Janeiro.

Esse detalhe recomenda especial atenção aos apressados que se disponham a tomar partido nos protestos contra a Copa do Mundo.

O velho preceito latino deve ser sempre lembrado: Cui bono? – quem se beneficia com isso?

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

3 Comentários

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  1. Quem se beneficia?

    Ao ganharem força, os black blocs esvaziaram um movimento que vinha de toda a sociedade, que exigia escolas, hospitais, enfim, dignidade para o cidadão num momento em que nossos sociais democratas despejavam rios de dinheiro em monumentos ao desperdício, deixando hospitais e escolas à mingua (como sempre). 

    Os black blocs desviaram a discussão daquilo que realmente interessava: onde estão as reformas educacionais, tributárias, logísticas? E a saúde? A discussão – e parte da culpa disso é da imprensa – ficou apenas na questão da violência. A discussão sobre deveres do Estado ficou de lado, o que muito beneficou todos os governos, principalmente o federal. Os black blocs afastaram o cidadão comum das manifestações e calaram sua voz ao afastarem-no das ruas. Esvaziaram a agenda e deram fôlego aos governos, principalmente o federal.

    Os black blocs são bem organizados. Tanto, que em uma manifestação, à medida em que chegavam presos a uma delegacia, já lá havia um advogado de defesa, com tudo pronto para devolvê-los à rua.

    Quer saber quem realmente se beneficia dos black blocs? Basta ver quem pagou pelo advogado. É o que se diz desde Watergate: “follow the money”…

    1. Quem se beneficia

      Discordo de suas avaliações.Tenho a impressão que você está bem perto do analfabetismo político.

      Pena! Leia mais a blogosfera para ficar bem informado. Quem foi para as ruas em 2013 são exatamente

      aqueles que gostam do “QUANTO PIOR MELHOR”. TENHO DITO.

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