Quando Michèle Morgan seduziu o jovem Martin Scorsese
por Jota A. Botelho
OS RITOS DE PASSAGENS
Há crises e crises, e o cinema talvez ainda possa ser um ótimo ponto de fuga quando ela se instala e se aprofunda sem perspectivas, programas ou projetos de vida, e até mesmo de nação. Woody Allen fez isso, quando usou o cinema como ponto de fuga para a atormentada e infeliz personagem, vivida por Mia Farrow, durante a grande depressão econômica americana dos anos 30, no seu belo filme A Rosa Púrpura do Cairo. Já nas crises existenciais, sobretudo em relação à sexualidade, geralmente mais acentuadas no rito de passagem da adolescência para a juventude, o cinema também foi um grande refúgio como fonte de inspiração para atenuar ou até mesmo preencher determinadas carências afetivas e desejos eróticos, chegando a proporcionar cenas memoráveis e inesquecíveis para os espectadores em geral, e em especial para os mais jovens, sobretudo para aqueles em fase do clamor do sexo. É o caso do então jovem cinéfilo ítalo-americano Martin Scorsese com a bela atriz francesa Michèle Morgan no filme Lês Orgueilleux (Os Orgulhosos), de 1953. Mas antes de falarmos das cenas que se tornaram memoráveis ao futuro cineasta e de darmos umas palavrinhas sobre essa bela atriz, o engraçado é que se comparado às crises existenciais de algumas nações imaturas, como o Brasil, por exemplo, cujo desenvolvimento nunca foi memorável ou inesquecível, já que além de ter sempre alguém para avisar qual vai ser o primeiro a ser comido, haverá um outro para exigir que a suruba seja geral. Nesse caso, tudo começou com o pau brasil vindo abaixo – broxando, é claro; para mais adiante se debruçar atrás da moita do canavial ou no fundo de uma mina de ouro, e amanhecer tomando um café amargo para a ressaca, depois que o látex correu frouxo durante uma noitada amazônica, chegando ao clímax atual de ser perfurado por enormes sondas em toda a sua bacia costeira. Essa bem que poderia ser a verdadeira história dos ciclos existenciais e TRANSACIONAIS da nossa classe dominante, do cabo ao rabo, da infância à velhice, desde o seu começo até, talvez, o seu final, antes do ocaso do povo brasileiro, que já nasceu ferrado. O hino para todos esses ritos de passagens, dos senhores, senhorzinhos e sinhazinhas, deveria ser a marchinha ‘Eu dei’: Eu dei/O que foi que você deu, meu bem?/ Eu dei/Guarde um pouco para mim também… Eu dei/Diga logo/Diga logo, é demais… Vão ser transacionados, assim, lá na Casa Grande, principalmente agora que estão dando tudo o que têm. E sem revolução francesa, sem nada.
Mas vamos descrever um pouco dessa grande estrela do cinema francês, e mundial, que faleceu no dia 20 de dezembro de 2016, aos 96 anos de idade. Apesar de sua longevidade, mas como diria o mestre Tom Jobim – Longa é a arte, tão breve a vida.
QUEM FOI MICHÈLE MORGAN?
O filme foi uma adaptação de Jean Aurenche de um conto de Jean-Paul Sartre, Typhus. Dirigido por Yves Allégret, em uma cidade praieira mexicana, no meio de uma epidemia, com a população sofrendo de todo o mal que bem poderíamos supor. É sem dúvida um dos grandes papeis de Michèle Morgan no cinema, em particular nos anos 50. Ela o interpreta de uma maneira comovente e sensual. A sutileza de Michèle Morgan, passando gelo no rosto e sobre o sutiã, e esfriando as pernas com um ventilador, abalou o erotismo do jovem Martin Scorsese. O filme nos imerge literalmente nesta aldeia mexicana esmagada pelo sol e pelo calor, e uma pobreza notável, apesar de seu o final nos parecer até piegas e decepcionante, razão pela qual fora imposto pelos produtores mexicanos, uma vez que o diretor Yves Allégret teria imaginado um outro completamente diferente. Mas nem por isso o filme Os Orgulhosos não seja bom de ser visto.
___
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.