R.I.P. Brazil II, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Há um momento em que a realidade se impõe com uma força avassaladora. Como os milagres são improváveis, melhor a população brasileira começar a se preparar para o pior.

R.I.P. Brazil II

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Aqui mesmo no GGN publiquei um texto que chamei de R.I.P. Brazil https://jornalggn.com.br/crise/rip-brazil/. Naquele caso, o nome do texto era metafórico. No caso desse texto infelizmente não é.

Os hospitais brasileiros estão quase lotados e a curva de contaminação é ascendente. Mesmo assim o presidente voltou a rejeitar um aumento de restrições à circulação de pessoas e ao funcionamento das empresas. O que podemos esperar nas próximas semanas além de uma catástrofe?

De maneira geral não gosto de fazer previsões otimistas ou sombrias. Mas há um momento em que a realidade se impõe com uma força avassaladora. Como os milagres são improváveis, melhor a população brasileira começar a se preparar para o pior.

Nesse sentido, convém lembrar o que ocorreu durante a Peste Negra. Período em que:

“… los parientes no se atrevían a tocar el muerto, todo el mundo se apartaba de un ataúd con verdadero terror, y los cadáveres de personas pudientes o bien relacionadas eran a veces conducidos al cementerio, de caridad, por personas humildes y piadosas, ya que todos los amigos rehuían asistir al entierro. Pero si unos reaccionaban piedosamente, en outros se desataba una furiosa codicia de aprovecharse de los bienes de los caídos por la peste, y toda clase de bajas pasiones se desataban incontenibles, porque no había nadie que le cortase el paso con la ley.” (La Danza en el Mito y en la Historia, Luis Bonilla, Biblioteca Nueva, Madrid, 1964, p. 110)

A tragédia social referida de passagem por Luis Bonilla ao dissertar sobre a Dança da Morte na Idade Média se refletiu de uma maneira vigorosa na economia medieval, pois:

“A população foi reduzida em um terço e, em algumas regiões, à metade. A mão-de-obra tornou-se escassa e os conflitos entre trabalhadores e donos de terras tornaram-se endêmicos, com revoltas camponesas, leis para controlar o trabalho e tentativas da Igreja de recuperar as terras que perdera. A sociedade feudal, que antes fora um meio de expansão, tornou-se conservadora e inflexível.” (História da economia mundial, Roger E. Backhouse, Estação Liberdade, São Paulo, 2007, p. 58)

Indícios claros do rompimento do tecido social já podem ser vistos em algumas cidades https://www.viomundo.com.br/voce-escreve/casal-de-36-e-35-anos-morre-de-covid-em-intervalo-de-20-minutos-deixa-filhas-adolescentes-e-tem-a-casa-saqueada-na-paraiba.html. Desamparados, prefeitos começam a demonstrar desespero em público https://twitter.com/miltonjung/status/1367783563500879876?s=20https://twitter.com/glaubermacario/status/1367537256760811520?s=20,https://twitter.com/olivrxzy/status/1367238124720553988?s=20https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/03/vai-ser-a-maior-tragedia-humanitaria-da-historia-do-brasil-diz-prefeito-de-araraquara.shtml. O MPF e o Judiciário são incapazes de prevenir ou reparar os danos sanitários que estão sendo diariamente reforçados por Jair Bolsonaro. E a Câmara dos Deputados está mais preocupada com o bem-estar dos deputados e dos servidores do legislativo.

Os cientistas fazem apelos dramáticos https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/estado/2021/03/05/fiocruz-pandemia-pode-alcancar-patamares-dramaticos-se-nada-for-feito.htm e https://www.em.com.br/app/noticia/nacional/2021/03/03/interna_nacional,1243064/miguel-nicolelis-sobre-covid-pode-ser-a-maior-catastrofe-da-historia.shtml. Mas é evidente que eles não serão ouvidos pelo presidnte da república ou pelo general que despacha no Ministério da Saúde.

A pandemia, como ocorreu na Idade Média, está destruindo o tecido social, removendo as inibições morais e fazendo aflorar o que existe de pior nas pessoas enquanto as autoridades demonstram impotência ou simplesmente preferem se auto-proteger à fazer algo para proteger as vítimas.Na verdade bem pouco pode ser feito, pois a vacinação em massa já deveria ter começado e o governo Bolsonaro será incapaz de construir novos hospitais em tempo recorde como ocorreu na China. Por enquanto, os cadáveres estão sendo recolhidos e enterrados. Todavia, até mesmo esse serviço pode entrar em colapso nas próximas semanas.

Bolsonaro disse que o Exército dele não será colocado na rua. O mais interessante, entretanto, é o que ele não disse: a capacidade operacional do Exército já foi afetada pela pandemia https://www.metropoles.com/brasil/forcas-armadas-registraram-40-mil-militares-infectados-com-covid. Em breve os militares também começarão a morrer antes de serem internados https://blogs.correiobraziliense.com.br/vicente/hospital-das-forcas-armadas-tem-90-de-ocupacao-na-uti-e-contrata-conteiner-para-estocar-corpos/.

É difícil dizer se a Peste Negra apressou o fim da Idade Média. Todavia, me parece evidente que ela pode apressar mudanças radicais no Brasil. Sabotado por Jair Bolsonaro, o federalismo pode dar lugar a movimentos de secessão. Previsíveis, os saques aos mercados e supermercados provocarão um aumento da letalidade policial. Todavia, as PMs serão capazes de atender todas as ocorrências em todos os lugares ao mesmo tempo. O desaparecimento da Lei e a percepção de que a desordem é geral provocarão cenas grotescas de desumanidade e demonstrações de piedade que não eram vistas.

Desamparados pelo Estado, os cidadãos só poderão recorrer aos seus parentes e às suas próprias reservas de paciência e de moralidade. Muitos, entretanto, ficarão tentados a recorrer às suas crenças religiosas. O fanatismo evangélico, insuflado diariamente nos fiéis por pastores que usam WhatsApp e o Facebook para sabotar medidas de restrição e para reunir multidões em demonstrações públicas de rejeição do confinamento, certamente não salvará ninguém. O mais provável é que a pandemia se alastre mais rápido com a ajuda das igrejas evangélicas.

O mercado, esse Deus ex machina que elegeu Bolsonaro e o mantém no poder a qualquer custo, também sofrerá as consequências do colapso total do país. Os investidores certamente não colocarão seu dinheiro num país desgovernado que resultou pular no abismo.

Falando francamente, eu gostaria muito de estar errado. Nesse momento, porém, fico arrepiado em virtude da possibilidade de estar certo.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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