Redução da maioridade: reforçar um perfil, multiplicar problemas

João Vitor Rodrigues Loureiro* | Do Brasil Debate

Dados do último Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Ministério da Justiça – Infopen revelam alguns problemas estruturais sobre a seletividade dos sistemas de correição e de justiça criminal. Um breve panorama sobre o perfil das mais de 600 mil pessoas privadas de liberdade no Brasil nos permite entender para quem esses sistemas estão principalmente voltados: 56% (cerca de 336 mil) dessas pessoas têm entre 18 e 29 anos.

Número semelhante (57%) é de solteiros. Ao mesmo tempo, essa faixa etária corresponde a 21,5% da população brasileira, segundo o IBGE. 67% da população prisional brasileira é de negros (pretos e pardos), o que corresponde a quase 16% a mais que o percentual de negros da população brasileira em geral.

E impressionantes 68% das pessoas em privação de liberdade no Brasil sequer completaram o ensino fundamental (aqui também consideradas as analfabetas ou que nunca frequentaram a escola ou instituição de ensino), enquanto, entre a população geral, esse número é de 50% por cento, segundo o IBGE.

Em resumo, a maior parte das pessoas privadas de liberdade poderia ser classificada como jovem, negra, solteira, e pouco escolarizada. Investigar as razões pelas quais os sistemas de justiça criminal e de correição se voltam a essa parcela passa por entender em que medida a sociedade brasileira e os serviços e equipamentos públicos têm falhado para evitar que essa mesma parcela seja levada para detrás das grades.

Retirar alguém do convívio em sociedade, subtrair sua liberdade em prol da defesa da própria sociedade, da paz, é a última medida, mais extrema, que o poder estatal pode fazer contra alguém.

Falhamos em oferecer e garantir o acesso à educação básica. Falhamos enquanto sociedade em garantir uma vida repleta de oportunidades de trabalho, de geração de renda, de erradicação de desigualdades extremas.

De realização social em comunidade, de garantia de exercício de direitos de cidadania para todos nós. E há uma parcela que tem sido priorizada como alvo do extremo da ação estatal, da prisão, da privação de liberdade:
jovem, negra, semialfabetizada.

As prisões brasileiras são um termômetro importante sobre o curso histórico de nossas exclusões sociais. Elas escancaram um cenário desolador, em que muitos de nossos jovens não têm qualquer esperança de reverter seus ciclos de exclusão, suas inexistentes oportunidades e entenderem-se longe da criminalidade e longe de prisões.

Prisões estas que representam um fator criminógeno importante, que ensinam esses mesmos jovens a atuar, ao saírem delas, de forma profissional junto a organizações criminosas.

Reverter esse perigoso quadro, que reproduz a violência, decepa oportunidades, estigmatiza egressos do sistema prisional e enraíza exclusões sociais poderosas, depende de mobilização social e atuação institucional séria, comprometida com o futuro. E certamente garantir pela lei que os mais jovens, agora nossos adolescentes, sejam levados ao cárcere, como a Câmara dos Deputados tem sinalizado, é um retrocesso.

O sistema que pune escolhe quem será punido por ele. Hoje esse sistema de justiça criminal e correição tem escolhido punir sobretudo negros, sem escolaridade, possivelmente pobres (os dados do Infopen não chegam a esse detalhe) e jovens.

Se quisermos nos enxergar como nação do futuro, em que a paz social e a justiça prevaleçam, é preciso que invertamos o que os debates legislativos atualmente têm sinalizado como prioridade.

Reduzir a maioridade penal significa acirrar ainda mais esse cenário, engrossar as fileiras de presos negros, jovens, com oportunidades encerradas em celas superlotadas e em contato com a criminalidade profissional.

A responsabilidade de tamanho retrocesso é do Legislativo, mas não apenas dele. É também de cada um de nós: uma sociedade livre, justa e solidária, como preceitua nossa Constituição, somente será real se nos opusermos a essa triste proposta de Emenda à Constituição de número 171, que de longe contraria os preceitos da própria Constituição.

 

* – É analista de Políticas Sociais, mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB e assessor para assuntos internacionais no Departamento Penitenciário Nacional

Redação

11 Comentários

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  1. Muito bacana e são fatos inegáveis…

    … como também é inegável que estão presos porque cometeram crimes, e não porque em sua maioria são pretos, pardos ou não completaram os estudos.

    A prova? Simples: A população carcerária total, conforme o artigo, é de “mais de 600 mil pessoas” num universo de 207 MILHÕES de pessoas, ou seja, representam em seu total menos de 0,35% da população do país, cujo percentual de pretos, pardos e semi-analfabetos representa quase a metade: MAIS DE 90 MILHÕES, e que mesmo assim, em que pese a desigualdade de oportunidades, NÃO COMETEM CRIMES!

    Reduzir a “maioridade penal” não significa que TODOS os jovens de 16 anos serão encarcerados, mas apenas aquela pequena fração que, mesmo não estando mais coberta pelo “manto da impunidade” (importante fator de estímulo), ainda assim DECIDA cometer crimes hediondos.

     

     

    1. Comentário seu é ridículo!!!

      Então os pardos e negros cometem mais crimes que os brancos???

      Se fosse assim tão simples o Brasil já seria um país de primeiro mundo há tempos.

      Brancos escolados e ricos cometem crimes em proporção muito maior, mas seus crimes estão protegios pela esfera da justiça brasileira. Porque as Leis são feitas por eles no mundo inteiro.

      1. Verdade!

        O Maior exemplo disso se chama THOR BATISTA, aquele que só ficou deprimido e teve que se tratar, segundo ele mesmo em entrevista,  quando soube que as ações das empresas do Pai iriam para o Chão…mas não se deprimiu ao matar um ciclista que ia, no acostamento, comprar  ingredientes para fazer um bolo e comemorar o aniversário da esposa…

      2. Ridículo é não saber interpretar texto…

        E encontrar no texto o que não está escrito;

        Aonde foi dito, no meu texto, que pardos e negros “cometem mais crimes”?

        Ao contrário! O que eu disse é que essa não é “CONDIÇÃO” PARA QUE SE COMETAM CRIMES; basta cotejar os dados explicitados no texto mãe, em relação aos dados populacionais.

        1. Então vou repetir…

          A cadeia está sendo representada por pessoas reféns do sistema prisional branco.

          Quantos brancos sonegam o IR e não vão presos, quantos sonegam notas fiscais e não vão presos, quantos servidores públicos não prestam o serviço mínimo a população e não são presos???

          Quantas pessoas carentes são prejudicadas pela falta de arrecadação do governo e assim não recebem condições mínimas de saúde e educação.

          E assim o branco vai comendo o próprio rabo. Porque esta lei não vai resolver nada.

          1. Meu camarada, racialismo comigo não tem guarida…

            Leva o teu discursinho troncho pra outro lado, ok?

            Vai procurar a tua turma!

    2. Não existe esta de manto de impunidade

      Há punições para TODOS os crimes, para menores ou maiores.

      Não há impunidade para menor que comete crime. Ele será preso também. O sistema sim, é diferente.

      Quem entra para o crime, em sua maioria, não está nem aí para a questão penal. Adote-se a pena de morte, como outros países e a criminalidade continuará existindo, afetando o extrato da sociedade citado no texto: os mais pobres, sem estudo e sem oportunidades na vida. É como dizem muitos dos que entram para o crime: não tenho nada a perder.

      1. Esse “extrato da sociedade”, citado no texto,

        Corresponde a mais de 70% da população do Brasil, considerados pelo limite econômico e quase 50% da população do Brasil considerados pelo parâmetro racialista, tão caro aos que se dizem “nao racistas”, sendo!

        Esses números, confrontados ao total da população carcerária, DESMENTEM TOTALMENTE essa FALÁCIA de que é essa condição social ou constatação racialista a causa dos crimes, ou de que esse “extrato da sociedade” seja mais propenso a cometê-los. Nada menor que 0,5 % é tendência de coisa alguma e, que existam leis capazes de alcançar quem faz mal-feito não é ruim. Ruim é fazer mal-feito e também jogar nesse “extrato da sociedade” uma mal suposta tendência ao cometimento de crimes, apenas por que não tem estudo universitário, ou mesmo fundamental, e porque não tem dinheiro.

        Essa estória de pensar, e divulgar, que todo “favelado” é um potencial criminoso, também tem que acabar!

        Nem 0,5% do extrato mais pobre e menos instruído da sociedade comete crimes, ou está preso. Talvez até a fração criminosa do 1% “mais rico e mais instruído” seja maior do que isso e também não deveria estar solta.

    3. “Estão presos porque

      “Estão presos porque cometeram crimes”. É quase o que todos esperamos sobre a aplicação da justiça em uma democracia.

      Quase. Exceto por alguns pontos. 

      1) Afinal, muitos de nossos presos (41% do total da população prisional) ainda aguardam julgamento, são presos provisórios (em suas diferentes modalidades, prisão preventiva, em flagrante, etc.).

      E há os casos daqueles presos que sequer cometeram crimes, presos injustamente. 

      2) E quase o que esperamos porque há condenados por crimes de baixo potencial ofensivo, que poderiam estar em cumprimento de outras formas de pena, como as chamadas penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade, por exemplo. A prisão é, uma vez mais, a fórmula estatal mais extrema para resolver um problema: os dados do mesmo Sistema de Informações Estatísticas – Infopen, revelam que um número não desprezível (39% do total)  de pessoas privadas de liberdade o estão sem terem praticado crimes que envolvam algum tipo de violência direta, como furto, receptação e tráfico. Claro que cada caso é um caso, e há casos em que a pena de prisão poderia ser justificável. Mas pensar que a resposta estatal a esses delitos é, via de regra, a prisão, é no mínimo inacurado, se observarmos o perfil da maioria desses presos (receptação de bens e valores relativamente pequenos, tráfico de pequena monta e furto de valores também irrisórios). 

      Chamo a atenção no texto para um problema de subrepresentação. Não estabeleci em nenhuma oração uma relação de causa e efeito, como se a causa das prisões fosse o fato de serem negros ou semialfabetizados. A problemática para que chamo a atenção é que, numa população que segundo o IBGE se diga 50% negra, temos quase 16% a mais de negros e 18% a mais de semialfabetizados. E com 30% a mais de jovens que comparativamente à população em geral. 

      Chamo também a atenção para o fato de que o sistema prisional apresenta um cenário com muitos jovens com um histórico de exclusões sociais, como a subescolarização. E que saem desse mesmo sistema com poucas chances de reverter esse quadro, por generalizações comuns, que costumam ver no egresso uma ameaça, um risco, para que citemos um exemplo.  

      Cuidado é necessário ao dizer que “mais de 90 milhões não cometem crimes”. É preciso pensar também que há subnotificação nos crimes investigados, denunciados e punidos pelo sistema de justiça criminal no país. E que há crimes de pequeno potencial ofensivo que, exatamente por serem dessa natureza e corretamente punidos com outros regimes e penas, também não são registrados na contagem da população carcerária brasileira. 

      No mais, o comentário, apesar de algumas generalizações e impropriedades, é importante para que nos lembremos dos problemas do sistema de justiça criminal no país. Não se trata aqui de buscar causas de uma suposta seletividade, como alguns pretendem afirmar. Não há como chegar a essa conclusão, nenhuma pesquisa com rigor metodológico suficiente poderia comprovar que a causa de haver mais negros, semialfabetizados e jovens no sistema prisional é o fato de eles serem negros, jovens e semialfabetizados. Seria uma generalização imprópria. Apenas se fosse possível conhecer o mais íntimo sentimento de um juiz, policial ou agente público que atuasse operando o sistema, suas intenções mais profundas e sentimentos que o levaram a agir de uma maneira, e não de outra. 

      Não se trata aqui, uma vez mais, de apresentar causas, mas problematizar os efeitos que a aplicação da prisão de forma genérica: com a possibilidade de aumento numérico da população carcerária (ainda que a emenda da Câmara fale em locais separados para cumprimento, sabemos que essas instituições demorarão muito tempo para serem suficientemente criadas e até lá, adolescentes estariam sujeitos à prisão comum), é também possível que os percentuais aumentem comparativamente (sobretudo o de jovens). Reforçar o perfil. E multiplicar os problemas de aumento de egressos e de pessoas submetidas à prisão comum, multiplicando os problemas que hoje já enfrentamos enquanto sociedade. 

       

      1. JVR, sou tendente a respeitar análises que tem lógica

        Esta tua segunda análise tem bem mais lógica que a primeira e, ao assim dizer:

        “Não há como chegar a essa conclusão, nenhuma pesquisa com rigor metodológico suficiente poderia comprovar que a causa de haver mais negros, semialfabetizados e jovens no sistema prisional é o fato de eles serem negros, jovens e semialfabetizados. Seria uma generalização imprópria. Apenas se fosse possível conhecer o mais íntimo sentimento de um juiz, policial ou agente público que atuasse operando o sistema, suas intenções mais profundas e sentimentos que o levaram a agir de uma maneira, e não de outra.”

        Nisto, tenho que concordar.

        Também colocaria á tua consideração que, o fato de existir um instrumento legal que permita coibir não obriga ao seu uso, mas que exista é melhor do que não tê-lo, se acaso houver necessidade de usar.

        Isto de modo algum impede que se continuem aperfeiçoando os mecanismos de defesa da sociedade, nem que se considere a EDUCAÇÃO como a melhor medida preventiva do cometimento de crimes e garantidora da paz social, o que não se pode fazer (na minha opinião) é a ilação contrária, de que a falta de educação formal e a condição econômica, ou étnica, seja a “causa” dos crimes e com isso etiquetar a imensa maioria da nossa sociedade como “criminosos potenciais”.

        Há mal-feitores e criminosos em TODOS os extratos sociais.

         

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