Redução do Censo atrasa o progresso econômico e coloca vidas em risco, por Ergon Cugler

Ocorre que a redução de questões no Censo 2020 impacta não apenas a produção de pesquisa atual, mas prejudica toda série histórica necessária para pesquisas já em andamento e para o próprio acompanhamento governamental acerca de impactos de políticas públicas.

Redução do Censo atrasa o progresso econômico e coloca vidas em risco

por Ergon Cugler

Confirmado pelo Governo Bolsonaro (PSL), o corte de 25% do orçamento do Censo 2020 preocupou não apenas pesquisadores quanto ao prejuízo na produção científica, mas tem alertado instituições quanto aos riscos de distorção envolvendo a elaboração de políticas públicas inclusive na área da saúde, comprometendo a vida especialmente da população mais carente no país.

No Brasil o censo demográfico existe desde 1872, tornando-se atribuição do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) com sua criação em 1936, quando passa a produzir indicadores nacionais para execução de políticas setoriais. Historicamente, busca colher informações primárias que constituem a base da vida econômica e social da população brasileira e como tal torna-se também base para a produção de grande parte da pesquisa científica no Brasil.

A atual presidente do IBGE, Susana Guerra – nomeada em fevereiro após exoneração de Roberto Olinto – defende a redução do censo demográfico de 112 para 76 perguntas, representando corte de 32% dos indicadores colhidos pelo questionário. Guerra argumenta que além da economia de R$ 800 milhões anunciada pelo Ministério da Economia, haveria uma redução projetada de 7 para 4 minutos no tempo de entrevista de cada um dos 70 milhões de domicílios brasileiros.

Aliado à Guerra, Paulo Guedes (Ministro da Economia) criticou o modelo brasileiro de censo demográfico, alegando de maneira equivocada em entrevista para Globo News,  que países desenvolvidos não utilizam “mais de 10 ou 12 questões” em seu Censo – fato que só ocorre nos Estados Unidos, enquanto a média de perguntas no Censo de países membros da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) é a mesma do Brasil, com aproximadamente 100 perguntas.

Outro fato é que apenas 10% da população é abordada por amostragem para responder as 112 questões, enquanto a versão básica respondida por toda população é composta por cerca de 40 questões. No modelo anunciado para o Censo 2020, o questionário amostral será composto por 76 questões, enquanto o questionário básico, aplicado em todos os lares, terá 26 perguntas, com quase 50% de redução de indicadores colhidos.

Distorção da realidade e atraso econômico

Na ampla gama de áreas de conhecimento com pesquisas, majoritariamente as produções trabalham com dados brutos disponibilizados através do censo demográfico ou dados já tratados pela elaboração de indicadores através da mesma fonte. Ocorre que a redução de questões no Censo 2020 impacta não apenas a produção de pesquisa atual, mas prejudica toda série histórica necessária para pesquisas já em andamento e para o próprio acompanhamento governamental acerca de impactos de políticas públicas.

Em larga escala, pode-se afirmar que o desconhecimento sobre as múltiplas realidades setoriais no país pode retardar as políticas públicas e impactar diretamente quem mais necessita da atenção do Estado, atrasando a liberação de recursos, distorcendo as realidades municipais e prejudicando as relações econômicas nos municípios dependentes de ações governamentais, gerando prejuízo incalculável.

Quando se erra indicadores econômicos componentes inclusive da formação do PIB (Produto Interno Bruto), por exemplo, propicia-se cenário de queda de investimento nacionalmente. Ainda lembra o ex-presidente do Instituto Internacional de Estatística, Pedro do Nascimento Silva, que o Censo é “a base para a União distribuir recursos a estados e municípios, direcionar campanhas de saúde e definir a quantidade de vacinas necessárias em cada cidade, além de ser norteador da construção de escolas e da alocação de vagas”.

Vidas em Risco

De forma geral, a distorção de dados com ausência de série histórica impacta desde o cálculo dos repasses do FPE (Fundo de Participação dos Estados) até a estimativa de quantos idosos vivem nas cidades para alocar medicamentos de doenças crônicas, ou mesmo quantas pessoas com deficiência habitam o bairro para elaboração de políticas públicas inclusivas.

Dentre questões alteradas, nota-se o fim da apuração da renda familiar, onde o Censo 2020 irá listar apenas informações do “chefe do domicílio”, dificultando a execução de programas de combate à pobreza ao suprimir indicadores de renda complementar ou mesmo da participação de pensões e aposentadorias de idosos no orçamento familiar.

Não bastasse, informações de aluguel e detalhamento de moradia também serão suprimidas, dificultando a elaboração de políticas habitacionais e mesmo vinculadas às condições de saneamento, acesso à eletricidade e à água potável, indicadores necessários para elaboração de ações de prevenção à saúde e preservação da vida. Tendo tais dados como base para a elaboração das políticas públicas, a lacuna de informação irá prejudicar principalmente municípios mais pobres com a distorção dos dados não apenas imediatos, mas de referenciais históricos comparativos.

Quem ganha quando o Censo perde?

Para muito além da necessidade de produção de pesquisa nacional para desenvolver instrumentos e políticas públicas de impacto na sociedade, há de se compreender a tendência global de padronização de indicadores para servir a interesses internacionais de inserção do capital estrangeiro através de brechas geradas pela latente desigualdade brasileira. Isto é, mais convincente do que a suposta economia de R$ 800 milhões na elaboração do Censo 2020, está a possibilidade de se cortar questões que desvelam a negligência do Estado para com a população que mais necessita de sua atenção.

A movimentação de suprimir dados que servem para expor demandas sociais e econômicas de combate à miséria e à desigualdade social serve, principalmente, para distanciar o papel do Estado da execução de políticas públicas e configurar o censo demográfico enquanto elemento paralelo às responsabilidades estatais, ao apenas servir enquanto instrumento de orientação para inserção do capital estrangeiro.

Vale recordar que a não elaboração de questionário amplo e público por parte do Governo Federal, não só retira a luz de questões sensíveis, mas afasta tais indicadores do processo de produção de pesquisa científica, pois em certa medida a iniciativa privada traçaria condições para colher tais indicadores e então comercializar de acordo com necessidades mercadológicas, enquanto os dados públicos, por falta de série histórica, não serviriam para a real transparência governamental e elaboração de indicadores.

Comparado com outras economias, o Censo brasileiro não é caro, custa cerca de R$15 por habitante – ou R$1,50 por habitante ao ano, considerando que o mesmo ocorre a cada dez anos – e seu retorno ultrapassa valores apenas econômicos, mesmo sendo estes relevantes para a condução da economia nacional, mas também de preservação da vida com informações precisas no processo de elaboração de políticas públicas. Em suma, percebe-se um movimento de desmonte da produção científica nacional ancorado ao discurso de enxugamento da máquina pública e ao caso do Censo 2020, de possibilidade real de colocar vidas em risco por informações distorcidas.

A defesa do Censo, portanto, ultrapassa interesses de transparência governamental ou disponibilidade de dados públicos para elaboração de pesquisa científica, mas esbarra na disputa de projeto entre o teor da padronização global de indicadores para avanço do rentismo e a função pública da informação para então ser usada na melhoria das condições de vida do povo brasileiro.

Por fim, há de se lembrar que não há ciência sem método e ao desprezar no presente toda informação que acumulamos no passado, colocamos em xeque o nosso futuro.

Redação

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