Reflexões ditadas por um minúsculo vírus…, por Dora Incontri

Reflexões ditadas por um minúsculo vírus…, por Dora Incontri

Por esses dias, tenho deixado meu lado crítico e militante de lado e estou fazendo vídeos diários de reflexões, conforto, poesias e orações, no meu Instagram e no meu Face. As pessoas estão precisando de colo e de ferramentas para ficarem centradas e saudáveis mentalmente, e enfrentar o que estamos enfrentando e o que vamos ainda atravessar. Fazendo aqui minha parte. 

Mas… hoje, vou lançar algumas reflexões críticas sobre o impacto do Coronavírus no mundo. Inspirada pela belíssima homilia do Papa Francisco, numa cena pungente e inesquecível, dele orando sozinho na Praça São Pedro, acho que devemos desde já começar a refletir sobre o que essa crise pode nos ensinar.

E aqui vou enumerar alguns dessas possíveis lições: 

O mundo, como está estruturado, com meia dúzia de milionários egocêntricos e milhões sem acesso a bens essenciais, como água e esgoto, pão e escola, é insustentável ética, social e economicamente. Apenas os partidários da eugenia e do genocídio naturalizam essa estrutura injusta e desumana. O Covid-19 demonstra que grande parte da população não tem como se defender, num momento desses, de um vírus que pode ser fatal, porque não tem sequer condições de sobrevivência digna em tempos normais.

O Brasil, como está (des)organizado, numa herança escravocrata, com uma elite indiferente e excludente e também com meia dúzia de milionários narcisistas e sociopatas, e  igualmente com seus milhões sem acesso a bens essenciais, com sua população de rua, sem qualquer garantia, com seus milhões de trabalhadores informais, é também insustentável etica, social e economicamente. 

A natureza, a ponto de atingir o momento de não retorno na crise climática, tem por esses dias de quarentena mundial, se mostrado mais limpa e mais viva, mais calma e mais equilibrada, retirado de cena o seu predador mais agressivo…

As famílias estão aprendendo que desaprenderam a conviver sob o mesmo teto, (todos vivem a maior parte do tempo fora de casa) e a violência aumenta, os casais se separam, os pais não sabem o que fazer com os filhos, em apartamentos pequenos, porque em tempos normais ninguém mais convive com ninguém, quase nenhum pai ou mãe contam histórias ou brincam com as crianças…

E quantos idosos sozinhos, que não podem receber visitas, nos mostram como é cruel uma sociedade que deixa velhos avós, morando a sós, sem a presença diária de um ente querido, saudável que os atenda em suas necessidades e lhes dê conforto e amor, mesmo que sejam autônomos!

Tem circulado um meme por aí, que diz o seguinte: “Não podemos voltar ao normal, porque o normal era exatamente o problema. Precisamos voltar melhores. Menos egoístas. Mais solidários. Mais humanos”.

O normal tem sido o consumismo que move falsamente a economia escravizante do capital; que fere mortalmente a natureza; que separa as pessoas e as fazem competir entre si; que desvaloriza o tempo do ser humano para a arte, para a espiritualidade, para a convivência com os afetos; que exclui a maior parte da população humana dos privilégios de uns poucos; que não tem um sistema de saúde para socorrer homens, mulheres e crianças de todas as condições; que não dá segurança de sobrevivência para ninguém; que se alimenta da guerra, das exclusão e da exploração…

Poderíamos aproveitar essa crise para tomar uma decisão coletiva de mudarmos o paradigma, entendendo que todos estamos conectados e dependemos uns dos outros (o que um minúsculo vírus está fartamente demonstrando), entendendo que só podemos ser felizes enquanto humanidade, quando todos forem igualmente felizes. Não dá para deixar ninguém de lado. 

Conexões – espiritualidade, política e educação - Dora Incontri

Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962. Jornalista, educadora e escritora

Conexões – espiritualidade, política e educação - Dora Incontri

Dora Incontri é paulistana, nascida em 1962. Jornalista, educadora e escritora

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  • O coronavírus talvez não seja o pior inimigo da humanidade, e sim a irracionalidade que nos leva à sensibilidade "seletiva".
    A força impositiva do coronavírus é impressionante e o maior choque a que muitos podem estar se questionando e possivelmente com temores a ter de enfrentá-los, é em relação à necessária mudança de hábitos que inevitavelmente virão se impor. Como números nos servem para a argumentação racional, a título de comparação, a FIFA, federação de futebol mundial levou 115 anos para reunir seus 211 países participantes; a ONU, com seus 100 anos de atividades reúne atualmente 193 países e um de seus braços é a OMS, que cuida agora das políticas de combate a esta atual epidemia mundial. O coronavírus, que tem como teoria mais oficializada, a de que seu início de infecção no ambiente humano, ocorreu através de um exemplar de morcego, portador do vírus ter possivelmente mordido uma peça de carne exposta num mercado de rua, em uma zona urbana no interior da China. Isto, possivelmente deva ter ocorrido em meados de outubro passado. Em apenas um trimestre, o espalhamento da infecção atinge hoje, 196 países que já tenham indicado oficialmente casos positivos de infecção. Neste período, já colocou a FIFA e suas atividades interrompidas e os mais diversos países da ONU comprometidos com a possível, maior crise ambiental-sócio-econômica de toda a história da humanidade, impondo o encerramento de atividades e eventos, trazendo o fim de empregos e empresas, envolvendo investimentos decididos em poucos dias, exigindo valores jamais imaginados anteriormente por políticos, economistas, financistas e ativistas, não importando o espectro. Enfim, de imediato impôs a maior mobilização social do planeta em torno da cessação da atividade humana, em tempos de rotinas baseadas no fazer exagerado, onde até o estresse e o bornout haviam se tornado motivos de glamour para alguns workaholic (viciados no fazer, no trabalhar) e nos vem um vírus, esta entidade microscópica como a questionar, o quão úteis (ou pior, inúteis) são muitas de nossas atividades e hábitos. Ontem assistindo ao diálogo do Nassif com mais três especialistas, deveríamos, penso eu, bater forte sobre as reflexões acerca de colocações e informações do sr. Tomas Tarquínio, ao expor a verdadeira guerra e morticínio estúpidos e desiguais, desprovidos de empatia e espiritualmente agressivo, anti ambiental e insustentável economicamente, com intuito egoísta de promover consumo humano à uma reduzida parcela, impondo o extermínio ANUAL DE 150 BILHÕES DE ANIMAIS. Sempre que for dar uma garfada num bom naco de algum cadáver animal, envolto em fortes temperos a tentar disfarçar a acidez da morte, se deveria a partir de então lembrar que este meu hábito de agradar o paladar, financia, contribui e perpetua a cada ano, a morte de uma quantidade de indivíduos equivalente a 21 vezes a população atual de humanos, considerando ainda que quase metade dos humanos só tem no máximo, direito a uma dose diária de alguma porção de comida, pois a pior distribuição de riqueza começa neste básico acesso a água e alimento. Os pontos colocados sobre o quanto isto é caro e nocivo ao planeta e a humanidade deveriam ser lembrados pelos racionais, senão fica até mesmo mais difícil do ponto de vista moral, buscar afastar bolsonaros e os assemelhados, insensíveis, insensatos e desumanos, se talvez eu não esteja assim tão diferenciado na questão das insensibilidades e distributividade, quanto eu acreditava.

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