Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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Reforma Política e Desenvolvimento Local, por Ion de Andrade

Ou como um trem pode esconder um outro

A Reforma Política é uma agenda prioritária para o aperfeiçoamento da democracia. Há diversas características do nosso sistema político e eleitoral que funcionam como limitadores da expressão e da participação popular. O temário é variado e complexo, remetendo para uma discussão em que os aspectos de fundamentação ideológica se sobrepõem a outros de exequibilidade e adequação.

A inércia do poder remete para esta questão em torno da qual começa a ser gerada a arena inevitável na qual vão estar muito em breve duelando os dois modelos de socieade que atravessam o Brasil.

Podemos dizer sem risco de errar que a prioridade política atribuída à Reforma Política, ainda que seja decorrente de um amadurecimento longo na relação entre as forças políticas, o Estado e as leis, que advem em muito forte medida das manifestações de junho passado quando, “do nada” milhões foram às ruas, um maio de 68 tropical ainda não totalmente elucidado.

Estas manifestações de rua, tão misteriosas, exprimiram, seja qual for o entendimento que se possa ter sobre elas, um descontentamento, uma espécie de elevado índice de infelicidade geral. As ruas ecoaram um mal estar difuso e incompreensível até hoje. Não quero me ater ao uso manipulatório posterior pela direita, pela mídia, com a agregação de black blocs ou de anônimos, ou seja o que for, me refiro àquele primeiro espasmo que emergiu do mistério como água de rocha, mal estar em estado puro da mais alta toxicidade, insatisfação com a vida, enfado, enjôo.

É claro que precisamos de instituições que possam melhor representar o cidadão e que permitam que fenômenos gigantescos como esses não persistam desconhecidos até sua eclosão. Mais que isto, esses manifestantes têm que ter canais para fazer valer as suas reinvidicações e materializá-las em suas vidas. A Reforma Política tem portanto papel de abrir as instituições, o Estado em suma, ao fluxo que vimos explodir “do nada”. Então, sob esse prisma, a Reforma Política é uma resposta indireta a um fenômeno que entendemos mal. Queremos aperfeiçoar os mecanismos de participação para entender melhor o que de fato até hoje não entendemos.

Dito isto, o “mistério” que envolveu a gênese do movimento e que deu toda prioridade á Reforma Política, também não conseguiu produzir respostas diretas mais consistentes, algumas vieram, é verdade, (o Mais Médicos), o investimento em Mobilidade Urbana… porém, apesar de muito importantes e louváveis, tais políticas foram como tiros que se dá às escuras, na esperança de atingirem o alvo de um clamor misterioso até para quem o conduziu.

Quero propor aqui a hipótese de que o movimento de junho de 2014 tenha sido a crise de um desenvolvimento assimétrico em que o elemento “renda” assumiu a parte mais preponderante (como não poderia deixar de ser, dada a miséria em que se encontrava o povo brasileiro pós FHC) do conceito de emancipação da pobreza. Esta mística da renda esteve presente nos discursos da presidenta Dilma ao evocar o país de classes médias, ou no de Lula que atribuiu, (corretamente) ao movimento a condição de demonstrador de que depois de comer bife ninguém quer voltar atrás. Naquela crise, a vida espiritual emergiu como “a prioridade” frente as soluções já consolidadas pelas políticas de sobrevivência.

Como diz o poeta, “a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte…” Há portanto uma nova etapa do desenvolvimento nacional que urge por ser compreendida, que produz efeitos dolorosos tanto quanto a fome física produziu na época da miséria negra, legado perverso dos governos conservadores até 2002. No seu primeiro discurso de presidente eleito,  Lula dizia que o seu sonho era que o brasileiro pudesse comer três refeições por dia. E chegamos a isto e saímos do mapa da fome.

A resposta articulada e direta, para além do Mais Médicos ou da Mobilidade Urbana, investimentos acertados e necessários, mas similares a tiros de artilharia pesada (que servem para preparar o campo de batalha) é o Desenvolvimento Local. E o que vem a ser isto?

Sem querer ser repetitivo, no último artigo que publiquei aqui nesse espaço, dizia: “A invisibilidade do desenvolvimento local como pauta da campanha ou como ação programática se deve ao fato de que a sociedade brasileira nunca o experimentou plenamente e ninguém pode sonhar com o que não conhece. No mundo real a presença do Estado nas comunidades de baixa renda se limita à escola (que treina a mão de obra para o mercado de trabalho), à creche (que libera os braços femininos para o trabalho), ao posto de saúde (que cuida da força de trabalho para que esteja saudável) e a delegacia de polícia (que reprime os excessos da turba). Este modelito do século XIX é lamentavelmente o que prospera entre nós.

Não há nos nossos bairros populares piscinas públicas, equipamentos desportivos de qualidade, teatros, escolas de música, alamedas iluminadas para passear com as crianças ou bibliotecas, não há sequer centros de velório dignos ou sedes adequadas para as associações de moradores (com auditórios, equipamentos, copa…). Pior que isto, quando esses equipamentos sociais existem são de má qualidade, feitos sob medida para a senzala onde o nosso inconsciente coletivo faz morar o pobre. Ou são iniciativas da própria comunidade feitas com os seus parcos recursos, veradeiros botes salva-vidas artesanais.”

Quero, sendo ácido, eu sei, dizer também que o Mais Médicos e a Mobilidade têm imensa relevância, mas são ainda de natureza a aperfeiçoar o modelo vetusto de presença do Estado no mundo da senzala, e não inauguram o novo. Diria que a Mobilidade é ainda essencialmente de natureza a facilitar o acesso da mão de obra ao mercado de trabalho, ainda que pssa também levar a população às longínquas áreas de lazer situadas nos bairros mais nobres… Servem ao trabalho, dão eficiência ao capital de onde absorve parte da sua “legitimidade” enquanto política pública. Ou seja são parte do esforço do Estado de assegurar melhores condições de sobrevivência aos trabalahdores, mas não constroem o segundo degrau da emancipação que é a vida espiritual de uma cidadania que sequer percebeu que isso é que é o seu mal estar.

Dizia eu: “A construção desses equipamentos sociais estratégicos que edificarão uma cidadania espiritualmente mais saudável e auto-confiante é muito mais barata do que as políticas de incremento de renda e está ao alcance do Brasil. Estimo que o investimento anual necessário corresponda a 1% do orçamento ao ano se quisermos mudar o rosto das comunidades num horizonte de dez anos. Diferentemente do modelito do século XIX, esses equipamentos sociais estratégicos estariam a serviço da ideia da presença pública motivada pelas necessidades espirituais de uma cidadania que sofre profundamente por sua inexistência e não pelas necessidades do mercado de trabalho que é o outro nome do capital.” é portanto crucial incluir os equipamentos sociais do desenvolvimento local na agenda da infraestrutura estratégica do desenvolvimento nacional.

A campanha eleitoral mostrou a todos nós que queremos a continuidade desse modelo que estamos diante de um “Decifra-me ou te devoro”.

Se perdermos a oportunidade de fazer o Desenvolvimento Local isto será, a meu ver, muito pior do que não fazer a Reforma Política. Sim, porque o Desenvolvimento Local nos oportuniza mais quatro anos de governo, ao passo que a Reforma Política pode produzir frutos num horizonte de tempo mais longo, a exemplo da Constituição de 88 que até hoje produz oportunidades de inclusão social.

A agenda do Desenvolvimento Local é a agenda direta, a da Reforma Política é a agenda indireta. Pelo Desenvolvimento Local o povo continua se emancipando e viabilizando com essa emancipação novas Reformas Políticas futuras capazes de democratizar mais e mais o Estado. Sem Desenvolvimento Local corremos o risco de ter leis modernas que talvez nós não tenhamos força política para assegurar que sejam aplicadas plenamente. E pior talvez não sejamos concorrenciais para as próximas eleições presidenciais.

Nesses poucos meses entre o fim de um governo e o começo de outro é como se estivéssemos numa estação de trem da Europa. Há vários trens parados. Vemos o trem da Reforma Política e ele deve nos levar para onde queremos. Mas outro acabou de entrar na estação, é o do Desenvolvimento Local. Como o trem da Reforma Política é bonito e vistoso e chegou primeiro não enxergamos o outro.

Este artigo é aquela voz quase inaudível que diz: Senhores governantes o trem do Desenvolvimento Local entrou na estação, é um trem direto que leva ao futuro do Brasil.

Oxalá não deixemos que o trem da Agenda Indireta esconda o trem da Agenda Direta, seria extraordinariamente lamentável.

– Senhores governantes, senhora presidenta!!! O TREM DO DESENVOLVIMENTO LOCAL ENTROU NA ESTAÇÃO.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

4 Comentários

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  1. a incompetencia tucana com um

    a incompetencia tucana com um viés patético do

    simulacro da boa ” jestão” cria os maiores problemas vividos

    pela sociedade brasileira dos últimos tempos,

    mas a maioria acha que a culpa é só do pt,

    pois o tal do pig não perdoa o sucesso dos doze anos de transformações sociais.

    o trágico  é que tem uma parte do pmdb que pelo jeito quer o pior.

  2. REFORMA POLÍTICA

    REFORMA POLÍTICA: SÓ DEPENDE DE NÓS

     

     

    Seja por meio de um plebiscito como inicialmente sugeriu a presidente, seja por meio de um referendum como quer o Congresso Nacional, tudo indica que a Reforma Política será mais uma manobra para tratar o povo como uma manada.

     

    Para evitar que isso aconteça, fizemos uma petição endereçada à Rede Social AVAAZ, no sentido de viabilizar uma consulta popular por meio de uma ampla pesquisa a respeito dos temas centrais que devem constar da Reforma Política brasileira. 

     

    ASSINE A PETIÇÃO AQUI:

     

    http://www.avaaz.org/po/petition/Equipe_da_AVAAZ_Realizar_pesquisa_para_identificar_os_temas_centrais_da_Reforma_Politica/?launch

     

    Após a obtenção de um número significativo de assinaturas a petição será encaminhada pela AVAAZ com os temas selecionados para o Congresso Nacional.

     

    A Rede Social AVAAZ tem aproximadamente 40 milhões de membros ao redor do mundo. Aqui no Brasil, estima-se que existam 6 milhões de membros, um número suficiente para influir em qualquer decisão do Congresso Nacional.  

     

     

    Conto com a colaboração desse blog.

     

     

    Osman Neves de Albuquerque

    03/11/2014

  3. os dois trrens devem andar

    os dois trrens devem andar juntos…

    mas sabe-se que o trem da reforma política poderá

    ser obstado pelos retrógrados de sempre…

    então, concordo que esse tema do desenvolimento local deve ter

    precedencia para chegarmos a emparelhar os dois trens da história.

    outro nó que deve er desatado é essa questão do crescimento

    tb para a classe média já existente…

    seria  enganosoo achar que é só preconceito

    da classe média contra a ascendencia dos outros?

    é uma revolução tão grande que os caras não percebem….

    como defendem seus próprios interesses, apelam pra ignorancia.

    mas veja que o cara ganha dois mil reais e

    tem de arcar com despesas que não tinha antes.

    esse é o nó…

    ampliar o poder economico desta classe média

    já existente antes da ascensão da chamada classe c e d.   

  4. reforma politica

    O movimento as ruas de junho de 2013,foi manobrado amplamente pelo partido(s)que tinham em mente uma efetiva desconstrucao do governo Dilma -ate entao com altissima aprovacao popular-visando unica e exclusivamente a eleicao de 2014.Falando de Sao Paulo,eh sabido que o governador tucano faz e tem feito de tudo para “fazer agua”na administracao do sr prefeito do PT…Alias,ele sabe bem fazer agua contra o governo do Haddad,mas providenciar agua aos cidadaos,eh outra estoria..(posso usar aqui o exemplo do centro e da Cracolandia-prefeito com projeto humanizatorio e governador manda asseclas para desmantelar!Desocupacoes com o braco forte da policia…).Pois bem:muito bem orquestrado o movimento,usou como atores principais,jovens de varias vertentes socio economicas,e o moto era os 0,20 centavos do aumento do transporte publico.Ora,muitos deles,ou nao usam o transporte publico,ou o mesmo eh pago pelos seus empregadores! utiliza-se a midia bem aparelhada e a policia-e,nao nos esquecamos que o pano de fundo era a Copa das Confederacoes,sendo realizada,e a Copa do Mundo no ano seguinte(2014).Moviemento Passe Livre servindo de manobra politica;e,os chamados vandalos,que quebraram e desestabilizaram as manifestacoes,e foram compostas por pessoas especialmente “contratadas”para os eventos..A Copa do Mundo veio,as eleicoes vieram,e,ficou provado que o governo daquela que foi xingada no estadio,foi efetivo em muitas frentes,e sem duvida alguma,a maior conquista tem sido a manutencao e criacao de empregos,do sistematico aumento de programas socio/educativos que visam a promocao dos cidadaos,politicas efetivas contra o empobrecimento,a aquisicao de uma cidadania mais plena…Ora!!eh pouco nao!!!Muito a ser feito!A questao indigena esta a dever-alias,muitos dos votos a Marina Silva foram por muitos que acreditavam que ela faria muito pela causa,pela demarcacao das terras…Dilma e seu governo,foram os que menos fizeram!Nao se pode ignorar os milhoes que estao a beira do inferno social que vivem! Reforma politica-pois eh!!!Eu cai na real:nao se faz reforma politica com o congresso que temos;com sr Renam e suditos…Incrivel eh acreditar que podera ser feito!Um Congresso que so trabalha se afagado,se nao for contariado!HELLO!!!E,penso ate quando,o sr vice presidente eh ou sera fiel?seu partido eh manda chuva de altas aquisicoes de poderes!

    Enfim,sou uma tiazinha(!!!)que vai a feira livre,e descobri que os feirantes,votaram praticamente TODOS!!em Tiririca-voto de protesto!!e converso com os porteiros,o funcionario publico,a diarista,o estudante universitario de uma Sao Francisco de uma Anhanguera-e moro em bairro ostentivamente pessedebista,e vou tirando conclusoes em aprendizados diarios de contatos pessoais e leituras boas:!)1)pessoal em geral,eh bastante desinformado,e nao tem a menor intencao de saber,ou entender o minimo do que eh cidadania,ser cidadao,politica etc e tal;2)a nova classe media tambem eh anti PT-explica-se os votos dados ao governador que seca as torneiras;3)o mercado-deus cruel,e insaciavel,faz diariamente suditos e seguidores vorazes,que com seus dedinhos passam horas no dedilhar dos smart phones,e,muitos sao bastante ferozes ignorantasticos(ignorantes politicos de uma maneira fantastica!!!)-e,nesta fase etaria,principalmente a da geracao Y-sairam muitos dos votos nulos.(“contra toda essa corrupcao que esta ai”…-(lembremo-nos:jovens tendem a ser idealistas/puristas…)ENFIM:como doutrinar,ensinar as novas geracoes???sao filhos do Deus Mercado!4)Ha algo de podre no reino da…politica  rasteira,e sei nao…a palavra golpe pode nao ter um peso maior para os que tem menos de 50 anos.5)Controle da midia,pelo amor de Deus!!!!Um marco regulatorio!!!O que ela tem feito eh crime!!! 6)precisamos resolver uma equacao absurda:mobilidade das pessoas/poluicao,meio ambiente,catastrofe ambiental fatal e final,producao de carros,emprego e desemprego(da ind.automobilistica), e aquisicao pela nova classe com poder aquisitivo via credito…?????como resolver?Sim,transporte publico de qualidade,mas as pessoas querem um carro!Finalmente,dizem…desejo palpavel,mas nao se pode colocar 1200 carros novos nas ruas de Sampa TODOS os dias!!!Precisamos TIRAR 1200 carros das ruas por dia!!!

    O Brasil mudou!Nascemos todos em um pais mediocre,e hoje eh a 7 economia do mundo!Temos uma enorme vontade de diminuir ainda mais a grande diferenca de renda.De buscar uma maior justica,entendendo-se uma inclusao maior.Falta muito,mas para o que eramos…

     

     

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