República Checa e Brasil, por Walnice Nogueira Galvão

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República Checa e Brasil

por Walnice Nogueira Galvão

À primeira vista, parece que nada há de comum entre os dois países. Língua, cultura, culinária –  tudo os separa.

É aí que você se engana. Uma lenta e laboriosa relação vem sendo construída passo a passo nos últimos anos, e isso através de canais universitários, especialmente a Universidade de São Paulo. Um convênio datando de 2010 ativa o intercâmbio de alunos e professores. Também o programa Ciência Sem Fronteiras inaugurado pela presidente  Dilma Roussef, com bolsas para 100 mil estudantes, inovou ao incluir pela primeira vez países fora do eixo Europa-Estados Unidos. Além de China e Japão, o programa ofereceu bolsas para a República Checa.

Anteriormente, o que chegava de lá até nós? Muito pouco, mas vejamos…

Soberano como o checo mais famoso do planeta sempre pairou Franz Kafka, admirado no mundo todo. Mas também provêm de lá o poeta Rainer Maria Rilke, Jaroslav Hasel de O bravo soldado Schweik e Karel Capek da Guerra das salamandras, notório pela invenção da palavra “robô”. Pouco se conhecia da rica tradição cultural checa, quase nada atingia o Brasil. Lembro-me de ter levado meu filho quando pequeno a uma semana do cinema checo, que me deixou surpresa. Ele adorou particularmente o filme Um dia, um gato.

Vem à mente neste ponto a chamada Nouvelle Vague do cinema checo, nos anos 60 e 70, que chegou aqui via França e Estados Unidos, quando dois filmes checos ganharam o Oscar em anos sucessivos. Foram eles A pequena loja da rua principal (Elmar Klos e Jan Kadár, 1965)  e o maravilhoso Trens estreitamente vigiados (Jiri Menzel, 1966), que ficou semanas em cartazMas também passaram pelas salas de arte outros como Valerie, As pequenas margaridas, Os amores de uma loura. O diretor deste último, Milos Forman, ficaria célebre depois que emigrou para os Estados Unidos, tornando-se o diretor premiadíssimo de Um estranho no ninho, Hair, Ragtime, Amadeus etc. Aproveito para homenageá-lo por motivo de seu recente falecimento. Mas depois os filmes checos foram rareando.

Em compensação, a música clássica checa nunca desertou de nossas salas de concerto. Dvorak era e é muito executado, talvez mais que outros que também estão presentes, como Smetana e Janacek, cuja ópera Katia Kabanová foi encenada no Teatro São Pedro agora, no dia 17 de agosto de 2018.

Acompanhamos com simpatia e boa torcida a chamada Revolução de Veludo e a eleição de Václav Havel, quando da redemocratização da República Checa.

Nos desdobramentos universitários dos últimos anos, mudou de nome um certo departamento da Universidade Carolina (ou Carolus) de Praga, umas das mais antigas do mundo, fundada em 1384. Agora se chama Departamento de Estudos Lusobrasileiros. Criou-se um Centro de Estudos Lusobrasileiros e uma coleção que edita traduções de nossa literatura, já tendo publicado, entre outros, Macunaíma, Memórias póstumas de Braz Cubas, Castro Alves, Lima Barreto etc. O Centro tem sede num belo palácio barroco, no coração do centro histórico de Praga. É só sair dali e atravessar a imponente ponte que leva o nome do fundador da Universidade (Ponte Carolus), o rei Carlos IV, pontilhada por trinta lindas estátuas barrocas de pedra em tamanho natural.  

Ultimamente, os colegas checos da Universidade estão militando na ampliação e aprofundamento dos estudos lusobrasileiros no Leste Europeu. Já fizeram, inclusive, três congressos que reuniram, afora brasileiros e portugueses, checos naturalmente, também especialistas oriundos da Rússia, Polônia e Hungria – o que não deixa de ser muito interessante, ainda mais para nós.

Houve esta semana na USP um seminário sobre as relações culturais entre ambos os países, com uma exposição que permanecerá aberta no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), a partir do dia 21 de agosto.

Não poderia terminar esta rápida nota sem falar da cerveja. Os checos se jactam de ser os maiores consumidores no mundo – nisso rivalizando com os belgas, que disputam o recorde. Quando for a Praga, prepare-se para uma bebida  saborosíssima, sorvida em enormes canecas de meio litro e em temperatura ambiente. E não reclame, porque a temperatura é de rigor.

Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFGLCH-USP

 

Walnice Nogueira Galvão

2 Comentários

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  1. República Checa e Brasil
    Em 2014, logo após a maratona de Berlim, na qual minha esposa correu, fomos para Praga. Mesmo com aquela história e paisagem deslubrantes, o que nos impressionou foi a quantidade de brasileiros que estavam lá. Detalhe: ninguém com camisa CBF… Mas nos restaurantes, nas praças, museus e livrarias o que soava era nosso português tupininquim. Só vi dois norte-americanos, a título de detalhe. Isso em outubro de 2014, antes do FGTS das Empregadas Domésticas e da alíquota de 6% do IOF nos gastos de cartões de crédito no exterior….

    1. Sem querer ofender

      mas acredito que isto foi um movimento da classe média alta, já que Miami e Paris já estavam virando carne de vaca pois a classe média baixa estava indo para lá e exibindo as suas fotos nas redes sociais, então o negócio era se diferenciar…

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