Saúde pode perder R$ 35 bilhões em 2021 se teto de gastos for mantido, por Lauro Veiga Filho

O cenário seria ainda mais dramático caso o País não tivesse uma estrutura mínima no setor, assegurada pela existência do sistema único e universal de saúde.

Agência Brasil

Saúde pode perder R$ 35,0 bilhões em 2021 se teto de gastos for mantido

por Lauro Veiga Filho

Caso venha a ser aprovado sem alterações pelo Congresso, o projeto de lei que fixa as diretrizes para o orçamento de 2021 deverá impor ao setor de saúde uma perda de R$ 35,0 bilhões em receitas no próximo ano, comparando-se com os valores que haviam sido autorizados no orçamento deste ano para o setor, antes da pandemia. A estimativa foi incluída em artigo publicado na edição brasileira do Le Monde Diplomatique (15.07.20) pelos economistas Bruno Moretti, Francisco Funcia e Carlos Ocké, e leva em conta ainda a perspectiva de preservação da Emenda Constitucional 95, que criou o teto para as despesas públicas, limitando sua variação ano a ano à inflação observada no exercício imediatamente anterior, numa formulação meramente fiscalista e, mais grave, engessando o orçamento da União por incríveis duas décadas – uma “inovação” exclusivamente brasileira, produzida por “austericidas” ultraliberais.

O prejuízo para o Sistema Único de Saúde (SUS), vale dizer, para a saúde de todos os brasileiros, pode subir a quase R$ 57,6 bilhões entre 2018 e 2021, em apenas quatro anos de vigência do “Novo Regime Fiscal”, consolidado desde a entrada em vigor do teto para as despesas do setor público federal. A queda real das despesas aprofundaria a crise de subfinanciamento do sistema, significando perdas equivalentes a praticamente 0,8% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado pelo Banco Central (BC) para os 12 meses encerrados em junho deste ano (algo em torno de R$ 7,194 trilhões).

O trabalho daqueles economistas foi, na verdade, uma resposta do trio de economistas a artigo assinado pelo economista Marcos Mendes, um dos “pais” do teto de gastos e pesquisador associado do Insper, publicado pela Folha de S.Paulo em 19 de junho passado. Mendes tentou demonstrar, numa argumentação pouco ortodoxa e baseada em números bastante controversos, que o “Novo Regime Fiscal” não só não teria causado perdas para a saúde como teria ampliado o volume de recursos para o setor. Nas contas de Mendes, se comparado ao modelo de financiamento adotado anteriormente para a saúde, a sistemática adotada para a fixação do teto de despesas permitiu um aumento de R$ 9,3 bilhões nos gastos do SUS entre 2017 e 2019. Uma conclusão torta, baseada em dados igualmente distorcidos.

Erro na partida

“Mendes adota pressupostos questionáveis para abordar os efeitos do teto de gasto sobre o SUS”, constatam Moretti, mestre em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-doutor em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), Funcia, consultor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e Ocké, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na verdade, constatam, a pandemia escancarou os graves problemas gerados pelo subfinanciamento do SUS. Ainda assim, vale acrescentar, o cenário seria ainda mais dramático caso o País não tivesse uma estrutura mínima no setor, assegurada pela existência do sistema único e universal de saúde.

Num primeiro “equívoco” (deliberado?), o criador do teto tenta fazer crer que o Novo Regime Fiscal estaria em vigor a partir de 2017, quando, a bem da verdade, só começou a produzir efeitos legais e práticos de 2018 em diante, congelando as chamadas despesas primárias em termos reais. Em 2017, especificamente, os valores mínimos destinados à saúde passaram a tomar como referência o piso de 15% da receita corrente líquida, atualizada pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado em 12 meses. “Desse modo, o Novo Regime Fiscal passa a surtir efeitos específicos sobre a saúde em 2018, ano a partir do qual se pode calcular a diferença entre os valores aplicados em saúde e o mínimo obrigatório, conforme a regra anterior”, argumentam Moretti, Funcia e Ocké.

Para complicar, Mendes parece basear suas estimativas em valores calculados a partir de percentuais equivocados. “O suposto ganho de R$ 9,3 bilhões – produto da diferença entre a execução dos recursos nos anos de 2017 a 2019 e a regra de gasto mínimo anterior – é calculado contra os valores de 13,7% (2017), 14,1% (2018) e 14,5% (2019)” da receita corrente líquida. Os percentuais de fato estão previstos na Emenda Constitucional 86, de 2015, que elevou o piso de gastos na saúde para 15% da receita líquida de forma escalonada, ao longo de cinco anos. “Todavia, o escalonamento foi tornado sem efeito por liminar do ministro Ricardo Lewandowski (do Supremo Tribunal Federal), de modo que, não fosse a Emenda Constitucional 95, o piso da saúde seria 15% da receita corrente líquida a partir de 2018”, observam os economistas.

Bilhões perdidos

Além disso, ao fazer a comparação entre o piso existente até 2017 e o Novo Regime Fiscal, Mendes, que tenta legitimar políticas de arrocho fiscal em plena crise sanitária, deixou de lado o fato de que as despesas com o SUS apontaram redução como proporção da receita corrente líquida entre 2017 e 2019. No período, a relação baixou de 15,8% para 13,5%, numa redução de 2,3 pontos de porcentagem, “produto do congelamento em termos reais do piso de aplicação do setor. O sentido do congelamento é justamente evitar alocação adicional de recursos no setor em razão de eventual ganho de arrecadação”, reforçam Moretti, Funcia e Ocké.

Em 2018 e 2019, o SUS deixou de receber R$ 3,98 bilhões e R$ 13,58 bilhões, respectivamente, somando perto de R$ 17,56 bilhões, “considerando a diferença entre os valores executados e o mínimo obrigatório” (os 15% sobre a receita líquida). Neste ano, considerando as despesas e as receitas previstas na lei orçamentária e desconsiderando os gastos atípicos trazidos pela pandemia, os recursos autorizados para o SUS estariam R$ 5,0 bilhões abaixo do piso, elevando a perda para R$ 22,56 bilhões em três anos. Ainda conforme o trio de economistas, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias “declara o teto de gastos como âncora fiscal para o próximo exercício”, retomando o congelamento do piso para a saúde. Neste caso, o SUS deixará de receber em torno de R$ 35,0 bilhões em relação ao orçamento autorizado para 2020.

Redação

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