Sebastianismo: D. Sebastião lá e cá – I, por Walnice Nogueira Galvão

Sebastianismo: D. Sebastião lá e cá – I, por Walnice Nogueira Galvão

D. Sebastião era rei de Portugal quando, aos 24 anos, comandou uma impensada e anacrônica cruzada contra os mouros do Marrocos que redundou em desastre. As forças cristãs, compostas pelo que de melhor e mais promissor havia na juventude nobre do país, foram dizimadas na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. Pereceu o rei, que ainda era solteiro e não tinha filhos, pereceram todos os seus cavaleiros, e seu corpo nunca foi encontrado.

Esse desastre maior para Portugal, que mal saía da gloriosa era das navegações e descobrimentos, quando tinha plantado sua bandeira nos quatro cantos do mundo, inclusive em nosso país, teria como consequência a perda da soberania. Por falta de herdeiros da linhagem real, a coroa passou para a Espanha. Só em 1640 Portugal a recuperaria.

Não fazia tanto tempo assim que o bisavô de D. Sebastião, D. Manuel, passara para a história com o epíteto de O Venturoso, tantas e tais as conquistas planetárias que engrandeceram seu reino e resultaram na expansão do império português. Entre outros feitos, foi na vigência de seu reino (1495-1527) que foi descoberto o caminho para as Índias e também o Brasil.

Um rei que desaparece sem que seu corpo seja encontrado é matéria para messianismo, fenômeno universal de que o sebastianismo seria a forma particular, típica de Portugal. O rei estaria vivo mas encantado, nas Ilhas Afortunadas, encobertas por um nevoeiro, de onde um dia se desencantaria e viria regenerar Portugal, reinstaurando o país nas glórias de outrora: donde seu epíteto O Encoberto. Outros D. Sebastião, figuras históricas, se apresentaram, mas foram desmascarados.

Essa forma peculiarmente luso-brasileira de messianismo – quando, em tempos de crise, o povo incorpora um salvador – produziu surtos de sebastianismo que dilaceraram a história de Portugal e do Brasil.

De fato, a morte de D. Sebastião encerra, com estrondo, o grande período das navegações e descobrimentos, fase áurea que terminou abruptamente, entrando desde então a nação portuguesa em gradual decadência, da qual não mais se recuperaria. Tanto basta para criar um mito e suas irradiações.

Em Portugal, resultou em alta literatura e inspirou os maiores escritores. A epopeia nacional Os Lusíadas de Camões, que louva as glórias dos portugueses e sua inserção na história mundial, é dedicada a D. Sebastião, pois foi escrita durante seu reino, embora só depois publicada. O texto traz várias admoestações a El-Rei no sentido de multiplicar essas glórias, inclusive em expansão territorial. É verdade que também encontramos no poema os presságios funestos expressos pelo Velho do Restelo, que alerta para os desmandos que poderão sobrevir da ganância.

Logo depois, surgiria a utopia do Quinto Império preconizado pelo padre Vieira. Nascido e crescido  sob domínio espanhol, Vieira tentou convencer o rei D. João IV de que cabia a Sua Majestade assumir pessoalmente a missão d`O Encoberto.

Sinais como esses impregnariam a obra de Fernando Pessoa, especialmente Mensagem, quando, no poema “D. Sebastião, rei de Portugal”, atribui a El Rei estas palavras:  “… onde o areal está/ Ficou meu ser que houve, não o que há.”. Ao fazer o elogio da loucura, a que se deve o desatino da empreitada da última cruzada e por isso mesmo sua grandeza, termina por notáveis versos: “Sem a loucura que é o homem/ Mais que a besta sadia,/ Cadáver adiado que procria?”

Afora a literatura e a iconografia, o alcance popular do mito se expressa igualmente na criação incessante de fados, a canção típica de Portugal, que falam de D. Sebastião e que ainda hoje são compostos. No cinema, ilustre registro é o filme Non ou a Vã Glória de Mandar, realização do maior diretor de toda a história de Portugal, Manoel de Oliveira. Retratando os principais episódios bélicos da crônica de seu país, vai de Viriato e a resistência ao invasor romano, até a guerra colonial contra Angola e Moçambique. Um dos episódios trata de D. Sebastião e Alcácer-Quibir.

Mito maior a assombrar os destinos de Portugal, D. Sebastião e o sebastianismo tanto se manifestam do lado de lá quanto do lado de cá do Atlântico.

Walnice Nogueira Galvão é professora emérita da USP

Walnice Nogueira Galvão

10 Comentários

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  1. Nesta batalha morreram 3
    Nesta batalha morreram 3 reis!
    E foi a origem da expressão “ficou a ver navios” que é como ficaram as pessoas ligadas à este reinado. Ficavam no porto esperando o Rei, desaparecido, voltar.

    1. Quais foram os outros dois?

      Se ele era solteiro e nao tinha filhos, quem eram os outros “reis”? Reis europeus aliados de Portugal naquela época? Reis dos próprios países invadidos? Quais eram? 

      1. Não me lembro quem eram.Um

        Não me lembro quem eram.

        Um era o apoiado por Portugal que queria reinar no Marrocos.

        O outro deve ser um Sultão qualquer.

         

        Eu li isso num livro em detalhes há muito tempo atrás mas não me recordo qual.

        Don Sabastião também era hermafrodita.

         

        Batalha dos 3 Reis é como a batalha ficou conhecida no Marrocos. Em Portugal o nome foi outro.

        Aqui tem um resumo:

        http://batalha3reis.appspot.com/

         

        Mas este site auqi é bem legal:

        http://aventar.eu/2011/11/03/alcacer-quibir/

         

         

        1. Legal, obrigada

          O texto do site que vc linkou esclarece a questao. Morreram D. Sebastiao, o rei que ele foi ajudar, e o rei inimigo. Eu nao sabia disso.

      2. Sobre o vídeo que vc

        Sobre o vídeo que vc perguntou, tem como vc colocar aqui o tópico?

        Eu não me recordo do vídeo mas me lembro que na época eu tinha dado uma lida sobre Djalma Guimarâes e talvez tenha relação com isso.

          1. Vc se refere a série que

            Vc se refere a série que postei?

            O curso completo de física da universidade carltech?

            Chama-se The Mechanical Universe

             

            Curso completo e não precisa de matemática. É uma aula de história

            São 55 episódios e está disponível em torrent se vc procurar.

             

            Mas acho que coloquei outro documentário. Eu tenho vários, mais de 300 gigas de documentários baixados e por isso fica difícil achar um em minha memória.

            Recomendo o site DOCSPT que é especializado em fornecer legendas para documentários. Ali vc acha muitos documentários interessantíssimos que jamais ouviria falar sem acessar este sítio.

            Estou registrado lá como RatusNatus

             

            Talvez vc se refira ao The Elegant universe que explica a teoria das cordas para leigos.
            Bom documentário para leigos porque primeiro explica a teoria da relatividade, depois explica a teoria quantica. posteriormente explica porque uma é incompativel com a outra e apresenta a teoria das cordas como solução.

            de maneira superficial, lógico, mas da para entender bem os pontos.

             

          2. Nao. Eu pensava q vc tinha posto A História do Átomo

            Mas obrigada pela indicaçao. Tô sem muito tempo agora, mas vou lá para pelo menos colocar o site nos favortiso, e depois volto com calma.

  2. Lula e o sebastianismo

     Lula era o Sebastião da vez, mas com o aprofundamento da grande depressão mundial, quem sabe não é a hora de largar o pepino insoluvel na mão da oposição?

     

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