Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Sem golpe, sem impeachment e sem frentes?, por Aldo Fornazieri

Em consequência de erros de avaliação, as esquerdas se enredaram na inócua discussão das frentes: Frente democrática, frente antifascista ou frente democrática e popular.

Porto Alegre – Mídia Ninja

Sem golpe, sem impeachment e sem frentes?

por Aldo Fornazieri

Quando falta a virtude combativa, a capacidade e a criatividade, a fortuna tende a triunfar contra a vontade e os projetos dos atores políticos. O Brasil vive um daqueles momentos, não raros aqui, no qual nenhuma força política consegue imprimir direção e sentido aos acontecimentos políticos. Bolsonaro quer dar um golpe e não consegue, as esquerdas querem o impeachment e não conseguem e setores de centro e de esquerda querem formar frentes e não conseguem. Poucas forças políticas organizadas e atores sabem realmente o que querem, neste momento, ou sabem o que fazer. Talvez Rodrigo Maia, Lula, os militares que estão no governo e Ciro Gomes, todos em parte? Talvez.

O fato é que a conjuntura política nas últimas semanas se movimentou no sentido de novas tendências ou de uma reconfiguração. O fato determinante foi o limite à estratégia de autoritarismo incremental que Bolsonaro e os setores radicais do bolsonarismo vinham incrementando. Este limite tem alguns vértices. O principal, foi a ação contundente do STF e do Judiciário a partir investigação e prisão de promotores de atos antidemocráticos, do andamento do processo das fake news, dos desdobramentos da fatídica reunião ministerial e da prisão do Queiroz. Pela primeira vez depois que assumiu a presidência, Bolsonaro viu-se obrigado a passar para uma posição defensiva.

Três outras linhas de força também contribuíram para o recuo de Bolsonaro e do bolsonarismo: a sinalização crescente dos militares da ativa de que não embarcariam em aventuras golpistas e que não querem ver as Forças Armadas associadas a esses movimentos; o fortalecimento de tendências de impeachment no Congresso e os incipientes movimentos de rua liderados por torcidas e outros movimentos sociais que apontam para a tendência de um crescimento de manifestações contra o governo e enfraquecimento das mobilizações bolsonaristas.

Bolsonaro acusou o perigo: acelerou o pedido de socorro ao centrão e aos militares, sacrificou Weintraub e os bolsonaristas radicais, que se revelaram grupelhos, foram intimidados pelo STF e sofreram uma espécie de esfriamento no interior do próprio bolsonarismo mais geral. O perigo que Bolsonaro corre é o que pode vir do caso Queiroz. Não se sabe realmente se o que pode vir tem a força de causar um grande estrago a Bolsonaro ou apenas ao seu filho, senador Flávio. O inquérito das fake news também tem algum perigo potencial, mas, aparentemente, de menor teor explosivo.

Desta forma, com os 32% de apoio popular, com a aceitação da tutela militar, com o abrigo do centrão, com o recuo na estratégia de autoritarismo incremental e com a inexistência de grandes mobilizações de rua, ao contrário do que dizem analistas extraviados de esquerda, Bolsonaro não sofre perigo de impeachment no curto prazo. Mas outro perigo pode estar logo ali na frente: o desastre econômico e social que já se evidencia por conta das consequências da pandemia e de falta de programa econômico do governo pode alterar os ânimos e as tendências políticas.

Para que um cenário de impeachment se coloque com força, a conjuntura deve reconfigurar-se drasticamente a ponto de ser capaz de empurrar partidos e parlamentares de centro e de direita para o lado do impedimento do presidente. Por ora, não há sinais nesse sentido. Isto não significa que a oposição de esquerda, por diversas razões, mas principalmente por uma questão de dignidade nacional e de defesa da democracia e dos direitos, não deva lutar pelo impeachment. Para isso, precisa saber ler a conjuntura e saber agir nela.

Em artigo anterior (O extravio das esquerdas) apontei para alguns erros de avaliação de conjuntura dos partidos de esquerda. O primeiro e, mais grave, era e em parte ainda é, o de que Bolsonaro, junto com os militares, dariam um golpe. As esquerdas, que oscilam entre o medo (apavoradas com o golpe) e o ufanismo pueril (iminência da queda de Bolsonaro), confundiam os desejos de Bolsonaro e dos bolsonaristas com a realidade efetiva das coisas da política brasileira. Perderam mais de um ano na inconsequência analítica e nos erros táticos e estratégicos.

O segundo erro consistiu e, em parte ainda consiste, em classificar o governo como fascista. Que Bolsonaro e bolsonaristas têm posições fascistas, não resta dúvida. Mas daí a classificar o governo como fascista é um erro elementar que não resiste à análise comparativa histórica do que foi o fascismo e à análise conceitual.

Em consequência desses dois erros de avaliação, as esquerdas se enredaram na inócua discussão das frentes: Frente democrática, frente antifascista ou frente democrática e popular. A discussão é inócua porque colocaram a forma na frente do conteúdo, o formalismo na frente das lutas. O mais importante era articular lutas e construir unidades em torno delas. Se isto resultaria na articulação de frentes formais ou informais seria o processo que decidiria. O mais provável, seria a constituição de frentes informais e pontuais.

Nesse ponto, Lula acerta em não querer integrar uma frente formal. Mas erra, no meu juízo, quando se nega em participar de um ato pontual em defesa da democracia. Enquanto isso, a direção do PT fica a deriva, sem saber exatamente o que fazer. O PSOL não está menos perdido: se, taticamente, acerta em avaliar que é importante participar de atos pontuais em defesa da democracia, estrategicamente ainda fica iludido e enredado na tese de uma frente popular. O PSOL deveria investir na construção de uma unidade em torno de uma plataforma de lutas concretas e preparar-se para as eleições municipais sem subordinar seus objetivos eleitorais aos inexistentes objetivos de uma suposta frente popular.

Setores do PT e do PSOL comungam do mesmo erro quando pensam que as eleições municipais serão uma espécie de plebiscito contra Bolsonaro e que deve se formar uma frente eleitoral antifascista e pela democracia. Em primeiro lugar, Bolsonaro não se apresentará com uma força própria nessas eleições. Em segundo lugar, os partidos de esquerda devem combinar dois critérios na definição de suas táticas eleitorais: 1) o critério do fortalecimento do campo democrático e popular; 2) o critério dos objetivos eleitorais de cada partido. Pelo primeiro critério, onde houver alguma chance de vencer com um candidato de esquerda, os partidos devem se coligar. Pelo segundo critério, onde não houver essa possibilidade, cada partido fica livre para buscar se fortalecer sem, necessariamente, excluir alianças.

Assim, PT e \PSOL precisam se desenredar de seus equívocos e definir melhor seus objetivos estratégicos e seus movimentos táticos. Nesse sentido, Ciro Gomes, a seu modo, parece ter mais clareza aonde quer chegar. Estrategicamente, quer aglutinar um novo campo de forças de centro-esquerda e de centro, a partir de um programa nacional, para disputar as eleições de 2022. Taticamente, busca defender bandeiras de luta e fazer alianças eleitorais nas eleições municipais que encaminhem o fortalecimento de seu projeto maior.

Para viabilizar seu projeto, Ciro precisa rivalizar com Lula e o PT, pois é com o que ele chama de lulopetismo que ele disputa a hegemonia. O PT precisaria encontrar uma maneira de desarmar essa armadilha. Se bater forte em Ciro, tende a fortalece-lo. Desta forma, deveria agir no campo político, programático e, principalmente, na mudança de sua postura hegemonista para   recompor um campo de alianças. Reduzir o PT a uma aliança com o PSOL representaria um estreitamento e uma enorme perda de capacidade política do PT. E o PSOL, por seu turno, não pode subordinar seus objetivos aos interesses do PT, pois o partido precisa construir-se num terreno político que o PT não ocupa ou deixou de ocupar. O terreno das periferias e dos novos movimentos sociais, setores órfãos de organização e representação política.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

12 Comentários

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  1. Globo, lavajato, moro, folha, cunha, estadão, aócio, fhc, com stf com tudo e ainda dizem que a culpa da eleição e da manutenção do bozo no puder é do PT. Tão querendo enganar quem?

  2. Tem mais cacique que indio.

    Tô defendendo faz tempo que neste momento é melhor estar todos dentro do mesmo Partido e as diferenças sendo tratadas internamente para sair uma ação que seja coerente. Logo, que se funde um novo partido com a galera “de esquerda” toda junta na mesma jangada.

    Esperar da Gleisi algo propositivo e que nos lidere e o mesmo que esperar bom senso do Recruta Zero

  3. O último parágrafo merecia algumas reflexões a mais. Diz Fornazieri que o PT precisa sair da armadilha da luta pela hegemonia para recompor um campo de alianças. E que a aliança com o PSOL é estreita (no que concordo). Eu penso que isso é impossível de ser feito por algumas razões. A mais importante delas (e que vale a pena entrar em detalhes) é que uma política como essa de alianças vai contra a própria razão de existência do PT (e do PSOL também que nada mais é que um braço mais rebelde do mesmo grupo). A razão da existência do PT vem de uma vontade de parte da esquerda brasileira, quando da abertura e volta de vários políticos no exílio, de querer “enterrar” uma série de líderes políticos que foram os protagonistas até a década de 60, pois estes eram vistos como os grandes culpados de uma derrota humilhante que a esquerda brasileira sofreu com o golpe militar. 40 anos depois, pensar que o partido tem que voltar atrás e compor com grupos que representam estas lideranças lhes emprestando o “protagonismo” é como que assinar um atestado de falência do próprio PT e da sua razão de existência. Por isso que o PT não faz e não fará nenhuma autocrítica, pois ao enveredar por este caminho, o que eles estão fazendo nada mais é que admitir que a própria existência do PT foi um erro em seu nascedouro. O principal problema que o PT vai enfrentar (e não sei se vai conseguir) é ter que ele próprio agora assumir o papel que essas lideranças do pré-64 tiveram de “generais da derrota”, em um contexto talvez até mais humilhante que o de 1964 por conta da total incapacidade mostrada até agora de se tornar um ator efetivo no campo de luta popular.

    1. Diante das afirmações de Bernardo Costa, e sentindo-me mero petista sarnento e desqualificado, valho-me do magistério cirúrgico do nosso querido Jack, o Estripador, de modo que vou por partes:

      1. Crendiospai! Meujesuiscristinho! Acuda-me Nossa Senhora da Autoflagelação!

      2. Depois de 38 anos de filiação e modesta militância, minha cacholinha desapetrechada finalmente foi apresentada à duríssima verdade.

      3. Descubro que “a razão da existência do PT vem de uma vontade de parte da esquerda brasileira, quando da abertura e volta de vários políticos no exílio, de querer “enterrar” uma série de líderes políticos que foram os protagonistas até a década de 60, pois estes eram vistos como os grandes culpados de uma derrota humilhante que a esquerda brasileira sofreu com o golpe militar”.

      4. Que gente mais malvadona, né não, meninos e meninas? Foi assim, se bem me lembro: um dia, lá no final dos anos 70, uma certa parte da esquerda brasileira acordou com os pacovás cheios e, não havendo nenhum fornazieri por perto, resolveu enterrar Brizola, Arraes, Almino Afonso, Prestes, dentre outros, e o sepultamento deu-se por certo em covas rasas, vez que todos, nos anos seguintes, em titânica luta contra o PT malvadão, fizeram consistentes carreiras políticas em diversas instâncias, incluindo em aliança … com o PT! Vale dizer que, além de malvadões, somos uma tropa de incompetentes, nem fazer um enterro decente sabemos.

      5. Mais ainda, Bernardo, o Costa, seguidor de fornazieri, decidiu que “Por isso que o PT não faz e não fará nenhuma autocrítica, pois ao enveredar por este caminho, o que eles estão fazendo nada mais é que admitir que a própria existência do PT foi um erro em seu nascedouro”.

      6. Vejamos. Aos quarenta anos de vida, o maior partido de esquerda do Brasil, com sólida base social, com evidente rol de acertos nos parlamentos e no poder executivo deveria, segundo bernardo, admitir que sua própria existência foi um erro!!!

      7. Eis-me aqui aos 68 anos, 6 filhos e oito netos, ex-sindicalista petroleiro, fundador e dirigente da CUT/PR, dirigente do próprio PT, finalmente estapeado pela verdade revolucionário de bernardo, o costa, e não me resta alternativa que não seja comprar um chicote de autoflagelação, com pontas metálicas, e um cilício (de algum numerário da opus dei), para alcançar minha redenção, vez que meu check-in para os quintos já foi feito.
      8. E de inhapa, bernardo, passarei o que me resta de vida em severa penitência comendo chuchu no vapor, ouvindo sertanejo universitário e gospel gosmento. Todos os dias.

  4. Lula erra em não participar de um ato em defesa da democracia que não defende a devolução de seus direitos políticos, cassados ilegalmente, como forma de retomar a democracia plena?

  5. Professor Aldo, o PT ou Lula poderia tê-lo como conselheiro. Sei que muitos vão discordar, mas do jeito que a canoa esta descendo o rio desgovernada é o momento do PT, PSOL, etc, buscarem cabeças que possam pensam sociologicamente e politicamente este momento. Enquanto isso, as mulheres fazendo a resitência e indo para o campo de batalha. Precisamos de mais vozes na imprensa.

  6. Aldo Fornazieri sabe tudo: lê borra de café e conjuntura com olhos de lince, lança búzios, desvenda tarô, faz suflê de chuchu, sua visão tática é perfeita, seu entendimento estratégico é luminosamente superior, etc e tal e cousa e lousa.
    O homem sabe tudo, e tanto que, do alto da sua cátedra resplandescente, troveja lições aos partidos de esquerda, aos sindicatos e movimentos sociais.
    Eu, reconhecidamente um sujeito de poucas e bruxuleantes luzes, primeiro grau completinho, como minhas goiabinhas regulamentares e entro em apoteose mental quando leio seus textos gordurosos, ajoelho-me humilde e afirmo, com o acato e o respeito devidos a sujeito de tão elevados dotes intelectuais, cuja copiosa produção teórica repousa na academia, em plácido distanciamento do mundo real e dos esgotos a céu aberto, sempre sob adequadas e perfeitas condições de temperatura, pressão e umidade, afirmo, como eu dizia, que Aldo é incapaz de organizar um passeata de meia quadra ou a sua própria greve de fome.

    1. Muito cacique para pouco índio, como dizem alguns, inclusive, muitos escrevendo …..querem o que de Lula e do PT? Lula ficou quase dois anos preso, em uma salinha, neguinho não aguenta ficar em quarentena duas semanas em casa e ainda podendo sair para seus afazeres…..nesse meio tempo perdeu amigos, neto, familiares……pensam que Lula é o super homem? Espanta-ne que mantenha o bom humor e não tenha se tornado rancoroso, medo que a elite tinha antes de solta-lo…..
      Querem o que do PT? Um.partido que apesar de ser achincalhado sempre respeitou a democracia, disputou eleições dentro das normas e sempre, SEMPRE, foi vítima de golpes baixos em todas a eleições, e quando a elite podre perdeu a paciência, inventou uma trola qualquer e o.retirou na marra do poder ….
      Quem tem que tomar vergonha na cara é o povo, não é cientista político, coisa que não existe, não é a mídia, vendida até os ossos para as piores quadrilhas internacionais, não são os políticos, mais sujos que pau de galinheiro, não é a oligarquia lojista incrustada no serviço público, se esperar essa turma canalha sem.carater algum o Brasil acaba…….

  7. Vende-se como vitória a desistência de algo que nunca houve, que é a tentativa de golpe do Bolsonaro e dos militares. Parte da oposição alimentou esse fantasma para justificar a necessidade de uma ação preventiva contra ele, mas afora faixas de alguns bobocas e coisas parecidas nunca houve nada. Nem haveria, imagine os militares botando tanques nas ruas para transformar o presidente em ditador.

    O recado de força que o grupo Bolsonaro-militares queria passar foi outro: Não tentem o “golpe” contra nós, não tentem nos tirar via TSE ou coisa parecida ou invocaremos o artigo 142, as PMs se revoltarão etc. Em suma, eles só interfeririam para “restaurar a ordem e manter o presidente democraticamente eleito”. E eu acho que isso foi transmitido com sucesso e já foi acertado que não acontecerá nada no TSE, restando o STF fazer o seu teatro e sair como autoridade. Esse é o motivo do paz e amor de agora.

  8. O nobre intelectual vive para culpar o PT por tudo. Neste texto, teve que reconhecer alguns méritos do PT e Lula, mas logo parte para culpá-los.
    Ciro vive em sua estratégia de se aproximar do centro e da direita, no entanto parece assumir uma armadura mais real do que a de centro-esquerda que tentava vestir. Parece agora se mostrar mais verdadeiro e nos explica o porquê foi para Paris em 2018.

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