Ser mãe, de novo e de novo, por Mariana Nassif

Ser mãe, de novo e de novo, por Mariana Nassif

Vanessa já apareceu por aqui, neste espaço, por ser sensível, escrevedora e amada. Desta vez, me tocou o relato do desmame de sua bebê Yuna, a pança mais linda da cidade.

Apesar do desmame ter acontecido por aqui há muito, muito tempo – Clara está com quase vinte – estou (estamos) passando por movimentos bruscos e intensos de ruptura e nascimento também de duas outras pessoas, na versão adulta agora. E como todo momento importante, tem sido forte, exigido paciência, cuidado, transformação e dor.

Sair de São Paulo foi uma decisão tomada por um impulso vital, como se minha existência dependesse dessa (também) ruptura. Mas não com ela. Durante o primeiro ano vivendo em Ubatuba, eram constantes as ligações, vídeos, fotos, troca intensa e muito presente. Inclusive nos combinados que davam conta de acompanhar a chegada em casa, o “che”, uma coisinha tão nossa que virou figura de comunicação entre minhas amigas e eu.

Crescemos, nos desenvolvemos e, como em todo processo legítimo, nos deparamos com nossas vulnerabilidades – inclusive as que pensei que, nesta relação, por ser tão de amor, não existiriam. Tive medo da ambiguidade de sentimentos que ambas experienciamos. Tenho medo, ainda, porque é tão difícil não saber pra onde vamos nesse novo descobrir onde o incondicional é tão fantasioso que só cabe nos sonhos dourados e reprimidos da maternidade opressora camuflada de apego, cuidado e amor. Ninguém ama incondicionalmente, e é cada vez mais urgente que isso seja repetido especialmente para as mães, para que possamos evitar, no mínimo, a cobrança por um sentimento que anula e isola a individualidade do outro (e do um). Mas falar sobre isso pressupõe humildade perante os próprios conflitos e eu ainda não estou preparada, por este motivo sugiro este vídeo da Maria Lucia Homem, sobre o mito criado em cima de tal conceito.

Enquanto trabalho este novo momento, aprendo a ser mãe de filha adulta e me reconheço de novo e de novo neste papel que escolhi sem dúvida alguma como um dos principais desta vida, me emociono ao ter contato tão próximo com mulheres que lidam com a vida assim, cheia de verdades, sabendo que estas, as vidas reais, dão conta não só do que achamos bonito, saudável e feliz – mas que a gente, quando bem informado e orientado, cresce e,tão importante quanto isso, deixa crescer. 

Aqui, o relato (e Yuna, que baita escolha você fez com estes pais):

Desmame não é “desame” nem vexame

Relato do nosso desmame, que aconteceu no final de dezembro de 2018 e que segue acontecendo e nos ensinando. Resolvi compartilhar com as amigas mães e os amigos pais.

Desde 11 de outubro de 2017 que eu vivia para alimentar Yuna. Ela chegou em minha vida em uma madrugada sem chuva, sem anúncio e mais rápido do que eu esperava. Na hora certa. Com as unhas grandes e o corpo magro, seus 51 cm e 3 quilos e pouco inundaram nossa vida de afeto, amor e leite. Eu não sabia como pega-la nos braços, como colocar na teta, como eu mesma seria capaz de nutrir esses primeiros e tão importantes dias dessa vida que eu mesma trouxe ao mundo.

A amamentação rolou como se eu já tivesse feito isso muitas outras vezes. Ela pegou direitinho, o leite desceu lindo, e ficamos assim, livre nas nossas demandas da vida. O tetê foi até quase seis meses o único sabor da vida dela. Eu voltei a trabalhar quando ela tinha 4 meses, e nos apertos de mais de 3 ou 4 horas longe, algum suquinho ajudou pai e filha a sobreviverem até a chegada do peito. Mais mamá, sempre e a qualquer hora. Com dois meses ela já tinha dobrado de peso. Quando fez 6 começou a comer frutas, legumes e logo feijão. E ela pirou no feijão.

O tempo foi passando e eu entendendo que o crescimento dela era meu também. Aos 8 meses eu sofri de uma das maiores dores que já havia passado. Candidíase mamária. Agulhadas na teta na hora de mamar, os dentes nascendo e Yuna já muito sagaz para que eu pudesse enrolar. Livre demanda seguindo solta, eu urrava de dores nas madrugadas pra conseguir amamentar. Foram umas duas semanas assim, tomei remédio, passei pomada, tomei sol e aos poucos foi sarando. Fiquei sabendo que muita gente desiste com essa doença e eu realmente pensei em largar tudo por conta da intensidade da dor. Aí como a gente é feita sei lá do que, aguentamos e segui o mamá, certa de que iria até os dois anos porque afinal, li em vários lugares que é assim que se faz. 

O tempo passou, mais dentes surgiram, quase andando, depois finalmente andou. E os passos firmes levaram ela pra longe, ela as vezes passava por mim, subia no colo, dava uma mamadinha e de novo saia correndo. Meu fluxo de trabalho também foi aumentando e ela passando mais os dias inteiros com o papai. Quando eu chegava com as tetas jorrando leite as vezes o que ela mais queria era que eu brincasse, e esse movimento foi me dando a dica de que estávamos chegando perto de mais uma grande mudança. Eu as vezes me sentia cansada, porque com o passar do tempo e a esperteza aumentando, durante a noite eu virava uma chupeta. Ela que dorme num berço acoplado à nossa cama vinha engatinhando meio dormindo e ficava lá. Resolvemos então tirar o tetê noturno, Veni ficando com ela quando acordava. Viajei um dia pra dormir fora, depois fizemos suquinho, água, coisas para que ela pudesse beber na madrugada. Depois de alguns dias acordando e dando várias choradas ela emendou o sono lindamente por algumas noites.

No meio de dezembro eu viajei a trabalho e ficaria uma ou duas noites longe da pequena. Veni me ligou contando que, por incrível que pareça ela havia dormido 9 horas seguidas sem acordar. Noite seguinte: a mesma coisa. No terceiro dia eles iam me encontrar e eu senti, com certo aperto no coração que aquela era a deixa. Liguei pra ele e falei, é agora. Vamos desmamar. Senti, estamos todos seguros. No terceiro dia quando ela chegou no lugar em que eu estava, ela veio no meu colo e não procurou o mamá. Me abraçou, brincamos e foi isso. O dia foi passando e em algum momento ela lembrou. Eu fiz sinal que havia acabado. E ela repetiu meu sinal e seguiu brincando. Ficou um pouco mais difícil quando chegaram as festas de final de ano e estávamos juntas o tempo todo. Deixei ela passar uma noite com os avós e assim passamos a primeira semana desmamando. Eu mesma comecei a me sentir culpada quando sai de recesso uns dias.

Como estávamos em Tietê e como manda a tradição, levamos ela benzer de lombriga e de susto. Depois comecei a entender que aquilo tinha sido uma escolha minha também. Que estávamos nesse caminho há um tempo e que já tinha cumprido minha missão no amamentar. Que a minha realidade me permitiu viver esse tempo como nutriz e tudo bem. “Mas e aí o que as pessoas vão pensar?” Juro que fiquei pensando no julgo da sociedade. Parte elogia, outra condena. O que eu sei é que comecei a viver coisas que nunca tinha vivido com ela até então. Parecia que estava nascendo de novo como mãe, só que agora sem tetê pra acalentar qualquer coisa que pudesse acontecer. Acho que um lado meu tinha medo dela não gostar mais de mim sem o mamá. Sério mesmo? Até parece né. E sim, senti isso. Bem lá naquele fundo sombra que a gente tem, ficava achando que eu não seria mais útil, me colocando em um outro lugar. Nada a ver né? 

Me senti meio sem chão e meio livre. Tomei uma cerveja de um jeito tão leve (não que de vez em quando eu não tomasse uma ou outra) mas foi diferente.

Devagar percebi que o nosso caminhar estava mudando. Percebi que passei a cantar mais com ela, inventar músicas nossas, dançar, fazer coisas novas para esses nossos novos momentos. Criamos uns chameguinhos nossos pra preencher os momentos de afeto e assim estamos até hoje. Agora lado a lado, de mãos dadas e por quanto tempo isso durar, a nossa relação será outra. Olho ela crescer, falar, correr, batucar e fazer muitas coisas para se tornar essa pessoinha que está se tornando.

Tenho plena consciência de que ela é uma pessoa totalmente diferente de mim e do pai e que a cada momento nossa necessidade em sua vida vai se transformar. Até o momento em que ela viaje e vá percorrer os diversos mundos que escolher viver. Eu, no momento lembro com muito carinho de amamentar essa bichinha, lembro do cheiro do leite, dela, da cor escura do mamilo cheião de leite e que é a vida que pulsa nesse serzinho especial que tive o presente de trazer ao mundo. E assim como a gente aprende tantas coisas com esses bebês que chegam em nossas vidas, desmamar me faz descobrir uma outra mulher/mãe. Além de me ensinar também que o colo de mãe continua com o mesmo aconchego. 

Yuna passou a dormir todas as noites inteiras desde então. As vezes acorda umas 5 ou 6 da manhã, pede “agu”, toma um gole de água e volta a dormir mais um pouquinho. Continua comendo com seu jeito bocão como sempre comeu e a gente continua aqui aprendendo e renascendo um pouco com ela em cada momento.

 

 

Mariana A. Nassif

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