Será o fim do lulismo?, por Juliano Giassi Goularti

Quando se deu conta de que a burguesia se articulava para isolar o governo, Dilma começou a ceder elevando a taxa de juros e cortando o gasto público. O governo recuou até substituir o desenvolvimentista Mantega pelo liberal-conservador Joaquim Levy, o que fez retroceder o lulismo

do Brasil Debate

Será o fim do lulismo?, por Juliano Giassi Goularti

Ao publicar o livro Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador (2012), André Singer expõe as contradições e avanços do governo Lula. Sem radicalização política e sem um conteúdo programático socialista como em 1989, isto é, dentro de um pacto conservador, esse governo se destaca, segundo Singer, pelas políticas de combate à miséria sem o confronto direto com os interesses do capital.

O conjunto de políticas sociais, como o Programa Bolsa Família (PBF), valorização do Salário Mínimo (SM), formalização do emprego, expansão do crédito (em particular o crédito consignado) e diminuição de preços relativos de artigos populares por meio das desonerações tributárias direcionaram parte da atividade econômica para os pobres, o que permitiu um maior poder aquisitivo das famílias de baixa renda.

Assim, diante de uma conjuntura internacional favorável e políticas de ativação do mercado interno, “a massa miserável que o capitalismo brasileiro mantinha estagnada começava a ser absorvida no circuito econômico formal” (Singer, 2012, 151).

Apesar do receituário neoliberal da política de juros e superávit primário, dentro do pacto conservador foi possível estabelecer uma política social que permitisse a inclusão da população pobre no mercado de consumo.

Como consequência das medidas para reduzir a pobreza, nas eleições de 2006 houve um realinhamento eleitoral. As classes médias e funcionários públicos que historicamente eram eleitores do PT migraram para o PSDB e o subproletariado (1), ou a “ralé” como descreve Jessé Souza (2), que sustentava o PSDB/PFL, adere em bloco a Lula. Neste caso, o realinhamento eleitoral é uma retribuição da população pobre a Lula.

Paralelamente, o “mensalão” e o ataque midiático afastam as classes médias e a política de valorização do SM somado ao PBF ascende socialmente a população pobre e mantêm estagnadas as conquistas do passado da classe média, provocando uma migração em massa para o tucanato.

A ascensão social da população de baixa renda, o subproletariado, tem em Lula e no PT sua representação e a classe média nos candidatos tucanos. Para Singer, isso significa que a polarização não se dá mais na separação entre esquerda e direita, mas, sim, entre pobres e ricos.

As camadas populares do subproletariado que desde a redemocratização sustentava nos “grotões do Brasis” o PFL e a aliança conservadora PSDB/PFL são rompidas em 2006. Mexendo com a “questão setentrional”, oportunizando a desprivação de capacidades básicas somado ao carisma, à capacidade retórica e à inclusão dos excluídos na “sociedade perifericamente moderna como a brasileira”, Lula consegue transmitir a “economia política do lulismo” para Dilma Rousseff.

Sem o radicalismo dos anos oitenta, o lulismo atende às reivindicações históricas da população pobre sem afrontar as contradições capitalistas. Em suma, o lulismo recolocou o crescimento econômico, a distribuição de renda e a política social no centro da agenda governamental a partir de uma coalizão política que manteve um relativo equilíbrio e cujos benefícios foram usufruídos tanto pelo subproletariado como pelo capital.

Singer (2012, p. 155) exalta que “O êxito da candidatura Dilma Rousseff em 31 de outubro de 2010 (….) representou a sobrevivência do lulismo. Para além dos mandatos de Lula”. Mas, ao contrário de Lula, a presidenta Dilma, ao estabelecer uma “nova matriz econômica”, acabou “cutucando onças com varas curtas” (3).

Pelo alto, Dilma e Guido Mantega atacaram os bancos, a batalha do spread ganhou foros públicos, impuseram controle do fluxo de capitais, taxaram o todo poderoso capital especulativo e reduziram a Selic. A descrença de ambos nas forças espontâneas do mercado e a decisão de expandir a ação estatal na economia fez a burguesia, assim como no final dos anos setenta (4), se rebelar e se unificar contra o intervencionismo estatal.

Embora “cutucando onças com varas curtas”, o realinhamento eleitoral de 2006 se manteve em 2014. Agora com forte confronto com o capital, sob ataque da grande mídia, fogo cruzado da oposição e ódio da classe média que se manteve estagnada, o subproletariado foi o fiel da balança.

Deve-se recordar que mesmo com a desaceleração da economia brasileira, crescimento anual médio de 2,1% em comparação à média de crescimento de 4,4% (2004-2010), queda da taxa média da formação bruta de capital fixo de 8% (2004-2010) para 1,8% (2011-2014), redução do crescimento médio anual das exportações brasileiras de bens e serviços de 1,6% (2011-2014) contra 5,2% (2004-2010) e decréscimo do consumo anual das famílias, média de 5,3% (2004-2010) contra 3,1% (2011-2014), o subproletariado novamente retribuiu na forma de apoio maciço (5).

Sob o carisma, a retórica e a política social-desenvolvimentista lulista, o subproletariado não estava disposto a ser protagonista de um realinhamento eleitoral à direita, ou melhor, um realinhamento aos ricos.

Quando o governo se deu conta de que a burguesia estava se articulando para isolar o governo, a presidenta Dilma começou a ceder por meio da elevação da taxa de juros e depois no corte do gasto público. A partir daí, o governo, passo a passo, foi recuando até chegar à substituição do desenvolvimentista Mantega pelo liberal-conservador Joaquim Levy, o que provocou um processo de retrocedimento do lulismo.

Num ambiente político tenso e econômico contraído, embora o ajuste fiscal tenha fracassado em 2015, o governo Dilma ficou os 12 meses de 2015 engessado pelas manobras de impeachment da Câmara dos Deputados, acuado pela operação Lava Jato, preso pela crise econômica, amarrado pela sangria de recursos públicos com juros da dívida (6) e perdido pelos sucessivos erros de políticas econômicas.

Embora Nelson Barbosa tenha substituído Levy no final de 2015 para dar sobrevida ao lulismo, o Chicago Boy Levy cumpriu sua missão de acender a ortodoxia dentro do governo, atacar os direitos constitucionais e suscitar cortes de recursos públicos direcionados ao investimento e aos programas sociais.

Não se chegou a essa situação pelo simples acaso. Os erros do gabinete da Presidência e do Ministério da Fazenda foram intencionais, provocando uma queda na popularidade da presidenta, que foi ao chão. O ano de 2015 terminou sob uma recessão que poderá ser ainda pior nos anos seguintes, podendo ainda ser mais aguda do que a da grande depressão de 1930-1931, como alerta Fabrício Augusto de Oliveira.

A questão é: se o governo não estabelecer uma política que privilegie o gasto público para suscitar a demanda agregada e não construir um amplo pacto social e político de centro-esquerda para interromper a queda livre da economia sinalizada para os próximos três anos, sob o fogo cruzado da mídia e das investidas da oposição, está correndo sérios riscos de um realinhamento eleitoral do subproletariado aos ricos em 2018.

Notas

(1) André Singer toma a denominação “subproletariado” de Paul Singer, Dominação e desigualdade. Estrutura de classe e repartição da renda no Brasil.

(2) Ver Jessé Souza, A ralé brasileira, UFMG, 2009

(3)Ver André Singer (2015), Cutucando onças com varas curtas: o ensaio desenvolvimentista no primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014).

(4)Ver Carlos Lessa (1998), A estratégia de desenvolvimento 1974-1976: sonho e fracasso.

(5)Ver Franklin Serrano e Ricardo Summa (2015), Demanda agregada e a desaceleração do crescimento econômico brasileiro de 2011 a 2014.

(6)No acumulado de 2015 os juros nominais atingiram R$496,9 bilhões (8,42% do PIB).

Juliano Giassi Goularti – É doutorando em Desenvolvimentismo Econômico, IE-Unicamp

 

Redação

15 Comentários

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  1. essa é a questao essencial

    essa é a questao essencial para 2018,

    saber se esses que apoiaram o governo popular duranta tanto tempo,

    continuarão a apoiá-lo nas próximas eleições…

    quem decobrir a saída, entrará na história…

  2. Um tímido resumo da ópera

    O artigo do Brasil Debate faz uma espécie de “esforço de recapitulação” um tanto ocioso para qualquer um que, nos últimos tempos, tenha mantido uma atitude intelectual minimamente inquieta diante dos fatos.

    Fica parecendo uma espécie de “resenha atualizada” do livro do Singer, que hoje talvez só se explique como um esforço para, mais uma vez, tentar mostrar para os governistas empedernidos que a sua impermeabilidade crítica (ou auto-crítica) simplesmente pode deixá-los fora da história de uma vez por todas.

    Mas, na verdade, o autor é demasiadamente benevolente com o lulismo defunto, ao concluir que em 2018 pode ocorrer um realinhamento eleitoral do antigo (e novamente resurgido) subproletariado com os ricos.

    As eleições municipais de 2016 podem dar um sinal muito mais contundente dois anos antes. Elas poderão se consumar como o sinal trocado daquelas eleições municipais de 1988.

    E isso será absolutamente similar ao percurso eleitoral espanhol pós-PSOE, com a vitória do PP em 2011.

    Ao que parece, aqueles que estiverem realmente interessados em fazer planos para o futuro já deveriam começar a pensar em alternativas logicamente análogas a algo como o Podemos.

    O lulismo e o PT só permanecerão na cena política como cadáveres insepultos. Continuar a depositar esperança política neles será o mesmo que querer viver com zumbis.

    1. Relacionar o PT ao PSOE é

      Relacionar o PT ao PSOE é complicado por todos os condicionantes históricos de um e de outro e dos países em que atuam. O longo mandato de Felipe (1982 a 1996) pode, sim, ter alguma relação com o longo mandato do petismo. Alguma, pois em nenhum momento desses quatorze anos o petismo foi majoritário no parlamento ou ousou construir instrumentos de mídia que, de algum modo, que fossem favoráveis, como também não levou a central de trabalhadores que é próxima a romper com o governo. Tudo isso ocorreu com o PSOE de Felipe Gonzalez. Além disso, eleições municipais não são parâmetros para as eleições nacionais, principalmente no pós-collor. O PT que quase leva Rio e SP em 92 é trucidado em 94; que quase ganha as mesmas capitais em 96 é amplamente derrotado em 98; o PT que perde Rio, SP e Porto Alegre em 2004 é vitorioso em 2006. Ou que ganha em SP em 2012, mas é trucidado nessa mesma capital em 2014. Outros fatores são mais significativos em uma eleição municipal, muitas vezes difíceis de serem alcançados pela análise rápida e distante. Por fim, não há Podemos no Brasil que seja viável eleitoralmente, nem mesmo Syriza ou qualquer agremição parecida. O mais próximo disso tudo que nos atrevemos a chegar seria o Bloco de Esquerda português. Mas, no Brasil, cabem zilhões de portugais, e cada estado de nossa federação (somos uma federação, por mais que esqueçam disso!) possui uma configuração política própria e uma dinâmica política própria.  O PSOL, por exemplo, não existe em MG.

      Para os que esperam a morte do PT, sugiro estudo de história de nossa latinoamerica. Por mais difícil que possa ser para tantos, o único rumo viável, eleitoral e politicamente, para a esquerda no país no atual momento ainda é Lula. Com tudo o que isso significa.  E ocupar as ruas (reais e virtuais) com suas manifestações e disputa das mentes e consciências para os embates que estão por vir. 

      1. O mundo dá voltas!… mas…

        Se a história latino-americana sugere alguma coisa é que o máximo a que o PT pode chegar a fazer é replicar algo como a trajetória de um PRI mexicano. Melancólico, qualquer que seja a expectativa.

    2. Que inveja Waldir, aja arruda para te segurar!

      Quanto azedume! Não tem vergonha Waldir? Que benefícos você perdeu? Sua empregada não dorme mais na sua casa, o salário do motorista aumentou, seu filho perdeu a vaga na federal para um cotista, seu porteiro viajou no mesmo avião para Paris, foi pego por promover trabalho rural escravo a julgar pelo chapeu de agroboy?

      https://www.youtube.com/watch?v=w-IZhbASiv0

      1. Piroca na batatinha, maionese pouca é bobagem!!!

        Se essa meleca enunciativa do Ulisses é uma resposta à minha postagem anterior, ela só pode ser entendida como esse característico festival de imputações delirantes e caricaturais que acabou se tornando a ultima ratio do governismo obtuso.

        As eleições dete ano o aguarda!!!

        1. Lula é candidato a algo Waldir mucha ramo de arruda?

          Caro agroboy. Espere 2018. Depois veremos. Até lá a merda tem mais conteudo do que o que sai da sua cabeça.

  3. Quando um consagrado

    Quando um consagrado jornalista, pertista lulista até a medula, escreve isto :

    ”’Com o ganho que seu governo facilitou às classes já favorecidas, muito maior que o transferido às classes de baixo, Lula, ao que se pôde deduzir, supôs-se aceito pelo conservadorismo econômico e político”

    é óbvio que não acabou.

    Nunca começou.

  4. O autor confunde a crise mundial com crise de governo

    Crise de governo é o que acontece na Argentina, uma desvalorização de de 40% da moeda combinado com tarifas públicas que podem ser inflacionadas em até 300%. Aqui no Brasil estamo passando, como todos países do mundo, pela rabeira da crise de 2008, tivemos 12 ótimos anos, 12 passos para frente e dois anos de um passo atrás. O governo já conseguiu tornar novamnte a balança comercial positiva, o desemprego ainda é um dos menores do mundo, 8% aqui, 23% na Espanha, 12,5% na Itália e 10,5% na França, todos grandes do primeiro mundo. Na Suécia que é o paraíso dos benefícios sociais ela é de 7,3%.

  5. Nem perdi meu tempo para ler

    Nem perdi meu tempo para ler o artigo.

    O fim do lulismo acontece desde a primeira eleição que o Lula se candidatou presidente.

    Depois disso já ganhou quatro eleições e caminha para a quinta. Ou quem ele apoiar.

    Getúlio, Brizola e Lula não morrem. Daqui há cem anos falarão nesses ícones da política.

    Até hoje Getúlio ainda tem admiradores, poucos, pela idade. Brizolistas muitos ainda estão na ativa.

    Em relação ao Lula, é melhor calar.

  6. E a Lava Jato com isso?

     

     Como bem demonstrado por André Singer em “Os sentidos do lulismo”, Lula foi reeleito em 2006 praticamente com a mesma votação de 2002, contudo graças a eleitores de perfil extremamente divergente daquele que votara nele no pleito anterior. O motivo era simples: conservador, o (muito) pobre brasileiro quer segurança, nada de aventuras, e se possível uma melhorazinha de vida. Passado o primeiro mandato, Lula, que – por um suposto radicalismo – historicamente assustava os muito pobres e conservadores, mostrou-se perfeito: não promoveu mudanças de fundo na sociedade nem na economia, mas implementou e incrementou políticas que melhoraram significativamente a vida dos menos afortunados. Um “reformismo fraco”, diz o eminente cientista político e ex-porta-voz do governo Lula, garantiu ao metalúrgico o apoio massivo dos mais pobres. A direita brasileira entendeu – mas não aceitou – duas coisas: apresentava dificuldades de acreditar que o povo insolentemente não se deixasse levar pela ilustrada pregação antipetista diuturna, geralmente de caráter moralista, com o tema da corrupção à frente; e consciente de que a situação econômica era o que garantia a fidelidade ao petismo, os simpatizantes da direita lamentavam, cínica e preconceituosamente, o fato de as pessoas, segundo elas, “votarem com o estômago” e com tamanha mesquinhez! A avassaladora crise internacional e um possível esgotamento do modelo baseado no mercado interno e inclusão social tenderiam já a trazer adversidades para a economia brasileira, revelando, assim, dificuldades para o segundo mandato de Dilma Rousseff. A coisa, porém, foi ganhando azedume com a operação Lava Jato. A direita brasileira, como dissemos, entendeu muito bem o que vinha acontecendo no País. O moralismo hipócrita e seletivo típico da UDN está presente nos estratos médios, de modo que, dele, não se abre mão, nem que seja por mera ideologia. Mas martelar histórias de corrupção, com economia bombando, renda crescendo e emprego em alta não tem apelo popular.  A operação Lava Jato, porém, não mexe só com os ódios e medos da corrupção. Ela também afeta a economia, pois no escândalo estão envolvidos a maior de nossas empresas de economia mista e grande parte do PIB nacional, trazendo um inexorável relaxamento dos espíritos empreendedores do País. A Lava Jato, portanto, vem com grande força moralista (e de forma seletiva, como tem ocorrido em outros escândalos do País), ao mesmo tempo que mina forças da economia brasileira. Convenhamos: não parece haver coisa melhor para quem apostava no discurso da corrupção como arma política, mas sempre via ele ser barrado pela sensação de bem-estar do povão. Com a economia mais devagar, não tem jeito: as ondas no lago acabam inevitavelmente chegando até os que estão à margem! Se eu acreditasse em teorias da conspiração, diria que a Lava Jato foi realmente pensada para fazer a ligação das duas coisas (corrupção e dêbàcle econômica): ela é a tempestade perfeita que a direita tanto esperava. Adaptado deste original aqui

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