Seria cômico se não fosse trágico, por Maria José Trindade

Seria cômico se não fosse trágico

por Maria José Trindade

Esta semana, ganhei um boneco-palhaço. Decidi colocá-lo, na estante, ao lado de Sócrates. Provavelmente por provocação estética, já que a sisudez do Sócrates contrastava com a zombaria do palhaço. Depois, olhando para a imagem dos dois, lado a lado, duas questões chacoalharam meus neurônios.
 
Para mim, Sócrates, com sua maiêutica, é símbolo da racionalidade, enquanto o palhaço é expressão de afetividade. Esta é uma questão pessoal e refere-se à minha própria experiência em relação à pseudo oposição entre razão (logos) e emoção (pathos). Socialmente, fui “treinada” a enxergar, separadamente, razão & emoção. O racionalismo reforçou, em mim, uma unilateralidade de visão que precisei “desaprender”. O rigor do pensamento racional distanciou-me de outras formas de conhecimento – como crenças, sensações, percepções – tipicamente humanas e igualmente válidas para a compreensão do mundo. 

O maior risco do racionalismo exarcebado é seu efeito de “blindagem” em relação a valores éticos como solidariedade e compaixão. Felizmente, fui resgatada pela rede de afetividade familiar e pela convivência com pessoas generosas. Pais, irmãos, mestres, alunos, parceiros, filhos, amigos. Com eles aprendi a valorizar todo tipo de saber humanizador. Afinal, que importância tem o progresso e o desenvolvimento da ciência, da razão e da técnica se não há distribuição dos seus benefícios? Que lógica é capaz de explicar que apenas oito pessoas, no mundo possam concentrar mais da metade da riqueza disponível? Esta equação não fecha na minha cabeça. E não deveria fechar na cabeça de ninguém. Não há como aceitar um mundo tão desigual.

A outra questão, mais sutil, desenhou-se, para mim, ao longo da semana. Expressa a aproximação/distanciamento que existia entre a tragédia e a comédia gregas. Havia muitos pontos de aproximação entre estes dois gêneros teatrais, mas quero fixar-me em duas diferenças. A primeira é que as tragédias falavam de heróis. Nas comédias, os protagonistas eram pessoas comuns. Outra diferença é que, nas tragédias, o destino do herói já era determinado. Nas comédias, os desfechos das histórias dependiam da solução improvisada pela plateia. A plateia era estimulada a assumir seu protagonismo, introduzindo o elemento-surpresa, capaz de dar desfecho surpreendente e comicidade à representação. A intervenção da plateia possibilitava a abertura para o inusitado, o surpreendente, o não-previsto, a transgressão, o surreal.

Hoje, o toque de surrealidade não pertence mais à plateia. Migrou para a nobreza trágica. O Brasil de Temer tornou-se tão surreal que não hesitamos em recorrer ao clássico aforismo “seria cômico, se não fosse trágico” para manifestarmos nossa incredulidade. Neste Brasil surreal é possível que uma ministra da suprema corte admita condenar alguém sem provas, apenas porque a literatura lhe permite. Ou que um procurador também condene sem provas, apenas por convicção. É possível que um advogado de facção criminosa seja entronizado na cadeira de Ministro da Justiça. Ou que um ator pornô seja alçado à condição de conselheiro do Ministro da Educação. Nem os gregos dariam conta de tanta improvisação! O que mais incomoda é perceber que nós, plateia, aceitemos, passivamente, viver a tragédia deste governo, sem assumir nosso protagonismo para reescrever o final da história.

Redação

3 Comentários

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  1. Acho que todos somos

    Acho que todos somos vacinados e sabemos o que é uma ditadura né? Ditadura é um regime cuja característica principal é que se fodam as platéias! A única coisa inusitada é que trata-se de uma ditadura implantada pela maior máfia de bandidos do planeta. Estamos falando de fhc clinton e seus demotucanos peemedebistas infiltrados em todos os 3 poderes, das ajustadas parceiras conluiados policiais federais, estaduais, municipais, juizes do stf e suas filiais principalemente curitiba e sampa e instituições ligadas. O que importa é a devolução dos votos que nos foram roubados. É a devolução do nosso projeto de democracia! Filhodaputa nenhum é mais do que nós para roubar os nossos votos! Principalmente essa gangue de bandidos a maioria delatados que deveriam ser os primeiros a estarem todos na cadeia há mais de 20 anos! Mas estão soltos, e donos do poder na base de golpe, ainda por cima estão pendurando no pescoço dos seus adversários os crimes que são autores criadores e pioneiros, e jogando a conta para o povo brasileiro pagar!   

  2. Tragédia brasileira

    Isso ocorre porque nos sentimos minoria em meio à imensa massa de mais ou menos esclarecidos. Para recuperar protagonismo, precisamos de vozes que nos faça eco, que nos ressamble, nos una. Precisamos de voz politica, no sistema judicial, nos meios intelecutais, na imprensa. No momento as vozes que se erguem é desses que defendem e representam essa tragédia que estamos vivenciando de olhos incrédulos.

  3. Acho que o povo está querendo

    Acho que o povo está querendo ver aonde a Globo vai levar… Estão achando que é apenas mais uma novela criada por eles que terá um final feliz para todos… Com os “malvados” presos… E os “bonzinhos” felizes para sempre.

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