Só a boa educação pode findar a cultura de ódio, por Matê da Luz

Por Matê da Luz

Mais um final de semana tenso no mundo. Vidas foram cortadas por tiros em uma boate gay em Orlando, nos Estados Unidos, chocando o mundo com mais uma onda de ódio e violência sem sentido – sem sentido porque definitivamente não há argumento que libere um indivíduo e a matar outro, ao meu ver, e ainda menos quando a justificativa beira uma orientação tão íntima e pessoal quanto a sexualidade.

Foram 50 mortos e mais de 50 feridos gravemente, atingidos por uma só pessoa que, criada em um ambiente hostil às escolhas do outro, despejou seu sentimento imbecil de raiva e ira e desrespeito da ponta de um revólver. 

O que isso tem a ver com educação?

Pra mim, tem tudo a ver. Na minha família, apesar de todas as questões complexas e complicadas que envolvem um contexto que, acredito, é pensado para o desenvolvimento individual, o respeito ao próximo como ser humano individual e, portanto, importante, foi levado à risca desde muito cedo. Meus pais não são pessoas preconceituosas, sempre circularam em diferentes ambientes e nos ensinaram que o que define caráter passa longe de cor, credo ou sexualidade e, mais que isso, que quando existe a oportunidade, é nosso dever nos colocar à disposição para amparar e ajudar a caminhada de outro alguém. 

Por exemplo, houve um ano especialmente dedicado ao apoio a uma família que passava por problemas sérios com drogas. Após organizar amigos e conhecidos para bancar o tratamento dos meninos, meus pais nos levavam para visitas à clínica de reabilitação para que efetivamente fizéssemos parte daquele processo. Nunca passaram lições de “não seja assim” ou “não faça assado”, mas ficou gravado na mente que aquele era um caminho difícil, mas que mesmo assim havia saída – uma saída bem próxima ao amor e ao respeito à limitação do outro, neste caso. 

Já tomei bronca séria ao me referir, ainda adolescente, à uma amiga pejorativamente por ela ser negra e, envergonhada por ter errado feio, fui acompanhada de meu pai até a porta de sua casa pedir desculpas a ela e a seus pais por tamanha ignorância. A educação de respeito ao próximo era levada à risca e eu agradeço imensamente por esta oportunidade que, hoje, reflete na criação de uma filha que, além de ter uma visão ampla e necessária à nova sociedade que se faz urgente, tem opções mais livres de expressar amor onde houver espaço. 

Acredito piamente que este caminho, o do amor e liberdade, começa a ser trilhado dentro de casa, por mais tradicional que este discurso seja. Claro, existem almas que mesmo num ambiente hostil e fechado, acabam por falar mais alto e saem em busca de frestas para se manifestar – mas continuo crendo que, mais simples e eficaz, é a disponibilidade de dialogar sobre a amplitude da expressão maior de respeito, que é deixar ser quem cada um quiser. E se modificar caso este ou aquele se transforme, porque é disso que se trata essa existência: escolhas e aprendizados em busca do crescimento, do amadurecimento, de uma “subida” constante, que nem sempre é acompanhada de calmaria e tranquilidade, mas que pode ser menos dolorida quando cercada de afeto. 

Cada um de nós vem ao mundo com seus preconceitos, adquiridos pela criação, pelo contexto ou por características individuais mesmo, é verdade. Cabe, assim, a disponibilidade de entender e aceitar que nenhum conceito é tão importante que valha a violência verbal, psicológica, emocional ou física a outro e que, já que também não somos obrigados a aceitar as novidades que o mundo apresenta, ainda nos resta a opção silenciosa do respeito, uma vez que a escolha do próximo não impacte, definitivamente, na nossa existência e liberdade. 

Se eu tenho uma limitação que prende o outro, cabe a mim trabalhar o tema internamente ou me calar, num exercício que ecoa em minha filha e, assim, reflete nas pessoas ao redor dela. Pollyana? Não, questão prática e de efeito positivo. Ensinar que posso ser quem eu sou, que tenho a opção de me desenvolver e ampliar o impacto de determinado tema em mim ou, então, que devo respeitar as escolhas do otro (aquelas que não interferem na minha própria liberdade, porfim), é um dos legados mais preciosos e, acredite!, poupa inclusive doenças ansiolíticas e depressivas, tão comuns no cenário atual. 

Amar e ser livre, título de um dos meus livros favortiso (do Prem Baba, pra quem interessar possa), é base de educação sim, e deve ser praticado se realmente desejamos um mundo melhor, absolvido do mal maior, que é esse de propagar ódio e manifestação violenta. Começa em mim, passa pra você e ecoa nos arredores – um movimento enorme, que depende de pequenas ações e transmutações individuais, as mais simples e eficazes de fazermos. 

Vale tentar. O futuro da humanidade agradece. 

Mariana A. Nassif

4 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. A educação na família é

    A educação na família é importante, mas não pode tudo.  Não raro vemos irmãos se desgarrando dos exemplos para ir ao encontro do oposto do  aprendizado.

    Não devemos esquecer que a mente humana ainda é desconhecida.  

     

  2. Matê, estamos em sintonia hoje:

    Orlando: a dor indizível de um proto-genocídio que “ousa dizer o próprio nome”   

     ROMULUS   TER, 14/06/2016 – 07:40   ATUALIZADO EM 14/06/2016 – 11:22

    Por Romulus

    – Diante da indizível dor de um exercício de proto-genocídio, deixo então, como prece, minha homenagem à educação e aos educadores.

    – Um dia a gente consegue levar um exército de Profas. Elaines, Rosalinas, Rosanes e Celéias a todas as crianças do Brasil. Às pobres, mas também às ricas. Porque todas, independentemente de classe social, estão em recuperação na disciplina Humanismo.

    – Alguma dúvida de que a universalização de um currículo humanista, desenvolvido por profissionais de tal quilate, faria massacres como esse de Orlando coisa do passado?

    – Resumo de Tiago Nunes para o post: a esquina entre o massacre em Orlando, o golpe no Brasil e a (falta de) educação.

    * * *

    Orlando: a dor indizível de um proto-genocídio que “ousa dizer o próprio nome”

    Ocupado denunciando o golpe no Brasil, não escrevi nada sobre o massacre de Orlando ainda. Bem, devo dizer que o golpe aqui não deixa de ter a ver com o assunto. Na base de apoio do golpe na sociedade e no Congresso há um forte contingente de homofóbicos – de verdade ou que jogam para a plateia* – e disseminadores de discursos de ódio.

    LEIA MAIS »

  3. A psicologia diz que quando

    A psicologia diz que quando se tem um ódio injustificado por alguém, ou por sua orientação sexual, há desejo reprimido, inveja da condição do outro, e não aceitação de si próprio.  Esse atirador era assíduo frequentador da boite e fazia uso de diversos aplicativos de celular dirigidos a comunidade gay.  Ele foi casado com mulher, e o casamento durou apenas 4 meses. Tudo indica que era um gay reprimido, talvés devido a educação repressora cultivada dentro da família.  A sexualidade não pode ser reprimida, a sexualidade tem que ser educada.  Esse é só um dos casos de repressão sexual que culminou em tragédia, tivesse esse rapaz sido criado em um ambiente menos castrador, certamente as chances desse ato tresloucado acontecer seria mínima.  Exemplo maior é a pedofia que ainda grassa nos porões da ICAR, devido a sua política de castidade imposta a força em pessoas que não apresentam a menor condição de exercê-la.  Energia sexual reprimida costuma terminar em tragédia de difícil explicação.

     

  4. Ingenuidade pouca é bobagem mesmo…

    Ah, claro, se houvesse mais educaçao, mais amor, mais tolerância e outros quejandos haveria menos ódio… Só se esquece nesse tipo de análise as causas das causas…

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador