Sonegação e corrupção, por Johnnygo

 

A importância dos tributos

O IBGE informou no mês passado que o PIB de 2014 fechou em R$ 5,52 trilhões. Nossa renda per capita é de R$ 27.230. Sabemos que a carga tributária brasileira gira em torno de 36%. Fazendo as contas, pagamos R$ 816,00 em impostos por mês para atender uma série de garantias legais e de reclamos sociais (valor médio). Embora seja possível aprimorar a eficiência e reduzir o desperdício, salta aos olhos o óbvio: o recurso é escasso para tudo o que exigimos dos governos.

A retórica de que o cidadão paga impostos e não recebe serviços adequados é astuciosa. Tem servido como álibi para a má conduta cidadã, vitimizando quem deveria contribuir mais para o bem estar social, como ocorre nos países mais desenvolvidos.

Na Noruega, por exemplo, a renda per capita é de US$ 100.818,00 e a carga tributária de 44%. Dessa maneira, cada cidadão contribui, em média, com R$ 8.800,00 mensais ao Estado. Ou seja, mais de 10 vezes que no Brasil. É lógico e racional que os serviços públicos noruegueses sejam pelo menos 10 vezes superiores aos nossos.

É preciso, então, além da retórica da eficácia, aumentar as receitas fiscais no Brasil se quisermos serviços de acordo com as nossas exigências. Discussões sobre reforma tributária costumam levar a impasses sem solução de continuidade, pois cada parte da sociedade possui uma versão própria do assunto, conforme seus interesses. Simplificação do modelo, progressidade da curva de arrecadação, imposto sobre grandes fortunas, carga sobre o setor produtivo, incidência sobre consumo ou renda, entre outras, são questões que levantam acalorados debates. Para decepção quase geral, o tema se arrasta e não evolui.

 

A importância do combate à sonegação

Uma saída é atacar a sonegação. Este movimento do Estado brasileiro tem ocupado, ainda que discretamente, as últimas manchetes dos grandes jornais. Contas secretas no HSBC suíço (Swissleaks) e operações da PF envolvendo fraudes fiscais bilionárias (Zelotes-Carf) vêm confirmar que o custo da sonegação é gigantesco e muitas vezes superior ao estimado em relação à corrupção.

As estimativas indicam que sonegação pode chegar a 25 vezes o valor desviado no ralo da corrupção. Segundo números mais modestos, ainda que não menos assustadores, a sonegação de impostos é 7 vezes maior que a corrupção. Deixa-se de recolher 500 bilhões de reais por ano aos cofres públicos no País, calcula o presidente do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, Heráclio Camargo. O custo anual médio da corrupção no Brasil, em valores de 2013, corresponde a 67 bilhões anuais, informa José Ricardo Roriz Coelho, diretor-titular do Departamento de Competitividade e Tecnologia Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, com base em cálculos recentes.

Sonegação versus corrupção

Podemos argumentar que sonegação é igual a corrupção. Na prática, porém, os trâmites legais aplicados às duas situações são bem diferentes. Há uma complexa rede de relações e sistemas normativos cujo funcionamento, muitas vezes, não está direcionado à universalização da justiça nessa área.

A corrupção leva a indiciamento criminal mesmo que os valores surrupiados sejam devolvidos, em que pese o crescente aumento nos prêmios por delação. No caso da sonegação, por outro lado, nem sempre se chega ao indiciamento.

Em alguns países, o sonegador vai preso, com algemas nos braços e nas pernas, pois enfatiza-se que tal crime retira da sociedade serviços que lhe são essenciais. No Brasil, uma série de injunções legais e facilidades prescritivas colaboram para livrar o sonegador da cadeia. A extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida fiscal cria um privilégio que não é aplicado às demais modalidades delitivas e fere o princípio constitucional da igualdade. Mesmo se comprovada a intenção contumaz da fraude fiscal, o tecido legal é benevolente com o sonegador: uma vez paga a dívida com o Estado, o caso tende a prescrever e se dar por encerrado.

A constitucionalização da impunidade

Desde 1964, com a Lei 4.357, o legislador brasileiro vem oscilando entre permitir ou não a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo. A Lei 4.729/65 a admitia desde que o pagamento fosse antes do início da ação fiscal. A partir da vigência do DL 1060/69, permitiu-se a extinção da punibilidade mediante o pagamento após a decisão administrativa final. Em dezembro de 1990, o artigo 14 da Lei 8.137 também a permitiu, antes do recebimento da denúncia.

Finalmente, em dezembro de 1991, curiosamente, pelo então presidente Fernando Collor, extinguiu-se essa prerrogativa, com a revogação expressa pelo artigo 98 da Lei 8.383/91, tornando mais eficaz a legislação penal tributária, com penas de até 5 anos de prisão.

No entanto, quatro anos depois, em pleno governo Fernando Henrique Cardoso, restabeleceu-se esse privilégio, com o artigo 34 da Lei 9.249/95, se o agente promover o pagamento do tributo antes do recebimento da denúncia pelo juiz. No projeto de emenda constitucional da reforma tributária (PEC 175/95), inseriu-se dispositivo assegurando que nenhuma denúncia será oferecida antes de transitado em julgado o processo administrativo-fiscal, e isso sem suspensão ou interrupção da prescrição.

Em 1996, a Lei 9.430 (art.83), impediu os órgãos administrativos de comunicar prontamente a ocorrência dos delitos ao Ministério Público, antes da decisão definitiva da esfera administrativa. Na prática, a maioria dos crimes fiscais prescreverá, aumentando-se a impunidade, apesar de o Ministério Público poder oferecer a denúncia quando tomar conhecimento do crime. Essa lei, na verdade, criou embaraços à propositura de ações penais tributárias e ao combate à sonegação. O objetivo é claro: aumentar a arrecadação no curto prazo, mesmo que isso signifique redução do risco em sonegar e do cumprimento voluntário da obrigação de pagar tributos.

Assim, estabeleceu-se um tratamento diferenciado entre os crimes fiscais e as demais modalidades delitivas. O jurista Andreas Eisele assim se manifesta sobre a matéria: A elevação do instituto do arrependimento posterior (art. 16 do CP) de causa especial de diminuição de pena à causa de extinção da punibilidade, unicamente em crimes contra a ordem tributária, cria um privilégio que decorre dos princípios socioeconômicos do liberalismo, o qual influenciou a elaboração da legislação penal. Para Eisele, o tratamento diferenciado que se estabeleceu em nosso ordenamento jurídico deve ser excluído quando a sociedade fizer a distinção entre o crime fiscal e os demais delitos para acentuar a reprovabilidade de tais condutas em face da extensão do dano causado, substancialmente elevado. Neste sentido, a lei precisa estabelecer um tratamento coerente, adotando postura uniforme. No crime de roubo, não basta a reparação do dano, esta serve somente para reduzir a pena; enquanto no crime fiscal o pagamento do tributo extingue a punibilidade. Isso fere frontalmente o princípio da igualdade, artigo 5º, I da Constituição Federal

A proposta de auditores fiscais federais é indiciar criminalmente os sonegadores, mesmo após o pagamento da dívida. A luta pela justiça fiscal e social, deve incluir a promoção da criminalização de condutas nocivas aos direitos coletivos, especialmente o crime fiscal. É preciso derrubar preconceitos e estimular uma mudança cultural que favoreça a consciência tributária. O legislador brasileiro deve buscar igualdade constitucional e acentuar a reprovabilidade das condutas praticadas pela sonegação de tributos.

Fontes:

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Onde-esta-o-Estado-/7/32779

http://www2.unafisco.org.br/institucional/conaf/conaf2000/index1.php?codigo=201

http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/89/92

http://www.cartacapital.com.br/economia/sonegacao-de-impostos-e-sete-vezes-maior-que-a-corrupcao-9109.html

 
Redação

4 Comentários

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  1. pergunta relevante

    as empresas, não só as grandes multinacionais ou os bancos, mas, empresas médias também, as pequenas possuem desonerações e simplificação tributária; tem reais condições de pagar os impostos existentes hoje sem que isso impeça que ela se mantenha no mercado(gastos com funcionários, com manutenção, com serviços contratados)??

  2. Quanto bobagem > Se a carga

    Quanto bobagem > Se a carga fiscal JÁ é 38,4%, uma das mais altas do mundo, sem sonegação quanto seria? 50%?

    O GROSSO da base tributaria do Brasil é insonegavel, é baseada no sistema de substituição tributaria, a arrecadação vem de tarifações insonegaveis como telecomunicações, energia, automoveis, combustiveis. As operações de cambio são tributadas no guichê do banco, insonegaveis. Compra e venda de imoveis tem tributação no cartorio, operaçõs de bolsa se tributa na corretora, I.R. de aplicações de renda fixa são tributadas dentro do sistema financeiro.

    Essa MEGA SONEGAÇÃO é impossivel porque a informatização ALTISSIMA do sistema financeiro brasileiro, mais alta que na Europa, capta todos os fluxos de caixa, não escapa nada. Sonegação existe MAS com os instrumentos da receita hoje é dificil escapar de fluxo de dinheiro, o que sobra é alguma coisa mas não é essa CONSPIRAÇÃO propagada.

    Essa ideia que existe uma sonegação absurda é PRE-INFORMATICA e é alimentada por conversas de bar e de interessados em difundir essa ideia de fantasmagoricas sonegaçõs.

    Só para dar um exemplo, as cervejarias todas tem CONTADORES automatizados nas bocas dos tubos linkados com a Receita. o mesmo nas fabricas de refrigerantes, a Receita brasileira é das mais informatizadas do mundo.

    1. Se reduzíssemos a sonegação a

      Se reduzíssemos a sonegação a ponto de elevar a carta tributária a 50%, o Brasil só teria a ganhar. É claro que isto é impossível. Os números da sonegação no Brasil são aproximações. De acordo com o sonegômetro, só no primeiro trimestre deste ano foram sonegados R$ 128 bilhões. Trata-se de trabalho divulgado pelo SINPROFAZ – Sindicato Nacionaldos Procuradores da Fazenda Nacional. Em apenas um caso, a operação Zelotes da PF, estima-se fraude fiscal da ordem de R$ 19 bilhões no Carf.

      Apenas uma pequena observação: replicar uma argumentação iniciando com um “quanto bobagem” (sic) revela mais a arrogância de quem replica do que a ignorância de quem argumentou. E olha que lhe tenho consideração.

       

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