do Grupo Prerrogativas
Supressão de direitos nas prisões não deterá o vírus
por Daniella Meggiolaro, Hugo Leonardo e Marina Dias Werneck de Souza
Desde que o Brasil entrou na rota da Covid-19, o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) tem procurado reduzir os impactos da pandemia nas prisões. Nelas, a proporção de pessoas com tuberculose é 35 vezes maior do que na população em liberdade. Se uma doença tão identificada com o século 19 tem tal grau de incidência, o que esperar do novo coronavírus, com o qual o mundo ainda aprende a lidar?
Uma vez que não existe prisão isolada —e as mais de 100 mil pessoas trabalhando no sistema carcerário brasileiro o provam—, as consequências da pandemia serão sentidas necessariamente também fora das cadeias, inclusive com peso extra sobre o SUS por casos graves de infectados dentro das celas.
Diante do quadro, o IDDD, outras organizações e Defensorias Públicas de diversos estados têm proposto na Justiça medidas de redução da população prisional para poupar vidas. Defendemos o desencarceramento seletivo e não indiscriminado, como tem sido erroneamente apontado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Na petição ao Supremo, recomendamos medidas cautelares e penas alternativas aos que integram grupos de risco da Covid-19: gestantes, lactantes, acusados de crimes sem violência ou grave ameaça e aqueles que já têm direito à progressão do regime. No entanto, existem propostas pouco realistas na direção contrária.
O ministro Sergio Moro tem insistido em medidas puramente restritivas, como a suspensão de visitas, sob o argumento de preservar a segurança pública. O Depen (Departamento Penitenciário Nacional) e o Ministério da Justiça anunciaram investimentos em itens de higiene e proteção que, embora importantes, não são suficientes para conter a Covid-19 num sistema carcerário com cerca de 312 mil pessoas a mais do que comporta —implicando a mais completa impossibilidade de distanciamento social, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No último dia 31 de março, o ministro chegou a citar um caso que jamais existiu: um homem de 38 anos teria saído da cadeia para cumprir “prisão domiciliar humanitária” e acabou flagrado com mais de 100 quilos de drogas, além de armas.
A história serviria de alerta para o suposto risco de uma crise de segurança, hipótese sem respaldo fora da retórica punitivista e do discurso do medo.
A imposição de medidas restritivas carece de base realista, uma vez que o indicador de eficácia defendido por Moro seria a ausência de casos confirmados de Covid-19 nas prisões. Ora, não há testes sequer para a população em liberdade. O que dizer, então, dos quase 800 mil presos que, até onde sabemos, têm 74 casos suspeitos da doença? A testagem, provavelmente, só chegará ao sistema prisional quando a tragédia já estiver instalada.
Será mesmo que o desencarceramento seletivo é capaz de causar crise na segurança? Se tal risco existe, ele jamais foi demonstrado. De outro lado, sabemos que a medida poderia contribuir para aliviar a pressão sobre o SUS. É preciso pensar nisso antes que a Covid-19 comece a vitimar pessoas presas, trabalhadores do sistema carcerário, suas famílias e a todos nós.
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo.
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O ministro de Jair Bolsonaro devia se colocar no lugar dos presidiários, afinal se não fosse pelo tão amaldiçoado corporativismo judiciário. Ele poderia ser um dos detentos em risco de contaminação, em função das diversas acusações de crimes praticados, quando juiz, que foram generosamente barrados em seu favor.