Sururu, por Maria Cristina Fernandes

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

Sururu

Maria Cristina Fernandes

Às 23h do dia 23 de dezembro do ano passado, o economista George Santoro recebeu um telefonema do ainda não empossado ministro da Fazenda. Joaquim Levy perguntou se seu ex-auxiliar na Fazenda do governo Sérgio Cabral toparia assumir uma missão fora do Rio. Na noite do dia 25 Santoro viajou para Maceió para encontrar-se com o governador eleito Renan Filho. Aceitaria ali o comando do caixa do Estado mais problemático da Federação.

Alagoas tem o pior índice de analfabetismo, as piores notas do Ideb, o mais baixo investimento per capita em saúde, o mais alto índice de violência e a pior colocação brasileira no índice internacional de desenvolvimento humano (IDH). A despeito da folha corrida de serviços não prestados, acumulou, guardado seu tamanho, a maior dívida pública do país. O currículo foi apresentado por seu novo governador no discurso de posse, cinco dias depois do encontro com o enviado de Levy.

É possível que as atribuições do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, venham a afetar o presidente do Congresso, Renan Calheiros, num arrastado futuro, mas o desfecho de sua queda de braço com o Executivo não pode ser entendido sem uma lupa sobre a missão de George Santoro.

Cofre de Alagoas está nas mãos de indicado de Levy

O circo que Renan armou em Brasília é reportado como demonstração de força. O foco sobre Alagoas – o golfo que falta ao país na definição de seu mais célebre escritor -, sugere que se trate, na verdade, de um lapso de fraqueza na carreira do senador.

Sua força como parlamentar deriva de acordos que não publicizam suas condições e de criativas interpretações de regimentos a serviço de todos os naipes do poder.

Quando o presidente do Congresso recusa com nota oficial convite para jantar na companhia da presidente da República e usa sua criatividade para confrontar com solenidade medidas tomadas pelo mentor do guarda-livros alagoano, é por se ver acossado no exercício do poder que sempre soube exercer.

O problema da lista de Janot não é expor o cimento das coalizões de Brasília, mas comprometer a capacidade de os parlamentares remendá-lo.

Sem nunca ter governado Alagoas, Renan é, de longe, seu político mais poderoso. Construiu esse poder tornando-se necessário aos ocupantes do Planalto. Ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso num tempo em que a Polícia Federal era menos afoita, foi determinante na operação que salvou o governo Luiz Inácio Lula da Silva do mensalão. Teve retribuição do PT na apertada votação que evitou sua cassação em 2007, depois de revelado que saía de uma empreiteira beneficiada por emendas suas o pagamento de pensões alimentícias que lhe eram devidas. Depois de escapar da cassação – sem o voto do atual ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante -, o senador foi facilmente reeleito no Estado.

A eleição do filho foi precedida da expectativa de que o Estado poderia tomar rumos semelhantes ao vizinho ao norte que viu sua economia deslanchar com a estreita relação de seu governador (Eduardo Campos) com o presidente da República (Lula). O compromisso de tirar Alagoas do atoleiro até 2017 foi solenemente anunciado por Renan Filho como marco dos 200 anos desde que a insurreição de Pernambuco lhe deixou sem a sua mais fértil comarca.

Não vai ser uma missão fácil, especialmente se o pai, na eventualidade de ser enredado em inquérito, resolver confrontar o poder. Na mesma semana em que o presidente do Congresso devolveu a medida provisória que reduz a desoneração da folha de pagamentos, o governador de Alagoas, acompanhado de Santoro, foi ao encontro do ministro da Fazenda. Saiu de mãos vazias, mas com simpáticas promessas de futuro, se houver amanhã depois dos arroubos. Ao final do encontro, segundo Edivaldo Júnior, da Gazeta de Alagoas, o ministro ligou para o rebelde senador para avisá-lo do encontro com o filho.

Levy tem em suas mãos não apenas a regulamentação da mudança no indexador das dívidas estaduais aprovada em 2014 como também o controle sobre as transferências voluntárias – nome que se dá a recursos para programas como Minha Casa Minha Vida e Pronatec, refrescos de Estados pendurados como Alagoas.

A tesourada de Levy que, como mostrou Denise Neumann, do Valor (4/03), depende menos do Congresso do que Renan gostaria, vai obrigar o deficitário Estado a se haver com seus apaniguados.

O governador mandou cortar um terço dos cargos comissionados. Para o economista Cícero Péricles, a medida não vai resolver o desequilíbrio decorrente de despesas com inativos que consomem metade da folha do Estado – “A máquina do Estado que, basta ver os indicadores, já proveem educação e saúde muito deficientes vai piorar ainda mais”.

Se os cortes terão efeito limitado, as medidas para aumentar a receita dependem da pior máquina arrecadadora da região. A indústria sucroalcooleira, a principal do Estado, assistiu à quebra de metade de suas usinas nos últimos 15 anos e contribui com apenas 0,2% da arrecadação de ICMS.

Ao assumir a secretaria da Fazenda, Santoro deparou-se com uma reunião mensal em que o titular da pasta reunia-se com auditores para decidir a lista de empresas sujeitas a autuação. O secretário assinou portaria em que se exclui e dá à reunião caráter exclusivamente técnico, mas blindar o governo de um Calheiros de ingerências não é tarefa para amadores.

Renan Filho nomeou para a secretaria de Segurança, Alfredo Gaspar, promotor de justiça que se destacou no grupo do Ministério Público que combate organizações criminosas. O MP alagoano enfrentou nos últimos anos quadrilhas organizadas em dezenas de prefeituras.

O caso mais emblemático é o da ex-prefeita de Piranhas, Melina Freitas. Acusada de participar do desvio de R$ 16 milhões na cidade que abriga o canion do rio São Francisco, Melina teve sua prisão pedida pelo promotor que hoje é secretário de Segurança. Em janeiro, Renan Filho chamou Melina para a pasta de Cultura. A ex-prefeita saiu da mira de seu colega de secretariado porque a prisão foi revogada pelo Tribunal de Justiça do Estado, cujo presidente é pai da moça e um dos principais aliados do presidente do Senado. É neste caldeirão de sururu azedo que se depura a autonomia dos Calheiros.

Maria Cristina Fernandes é jornalista do Valor. Escreve às sextas-feiras

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Chocante…

    “O caso mais emblemático é o da ex-prefeita de Piranhas, Melina Freitas. Acusada de participar do desvio de R$ 16 milhões na cidade que abriga o canion do rio São Francisco, Melina teve sua prisão pedida pelo promotor que hoje é secretário de Segurança. Em janeiro, Renan Filho chamou Melina para a pasta de Cultura. A ex-prefeita saiu da mira de seu colega de secretariado porque a prisão foi revogada pelo Tribunal de Justiça do Estado, cujo presidente é pai da moça e um dos principais aliados do presidente do Senado. É neste caldeirão de sururu azedo que se depura a autonomia dos Calheiros.”

    Como diz aquele funk… Dominado, ta tudo dominado!

    1. Para se ter uma noção da voracidade das piranhas das alagoas.

      Consultem http://pt.m.wikipedia.org/wiki/Piranhas_(Alagoas)

      Lá fica-se informado que o município tem pouco mais de vinte mil habitantes e um PIB de sessenta e cinco milhões. Os dezesseis que a bandida desviou correspondem a quase um quarto do PIB.  Num paralelo em nível federal, isso equivaleria a um desvio de aproximadamente seiscentos bilhões de dólares, como se de cada um de nós, a pistoleira levasse três meses da nossa renda anual, um rombo significativo e doloroso no orçamento, até dos extratos mais altos que têm vida financeira mais folgada. Agora, imaginem isso para uma população arrochada numa renda média anual per capita, que mal passa de dois mil e quinhentos reais. Essa é a “elite” das alagoas, roubam até chapéu de cego, não é à toa que o ministro da fazenda enviou um vigia para o cofre do estado; tem mais é que virar golfo mesmo.

  2. Não pode-se resumir a

    Não pode-se resumir a situação de meu estado e de Renan, apenas do que foi falado. Teriamos um historico longo de esquecimentos desde sua origem. 

    Lembrando que Alagoas, tem algumas caracteristicas:

    1) Sendo o segundo menor estado do Brasil, tem sempre figuras emblematicas poloiticas no poder central desde a sua origem. Além do Collor, Renan, podemos lembrar dos Marechais.

    2) Pelo seu lado conservador, não tem se beneficiado pelo dois grandes ciclos(PSDB e PT), sempre votando na oposição, para se ter uma ideia Alagoas tem campos de gás terrestres e nenhuma termoeletrica. A ultima foi a dificuldade de implantação de um estaleiro, que poderia ser a “rendenção ” economica do estado.

      

     

  3. O Imperio de 500 anos: Casa Grande!
     

    A casa grande não sai do Brasil!

    Por mais que o brasileiro queira eles se mantem, do folhetim aos governos, ao congresso e a vida politica, ao judiciario e ao congresso.

    Renan

    Sarney

    Neves

    Maluf

    Collor

    etc…. quantos nos envergonham e nada!

     

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